A
OBSOLESCÊNCIA DO ENSINO
Valdemar W. Setzer
(Versão 2.1 de 14/4/01)
1. Introdução
Em 12/2/98 um colega enviou um e-mail a todos os docentes de meu departamento
na USP, chamando a atenção para o fato de os jovens quererem
usar o computador e a Internet em vez de assistir às aulas. Ele
atribuiu esse fato à obsolescência do ensino, implicando
que em parte ela é devida ao fato de as escolas não terem
acompanhado o desenvolvimento tecnológico do século XX.
Estou completamente de acordo com seu diagnóstico: a escola está
obsoleta. Mas divirjo totalmente na concepção da causa:
creio que a obsolescência não é tecnológica,
mas humana.
Este artigo foi originalmente o texto de um minicurso ministrado no IX
Simpósio Brasileiro de Informática na Educação,
Fortaleza, Nov. 1998. Em janeiro de 2001 foi reescrito e ampliado, com
a finalidade de fazer parte de meu livro Os Meios Eletrônicos e
a Educação: Uma Visão Alternativa a ser lançado
pela Editora Escrituras no fim de abril de 2001. Infelizmente, ele foi
cortado dessa edição; apresentamos aqui essa última
versão. Todos os artigos citados a seguir como constantes de meu
"site", menos o sobre a desmistificação do DNA,
estão também nesse livro em forma revista e ampliada.
Este artigo está organizado da seguinte maneira. No item 2, mostro
que o ser humano teve mudanças drásticas em sua constituição
psíquica, que levaram a verdadeiras descontinuidades na história.
Tendo em vista essas mudanças históricas, no item 3 exponho
os resultados de mudanças recentes no ser humano, ocorridas no
século XX, e que denomino de "novas consciências".
No item 4 mostro como o ensino de hoje em dia ainda tem em geral características
negativas, herdadas de costumes antigos. No item 5 mostro como essas características
negativas não combinam mais com as "novas consciências",
justificando a afirmação de que o ensino não acompanhou
a evolução humana, e portanto está obsoleto. No item
6 apresento algumas características de um ensino ideal, que estaria
de acordo com a evolução humana daquele século. Finalmente,
no item 7 faço uma síntese geral, bem como uma referência
a um método de ensino que, apesar de relativamente antigo, já
apontava para todas essas mudanças, podendo portanto ser considerado
como um método adequado para nossos dias, e exponho brevemente
por que o problema não é tecnológico.
2. Exemplos de mudanças históricas na constituição
humana
Se observarmos a história, veremos que o ser humano foi, por um
lado, perdendo certas capacidades, e por outro ganhando outras.
Como uma criança pequena hoje, na remota antiguidade nós
éramos muito mais "intuitivos", e nossos sentidos eram
bastante embotados. Havia uma inteligência aguda, mas não
consciente e lógica como a que temos hoje em dia. Vivíamos
num estado de sonho, o que é manifestado claramente nos velhos
mitos, desde o de Guílgamech [Lima], passando pela Baghavad Gita
[Rohden 1963], até a mitologia nórdica (Thor, Wotan, Widar,
etc.) e os contos de fadas dos Grimm. Não era possível exprimir
em conceitos claros aquilo que se observava, pensava, sentia e se queria.
Vou citar aqui alguns indícios históricos do aparecimento
de novas capacidades de observar o mundo, pensar e sentir.
A diferença entre Aristóteles e Platão é fantástica.
Isso é mostrado claramente no famoso quadro "A Escola de Atenas"
de Rafael, um dos mais inspirados pintores que o mundo já teve.
Nele, Platão e Aristóteles descem os degraus da Academia
de Atenas. O primeiro segura um livro com o nome Timaios (um dos diálogos
mais esotéricos, onde ele fala de Solon contando sobre a Atlântida)
e com o outro braço aponta para o céu, com um dedo estendido,
sua individualidade apontando para a realidade divina. O segundo segura
um livro com o título Ethikon e está com o outro braço
estendido para a frente, a mão com dedos abertos voltada para baixo,
como se compreendesse e dominasse a Terra [Civita 1968b pr. X (detalhe
dos dois); Campos 1973 pg. 22; Janson 1969 pg. 371].
De fato, lendo-se esses dois filósofos, nota-se que Platão
ainda estava imbuído da antiga intuição, e não
fala muito claramente; em muitos diálogos dirige-se às pessoa
mais simples, como o caso de querer mostrar como um escravo poderia aprender
a demonstrar um teorema de geometria. Ele está mais interessado
nas coisas do espírito do que nas terrenas. O contrário
se passa com Aristóteles, que desenvolve o que chamarei de "Lógica
Terrena". Um exemplo disso é o seguinte: ele afirma que a
"alma" é composta de dois componentes, um perecível,
contendo nossas emoções e instintos e o outro eterno [Aristóteles
1952, On the soul, Livro III, cap. 5 pg. 662]. Ele conclui pela necessária
existência desse segundo componente por meio de um puro raciocínio
lógico: como somos capazes de entrar em contato com conceitos que
não dependem de nós, não são materiais e são
eternos (como os conceitos matemáticos - o de circunferência,
por exemplo) devemos ter algo em nós da mesma natureza eterna.
Para Platão, a existência de algo eterno no espírito
humano era óbvio [Platão 1952, Phaedrus pg. 124], e não
precisava ser deduzido - afinal, ele tinha sido um iniciado nos Mistérios
e tinha observado essa realidade.
Um outro exemplo histórico que gostaria de citar é o do
Cristo Jesus. Em alguns trechos dos evangelhos (como p.ex. na Parábola
do Semeador em Marcos 4 e Mateus 13) seus discípulos perguntam-lhe
o significado de suas parábolas. Aí ele diz: "A vós
é dado saber os mistérios do reino de Deus" (isto é,
do mundo não-físico) e explica conceitualmente o que queria
transmitir com as imagens dadas ao povo. Rudolf Steiner, em uma palestra
de 18/9/1912 deu uma interpretação bastante plausível
para essa frase [Steiner 1996 pg. 71]. O povo não estava ainda
preparado para absorver e compreender conceitos, explicações
abstratas; era necessário usar imagens que, indiretamente (como
o Buda tinha feito com seus discípulos), iriam provocar o exemplo
e o desenvolvimento moral que ele desejava. Já os discípulos,
que estavam fazendo com ele um aprendizado e um desenvolvimento pessoal
enorme, não só moral, mas em sua capacidade cognitiva, podiam
compreender os conceitos (como o fizera Aristóteles, mas em questões
terrenas) - o que hoje praticamente qualquer pessoa com um mínimo
de desenvolvimento intelectual é capaz de fazer.
Um outro desenvolvimento humano posterior decisivo foi uma grande perda
de impulsos e visões interiores, e a conseqüente busca de
investigar o mundo exterior para preencher o vazio interior resultante.
Isso levou à descontinuidade histórica do século
XV onde aparecem, entre outros, a investigação científica
moderna, os descobrimentos, a perspectiva na pintura e o individualismo.
De fato, com relação a esse último aspecto, não
se pode conceber o individualismo de um Hamlet no teatro de antes dessa
época, e os pintores não assinavam suas obras como Dürer
fez questão de fazer com seu afamado logotipo [Civita 1968a pr.
I]. Aliás, Dürer inventou um aparelho para pesquisar a recém-desenvolvida
perspectiva (introduzida por Bruneleschi justamente no primeiro quarto
do século XV [Zajonc 1993 pg. 59]), coisa inimaginável antes
[Orlandi 1970 pg. 29]; seu coelho visto em ângulo provocou furor
na época, pois achava-se que era impossível pintar algo
dessa maneira [idem pg. 55].
Esses exemplos mostram como o ser humano foi mudando, adquirindo novas
capacidades de observar, sentir, pensar e agir. Obviamente, os historiadores
behavioristas dirão que as mudanças foram culturais e que
o ser humano tem sido sempre o mesmo. Prefiro a hipótese de que
ele realmente mudou em suas características psíquicas. Essa
hipótese explicaria por que certas mudanças ocorreram em
partes distantes do globo, por exemplo com Buda (563?-483? a.C.) e Lao
Tsé (o fundador do Taoismo, 604?-531 a.C.) ao mesmo tempo que a
filosofia grega ou os profetas bíblicos. Aliás, a imensa
diferença entre o teatro de Ésquilo (525-456 a.C.), ainda
impregnado de culto religioso, e Eurípides (480?-406 a.C) e Aristófanes
(448?-380? a.C.), que tratam de problemas humanos (mas ainda arquetípicos,
não-individuais - daí terem se tornado padrões psicológicos),
mostra a evolução que se estava passando naquela época.
3. Mudanças na constituição humana no século
XX
Partindo-se da hipótese de mudanças nas capacidades psíquicas
dos seres humanos em certos períodos da história, pode-se
conjeturar que grandes mudanças no século XX foram também
devidas a mudanças na constituição íntima
humana. Vejamos 4 dessas mudanças, que denominarei de aquisição
de novas consciências.
Essas mudanças de consciência são, em meu entender,
evoluções extremamente positivas feitas no século
XX, aparentemente tão negativo, ao ponto de eu denominá-lo
o "século da barbárie", devido às tragédias
humanas em larga escala que nele ocorreram, como o genocídio dos
armênios pelos turcos, os horrores do nazismo, o sacrifício
de dezenas de milhões trucidados pelo comunismo, e as tragédias
ainda presentes dos nacionalismos e dos fundamentalismos. Aquelas evoluções
positivas da consciência humana são a consciência dos
direitos humanos, a da paz mundial, a da ecologia e a do universalismo.
3.1 A consciência dos direitos humanos
Penso que o movimento moderno dos direitos humanos iniciou-se decisivamente
no século passado, com a abolição da escravatura,
mas foi no século XX que ele se manifestou em várias áreas
sociais. Darwin, em sua passagem pelo Rio de Janeiro a bordo do "Beagle"
em 1832, revoltou-se profundamente com a escravatura. Provavelmente ele
não teria tido essa reação se tivesse vivido décadas
antes. Por exemplo, não me consta que Goethe (1749-1832), um dos
maiores humanistas de todos os tempos, tenha se manifestado contra a escravidão.
Outro humanista que considerava a escravatura como parte "natural"
- e essencial - da sociedade foi Platão (ver sua República,
livro V [Platão 1952 pg. 364]).
Mas é nos últimos decênios que a sensibilidade e consciência
pessoais para com os direitos humanos desenvolveram-se extraordinariamente,
como se pode ver pelas campanhas contra o racismo, contra o sexismo, contra
a discriminação de pessoas portadoras de deficiências
ou por condição sócio-econômica, e mais recentemente
pelo direito dos não-fumantes de não serem incomodados e
prejudicados pelos pobres fumantes.
3.2 A consciência da paz mundial
O movimento pela paz mundial também revela, parece-me, um enorme
desenvolvimento da sensibilidade social humana. Talvez hoje em dia, pelo
menos inconscientemente, cada pessoa importa-se com todas as outras pessoas.
Cada um fica horrorizado quando populações são trucidadas
por guerras e conflitos - vejam-se os casos da Bósnia, que levou
à ação da ONU por motivos puramente humanitários
(não acho que ela representasse um problema político ou
econômico para os outros países), da Argélia, de Kosovo,
etc. Lembremos também o fim da guerra do Vietnã, causada
pela indignação dos americanos e a consciência de
sua falta de sentido. Aliás, a própria criação
da antiga Liga das Nações e da ONU já foi um indício
desse desenvolvimento do ser humano no sentido de acabar com guerras e
conflitos.
Penso que a raiz desse desenvolvimento humano é a percepção
social de que guerras e conflitos armados não correspondem à
nossa natureza humana atual - as divergências deveriam ser resolvidas
em negociações, na busca de consensos, e não pelas
armas.
3.3 A consciência ecológica
O terceiro indício de uma mudança na consciência humana,
especialmente no século XX, é o movimento ecológico.
Parece-me que a origem dele é o desenvolvimento de uma sensibilidade
para com a natureza que não existiu nos povos "civilizados"
durante muito tempo.
Enfatizo minha expressão "sensibilidade", em contraposição
a outros motivos subjacentes que são, em minha opinião,
não tão importantes, como questões econômicas
de longo prazo e saúde. Há pouco houve uma notícia
de que a Food and Drugs Administration (FDA) americana passou a recomendar
oficialmente o consumo de produtos cultivados organicamente, isto é,
sem adubos e pesticidas químicos. As pessoas que se interessam
por esses produtos, que vêm tendo enorme expansão desde a
década de 70, obviamente têm sensibilidade para a qualidade
superior de algo produzido mais naturalmente e menos industrialmente.
Lembro-me bem do início do movimento ecológico no fim da
década de 1960: deu-se com o livro de Rachel Carson Silent Spring
[Carson 1969]. A motivação de Carson foi a sua constatação
de que os pássaros estavam progressivamente sumindo de seu jardim
com o decorrer dos anos - o que levou finalmente à interdição
do DDT (que produzia o afinamento das cascas dos ovos). Vê-se aí
que a origem não foi uma constatação prática
utilitária, mas um amor à natureza. Esse mesmo novo amor
à natureza é, parece-me, a única explicação
para o movimento de defesa das baleias: como se justifica cientificamente
a necessidade de preservá-las, contra grandes interesses econômicos,
se estão no fim da cadeia alimentar? Como se explica o anseio de
não deixar desaparecer espécies animais de qualquer tipo,
em qualquer lugar? Essa nova consciência e esse novo amor pela natureza
vieram acompanhados daquilo que acompanha qualquer amor altruísta:
um sentimento de respeito e veneração. Um exemplo disso
é o crescente respeito pelas árvores. Elas não produzem
durante sua vida mais oxigênio do que consomem ao serem queimadas
ou ao se decomporem - a não ser que seu carbono seja fixado para
sempre, o que ocorre quando com elas fazemos, por exemplo, móveis
ou assoalhos. Assim, excluindo-se as árvores frutíferas,
não há uma utilidade que levasse à proteção
que se criou para com elas - por exemplo, na cidade de S.Paulo é
proibido derrubar qualquer árvore sem justificativa e autorização
oficial.
Entre parênteses, por que todos preferem hoje em dia morar em uma
rua arborizada? Penso que isso se deve ao fato de que cada árvore
é sentida instintivamente como uma riquíssima obra de arte
da natureza. Platão, em O Sofista já distinguia as obras
de arte em naturais e humanas [Platão 1952 pg. 578]. Nesse sentido,
a natureza não é um cientista, mas sim um artista - vejam-se
por exemplo as folhas rajadas do Comigo-Ninguém-Pode ou a moldura
das folhas do Coleus-de-Java, parecendo pinturas e não obras de
engenharia. A investigação dos seres vivos do ponto de vista
científico revela somente uma faceta de sua realidade, que deveria
ser complementada por uma atitude artística. Conjeturo que, cientificamente
- pelo menos com a abordagem materialista atual - jamais chegaremos a
compreender a natureza. A esse respeito, vejam-se as dificuldades aparentemente
intransponíveis para se explicar cientificamente a morfogênese,
a forma dos seres vivos, o crescimento e a regeneração de
órgãos e tecidos, como por exemplo descritas por Rupert
Sheldrake [Sheldrake 1987, caps. 1 e 3]. Não estou de acordo com
certos aspectos de sua teoria do campo morfogenético [idem, cap.
4], mas o mais importante são suas críticas à metodologia
científica corrente, bem como o seu reconhecimento e de alguns
poucos cientistas de que há necessidade de se desenvolver novos
paradigmas na experimentação e nas teorias científicas.
Os paradigmas tradicionais são simplesmente insatisfatórios
para uma compreensão profunda da natureza. Pior ainda, deturpam
a visão que temos dela.
3.4 A consciência universalista
O desenvolvimento da entidade humana adquiriu no século XX mais
uma característica: o sentimento de universalidade. Cada vez mais
as pessoas sentem-se cidadãs do mundo, e menos de sua terra natal.
Nacionalismos parecem ser hoje em dia aberrações e fanatismos.
Um dos sintomas exteriores dessa consciência é, por exemplo,
a União Européia. Infelizmente, ela começou do ponto
de vista econômico, e não do cultural. Mas foi seguida pela
eliminação de barreiras nas fronteiras, que impediam a movimentação
das pessoas, a aquisição do direito de morar, estudar ou
trabalhar em qualquer país da comunidade, etc.
É interessante notar que a atual onda de globalização
da produção é conseqüência dessa característica
universalista do ser humano. No entanto, para mim ela é uma caricatura
da universalização, levando à satisfação
de interesses egoístas e não altruístas. Ela beneficia
alguns poucos em detrimento de muitos outros, e como todo resultado de
ações egoístas, leva a desastres de um ponto de vista
global. Como tem acontecido com muitos impulsos positivos na humanidade,
uma maneira de impedir sua manifestação e propagação
é deturpá-los.
3.5 Síntese
O movimento universalista está intimamente ligado ao dos direitos
humanos, principalmente no que diz respeito à discriminação
sexual, racial, étnica e religiosa. Parece que as pessoas desenvolveram
a percepção intuitiva de que a essência de todos os
seres humanos é da mesma natureza - que para mim é não-física
-, e que essa essência não tem sexo, raça, religião
ou nacionalidade. Acho que foi o desenvolvimento dessa essência,
desse Eu superior individual, diferente em cada um mas da mesma natureza
não-física, que levou às quatro novas consciências
que citei. Assim, contrariamente aos sociólogos behavioristas materialistas,
estou supondo por hipótese que esses quatro desenvolvimentos não
são puramente culturais, ou seja, devidos à evolução
dos costumes e do conhecimento acumulado, e portanto devidos ao meio ambiente.
Contrariamente aos sócio-evolucionistas, como Richard Dawkins [Dawkins
1989 pg. 36], também não creio que essas mudanças
sejam genéticas.
Minha concepção espiritualista do universo leva-me a considerar
que todo ser humano é fruto de hereditariedade, da influência
do meio ambiente (nesses dois pára a concepção materialista)
mas também do cerne espiritual, do Eu de cada um. Gêmeos
univitelinos podem ter aparência física muito semelhante,
ter até inclinações e gostos próximos, mas
o destino de cada um, a individualidade que se manifesta através
da criatividade e do caminho de cada um é totalmente diferente
- e não devida nem à sua hereditariedade e nem às
influências do meio ambiente. Essa distinção entre
eles vem de si próprios, de seu Eu superior individual que, por
minha hipótese de trabalho, é não-físico:
a origem da real individualidade, da auto-consciência e da liberdade.
Um exemplo clássico das diferenças entre esse tipo de gêmeos
é o caso das canadenses quíntuplas univitelinas Dionne:
só uma teve epilepsia, duas tornaram-se enfermeiras, três
casaram-se, duas fizeram uma faculdade e uma seguiu uma vocação
religiosa [Leite 2000 pg. 28].
Parece-me que é devido à evolução desse Eu
superior e de sua conexão com nossa constituição
inferior - um mero suporte para ele, e que o permite manifestar-se fisicamente
-, que houve o desenvolvimento das quatro novas consciências citadas.
4. A obsolescência do ensino
Com essas considerações, posso chegar à minha tese:
o ensino está obsoleto porque não acompanhou o desenvolvimento
da essência humana no século XX. As quatro consciências
citadas mostram como o ser humano mudou, para melhor, em várias
áreas. Infelizmente, o ensino em geral continuou fundamentalmente
o mesmo.
É uma tragédia que se tenha a intuição de
que algo está profundamente errado com o ensino, mas que em vez
de se constatar que ele não acompanhou a evolução
da entidade humana profunda acha-se que ele não acompanhou o desenvolvimento
tecnológico.
Vou citar aqui algumas das características do ensino que não
acompanharam essa evolução; chamá-las-ei de características
retrógradas da educação.
4.1 Pressão prussiana
A primeira característica retrógrada conservada pela educação
em geral foi o fato costumeiro de se forçar os alunos a estudar,
e não fazer com que eles estudem devido ao interesse, à
curiosidade, à sede de saber, à aplicabilidade do aprendido
e ao entusiasmo que neles deveriam ser instilados. Os leitores que me
desculpem, fiz um erro; eu deveria ter dito "que neles matamos",
pois toda criança pequena é super-curiosa, quer aprender
e saber tudo - apesar de ser um saber intuitivo, não-consciente
e não-intelectual -, como por exemplo a capacidade de pular corda,
agarrar uma bola no ar ou reconhecer animais e pessoas.
Esse forçar a estudar assume duas facetas principais: as notas
e as reprovações. Fruto do citado desenvolvimento da consciência
dos direitos humanos, todos abominamos hoje em dia as agressões
físicas aos alunos. Essas agressões eram relativamente comuns
até a metade do século XX - eu mesmo presenciei talvez na
3a série (em 1948) como um professor de língua estrangeira
dava umas belas palmadas no rosto de coleguinhas indisciplinados, sem
que ninguém protestasse contra isso (aliás, esse professor
tinha um número de campo de concentração nazista
tatuado no braço). No entanto, poucos, pouquíssimos percebem
que as notas baixas e reprovações são punições
muito piores do que as físicas, pois são morais. Uma dor
física e a revolta daí decorrente podem passar, pois a causa
é momentânea, mas a frustração de tirar uma
nota baixa ou ter sido reprovado permanece por muito tempo, talvez em
alguns casos até para sempre, pois fará parte do histórico
escolar. Uma agressão física pode ser compensada com um
ato de carinho feito depois, talvez até com um pedido de desculpas.
Como compensar uma nota baixa ou uma reprovação que ficam
registradas física e indelevelmente para sempre e, no caso da segunda,
pode afetar o desenrolar de toda uma vida? Além disso, um tapa
é dado por uma outra pessoa; quem tira uma nota baixa em geral
levou um tapa moral em grande parte de si próprio.
As notas quantificam o inquantificável: conhecimento, maturidade,
capacidade, criatividade. Os alunos sabem, pelo menos em seu inconsciente,
que elas são ridículas. O que significa uma nota 5: o conhecimento
de metade dos pontos caídos na prova ou da metade de cada ponto,
ou mesmo de uma combinação qualquer de partes ponderadas
dessas duas situações? Quantas notas baixas são devidas
a um desânimo, a uma frustração com a falta de interesse
em uma matéria mal apresentada, a um estado mental ou emocional
anormal durante uma prova, etc.? O aluno deveria ser penalizado por tudo
isso? [Setzer e Setzer].
Além disso, as notas são impessoais, reduzindo os alunos
a coisas enumeráveis. Ela massificam, tratando todos da mesma maneira.
Se são resultados de testes de múltipla escolha, através
destes reduzem o conhecimento a uma pálida sombra do que ele deveria
ser. Se as questões são discursivas, a nota é pseudo-objetiva
e reflete também a subjetividade momentânea do professor.
Aliás, este deveria tentar, ao corrigir questões ou um trabalho,
ser o mais objetivo possível, isto é, não se trata
mais de dois seres humanos individuais interagindo entre si: ambos foram
reduzidos a máquinas.
Quanto a reprovações, não poderia haver coisa pior
no âmbito da educação do que um aluno repetir de ano.
Ele fica frustrado, não conseguindo render no ano seguinte aquilo
que poderia. Fica deslocado em relação aos colegas de classe,
que ainda não têm sua maturidade física e psicológica,
e talvez os prejudique. Dessa maneira, cria-se um bloqueio para o aprendizado.
É interessante notar que, em termos de notas e reprovações,
forçam-se todos os alunos de uma classe a saber as mesmas coisas
da mesma maneira, prejudicando-se assim o desenvolvimento da individualidade.
Um aluno que não tem inclinação para história
pode ser excelente em ciências ou artes. Em lugar de "todo
aluno tem direito à educação" passou-se a "todo
aluno tem o dever de ter a mesma educação". Por exemplo,
o "provão", exame estatal único, exige o mesmo
conhecimento de todos. É conhecido o fato de que um jovem pode
durante muito tempo não ter interesse em alguma matéria,
e ser aparentemente um mau aluno nela. De repente, ele desperta para a
mesma, passando a ser excelente aluno. Em muitos casos a situação
antes disso levaria a reprovações que talvez impeçam
para sempre aquele despertar.
Aplaudo a iniciativa governamental de eliminar as reprovações
nos primeiros anos escolares. O que significa reprovar uma criança
de 8 anos? Significa penalizá-la pela sua falta de tenacidade,
de concentração, de objetividade. Mas essas são características
de adultos, não de crianças. No entanto, essa eliminação
deveria ser acompanhada por mudanças gerais na mentalidade de toda
a escola, e principalmente dos professores, o que parece não ter
ocorrido. Eles teriam que aprender a despertar o interesse e o entusiasmo
dos alunos, deveriam tornar-se bons mestres. No fundo, notas e reprovações
são ferramentas usadas pelos maus professores para forçar
seus alunos a comportar-se em aula e estudar. A pressão prussiana
deve acabar, mas ao mesmo tempo ser substituída por um ensino que
leve os alunos a interessar-se pelo estudo - quando ele for necessário;
por que fazer uma criança de 9 anos estudar em casa? Voltarei ao
assunto das provas no item 4.3.
Pode-se, portanto, caracterizar o sistema de provas, notas e reprovações
como um sistema desumano punitivo que força crianças e jovens
a se comportarem como adultos, perdendo sua necessária infância
e juventude. O resultado é uma tensão constante, o medo
de ser reprovado. Conte-se pelo menos 11 anos de ensino fundamental e
médio com essas tensões e pressões, e compreender-se-á
em boa parte por que os alunos detestam tanto suas escolas, e por que
chegam em geral tão desanimados à universidade, quando não
esgotados pelo preparo para o exame vestibular. É também
possível que muitos distúrbios psicológicos dos jovens
sejam devidos a essas tensões.
Existe uma outra faceta do "ensino prussiano", que é
o de simplesmente produzir o que Theodore Adorno chamou de "educação
pela dureza", para com isso obterem-se futuros adultos com mais "fibra"
e coragem para enfrentar as vicissitudes da vida. A esse respeito, Adorno
escreveu no artigo "A educação após Auschwitz":
"A imagem da educação pela dureza, na qual muitos crêem
irrefletidamente, é basicamente errada. A concepção
de que virilidade signifique o máximo de capacidade para suportar
já se transformou há tempos em símbolo do masoquismo
que - como demonstra a psicologia - se funde com demasiada facilidade
ao sadismo. Em última análise, a elogiada têmpera
para a qual se é educado significa pura e simplesmente indiferença
à dor. E não se faz tanta distinção assim
entre uma e outra. Aquele que é duro contra si mesmo adquire o
direito de sê-lo contra os demais e se vinga da dor que não
teve a liberdade de demonstrar, que precisou reprimir." [Adorno 1986
pg. 39]. Essas palavras fazem-me lembrar dos tristes episódios
de trote. Hoje em dia, os colegas ainda podem demonstrar dureza física,
mas o desaparecimento gradativo do trote físico e humilhante mostra
que os jovens estão se conscientizando das novas características
humanas que descrevi. Mas os professores não podem mais usar aqueles
recursos. Por isso, eles apelam para as punições escolares
legais (advertência, suspensão, etc.), mas principalmente
para as notas e reprovações.
4.2 Ensino abstrato
Um outro ponto em que a escola está obsoleta é no fato de
o ensino ser excessivamente abstrato. Como se ensina o que é uma
ilha? "Um pedaço de terra cercado de água por todos
os lados." Esse é um exemplo típico de como a escola
está alheia à natureza de uma criança. Essa definição
abstrata não corresponde em absoluto às características
da idade em que ela é dada (ao redor dos 8 anos). Nessa fase a
criança ainda está ligada demais ao seu ambiente, à
realidade das coisas, e uma abstração dessas não
tem para ela muito significado. Ela procura algo interessante, algo curioso,
algo vivo e artístico, com contrastes estéticos, algo prático
para sua vida. O que recebe? Uma definição morta, sem vida,
sem arte, ainda por cima errada (não há água nos
lados de cima e de baixo). Ainda bem que não se dá a definição
de uma árvore ("um pedaço de pau fincado a 90 graus
no solo, com ramificações, blá blá"),
o que não impede as crianças de criarem um conceito correto
de árvore por vivência própria. Também no caso
da ilha dever-se-ia criar vivências, se não for por visita
a ilhas de verdade, talvez usando bacias com água e areia, contando-se
aventuras de náufragos, etc.
Todo ensino fundamental e médio deveria ser calcado na realidade,
adquirindo mais conceituação abstrata somente no segundo.
No ensino fundamental, deve-se ensinar a observar e descrever os fenômenos,
para explicá-los no ensino médio, como por exemplo o fato
de uma bola lançada fazer uma curva no ar. Também não
faz sentido ensinar provas de teoremas antes dessa idade. Fui obrigado
a provar teoremas - pelo menos eram de geometria - no 1o ano do antigo
ginásio, atual 5a série; eu olhava para o livro, via dois
triângulos semelhantes ilustrando as hipóteses e dizia: "mas
eu vejo que eles são semelhantes, para que provar isso?"
Um exemplo terrível do excesso de abstração no ensino
foi a Matemática Moderna, em que as crianças aprendiam a
fazer intersecções de conjuntos de bananas e laranjas (o
que será que isso dá?) mas não sabiam fazer as contas
da feira. Para uma crítica contundente à Matemática
Moderna, veja-se o excelente livro de Morris Kline, onde ele mostra que
ela foi uma conseqüência da transposição, para
o ensino, das tendências da pesquisa em Matemática no século
XX (antes disso, a Matemática era sempre motivada por aplicações)
[Kline 1976, cap. 10, especialmente a pg. 157]. Isso demonstra uma total
falta de sensibilidade para com as crianças e para com o ensino.
Mas acho que veio também ao encontro da mentalidade do "quanto
mais abstrato, melhor" ou "o quanto mais divorciado da realidade,
melhor".
Felizmente parece que está havendo cada vez mais interesse em se
desenvolver métodos educacionais que partem de exemplos da realidade.
Mas ainda encontramos exercícios como "A idade do vovô
mais a da vovó dá 115 anos, e a diferença entre elas
é de 5 anos, qual a idade deles?" Alguém por acaso
já viu contar-se a alguém a idade de duas pessoas dessa
maneira? Ou "Seja uma partícula ideal em movimento retilíneo
uniformemente acelerado..." Alguém já viu uma partícula
ideal? E ainda por cima em movimento r.u.a.? Morris Kline traz 6 outros
exemplos de típicos problemas idiotas de Matemática [Kline
1976 pg. 100].
O ensino excessivamente abstrato trata os alunos como cérebros
ambulantes, e não como seres humanos integrais. De fato, ele não
leva em conta que não somos apenas intelecto, pensar abstrato,
mas exercemos também outros tipos de pensamento. Por exemplo, a
memória em imagens de coisas observadas, o pensamento imaginativo,
poético - que associa imagens, metáforas, a fatos ou idéias,
como "as nuvens estão singrando o céu azul", o
pensamento artístico, que leva a intuições artísticas,
o pensamento social, que leva a tomar iniciativas sociais intuitivas (nesses
dois últimos casos, refiro-me a pensamentos que não se desenrolam
racionalmente, em um trem de associações de conceitos),
etc. Em particular, a ciência tem se baseado em modelos matemáticos,
devido à objetividade da Matemática. Mas os modelos usados
em Física e Química têm sido todos quantitativos,
e agora, com o DNA, a quantificação penetrou de vez na biologia.
Com isso, eliminam-se os aspectos qualitativos da natureza, fazendo com
que o ser humano não possa relacionar-se com os resultados científicos.
Isso aconteceria, por exemplo, com uma descrição da Mona
Lisa em termos de pixels e seus comprimentos de onda... Mas muito pior
é que com o paradigma da quantificação a ciência
deixa de pesquisar uma enorme gama de fenômenos. Lembro-me de uma
citação de Lord Kelvin, em que ele dizia que o que não
podia ser matematizado não era objeto da ciência.
A esse respeito, vale a pena citar esforços recentes no sentido
de se dar importância a outros tipos de pensamento e sensibilidade,
como os de Daniel Goleman e Howard Gardner. No caso de Goleman, é
dada importância à sensibilidade social, às emoções
e a ações sociais [Goleman 1995]. Já Gardner chama
a atenção para o fato de que a educação escolar
tem tradicionalmente procurado desenvolver o que ele denomina de inteligências
"Lógico-matemática" e "Lingüística",
não desenvolvendo outras 5: "Musical", "Corporal-cinestésica",
"Espacial", "Interpessoal" e "Intrapessoal"
[Gardner 1995 pg. 22]. Ele propôs mudanças no ensino para
se incentivar o desenvolvimento harmônico das 7 [idem pg. 107].
Nem mesmo a "Inteligência Lingüística" está
sendo desenvolvida como antes. A TV brutalizou a linguagem. A esse respeito,
recomendo o estudo do extraordinário livro de Neil Postman sobre
a influência dos meios de comunicação na linguagem
[Postman 1986]. Rainer Patzlaff vai mais longe: mostra que hoje fala-se
muito menos, especialmente as crianças, e como isso pode afetar
todo o desenvolvimento do indivíduo [Patzlaff 2000 pg. 104].
4.3 O armazenador de informações
Em geral, as escolas encaram o aprendizado como aquisição
de informações, e não como formação
global do jovem - educação em lato senso. Afinal, praticamente
a única coisa que se cobra em provas é a memorização
de informações. Mas isso não é uma exclusividade
das escolas. Um ex-aluno meu fez em fevereiro de 1998 um curso do software
integrado de gestão administrativa e de produção
(ERP, "Enterprise Resource Planning") mais vendido no mundo.
Ele contou-me que o exame final exigiu muita memorização
de detalhes, como por exemplo uma questão que perguntava em que
parte da tela ficava um certo ícone. Nesse caso, por se tratar
de curso para profissionais, as conseqüências não são
tão trágicas quanto no caso de jovens que estão em
formação; no entanto o caso é ridículo pois
detalhes de uso de um software sempre podem ser consultados nos manuais
ou no "on-line help".
Essa obsessão pela memorização é bem caracterizada
nas provas: exige-se que o aluno saiba fatos e técnicas, expressas
verbalmente, no momento em que elas são realizadas. No entanto,
tudo isso será praticamente esquecido. Gostaria de fazer uma pergunta
ao leitor: quanto lembra do que estudou para as centenas de provas que
fez em sua vida? Por exemplo, se alguma vez passou em um vestibular para
um curso muito concorrido, passaria hoje nesse mesmo exame? Certamente
todos lembramos quase nada do que tivemos que aprender para fazer provas
durante nossa vida escolar e universitária. Mas, nesse caso, qual
foi a utilidade de termos estudado intensamente para essas provas? O mais
importante que deve restar de um ensino é um conhecimento geral
sobre a matéria vista e um amadurecimento em relação
a ela e às capacidades intelectuais, afetivas, e volitivas, bem
como sociais, artísticas e artesanais. Provas não ajudam
nesse sentido, pelo contrário, prejudicam, pois em lugar de se
verificar constantemente se cada aluno está tendo aqueles amadurecimentos,
espera-se a prova para se constatar uma parte insignificante dos mesmos.
Os alunos também acostumam-se a só estudar para as provas.
Será que não seria muito mais eficiente e humano entusiasmar
o aluno pelo aprendizado e exigir um esforço dele sob forma de
trabalhos? As próprias provas poderiam ser diferentes: em vez de
exigir qualquer memorização, elas poderiam apresentar certos
conceitos e solicitar a resolução de questões e problemas
em torno desses conceitos, de tal modo que, se o aluno não tiver
um conhecimento básico e o domínio da técnica essencial
do assunto, ele não consegue resolvê-los. Mas mesmo se ele
não conseguir resolvê-los é preciso um conhecimento
profundo sobre cada aluno para decidir o que fazer para ele adquirir esses
conhecimentos e as técnicas básicas, ou mesmo concluir e
que ele amadureceu o suficiente e não precisa ter os conhecimentos
e dominar as técnicas pedidas na prova, ou talvez até os
tenha e foi mal nela por razões pessoais.
Acima de tudo, na avaliação seria necessário compreender
o significado de um certo conhecimento para a maturação
global do aluno. Para isso, é necessário ter-se um modelo
do desenvolvimento global da criança e do jovem, e do que se almeja
para um adulto. Conheço dois desses modelos: o de Piaget, que é
muito parcial, pois preocupou-se apenas com os aspectos cognitivos formais
e estruturais [Piaget 1977], e o de Rudolf Steiner, empregado desde 1919
nas mais de 800 escolas Waldorf pelo mundo todo (13 no Brasil, sendo 3
com curso colegial, a mais antiga datando de 1956; veja-se www.sab.org.br
para diretórios - mantidos por mim - de escolas e jardins Waldorf
na América Latina e no Brasil, respectivamente). O modelo de Steiner
é muito mais abrangente do que o de Piaget, pois leva em conta
todos os aspectos do desenvolvimento, seja físico, fisiológico,
psicológico como psíquico, passando pelo temperamento e
as capacidades que ele denominou de "anímicas" (e não
há provas científicas de que sejam físicas): querer
(volição), sentir e pensar (ver, por exemplo, [Lanz 1998
pg. 91]).
É baseado nesse último modelo que posso afirmar que falta
às escolas noções claras daquele desenvolvimento,
dos objetivos de uma educação ampla, isto é, o que
deveria ser um adulto com uma educação adequada, e de como
atingir esses objetivos. Devido a essas faltas, descambou-se para o ensino
como aquisição de informações, e o aluno é
tratado parcialmente como uma máquina de armazená-las, parcialmente
como um animal a ser condicionado a reagir como treinado.
Resumindo, a escola peca por ser muito mais informativa do que formativa,
muito mais condicionadora do que educativa.
4.4 Imediatismo
Ligado à falta de uma conceituação do que vem a ser
um adulto equilibrado, com todas as potencialidades desenvolvidas - o
que envolve capacidades científicas, artísticas, artesanais
e sociais -, e como atingir esse objetivo, a escola preocupa-se geralmente
somente com os alunos que têm à sua frente, na situação
em que eles se encontram. O pensamento básico é o seguinte:
por definição, os alunos devem aprender a matéria
do currículo, que reflete o conhecimento desejável para
o adulto, ponto final. Antigamente, havia uma certa intuição
sobre a importância de certas matérias que não tinham
aplicação imediata. Levava-se em conta que o que é
aprendido sofre uma metamorfose no interior do aluno, aparecendo como
capacidades em outras áreas. Existe uma história que se
conta de um dos matemáticos estrangeiros mundialmente famosos que
iniciaram o ensino e pesquisa de Matemática na USP, talvez Diedoné,
Fantapié ou Albanese. Perguntado sobre o que se deveria ensinar
no colegial aos alunos para que depois eles fossem bons estudantes universitários
de Matemática, ele teria dito: "Por favor, não ensinem
Matemática, ensinem latim!" Que sabedoria profunda, e que
visão de longo prazo! O latim é uma língua natural
com estrutura gramatical tal que seu estudo desenvolve a lógica,
o formalismo e a capacidade dedutiva (ao se fazer traduções).
Em minha época escolar, eram obrigatórios 4 anos de Latim
(nas atuais 5a a 8a séries), sendo que alunos os que iam para o
colegial "Clássico" (em contraposição ao
"Científico") tinham ainda mais 3. A mesma falta de imediatismo
levava à obrigatoriedade de 4 anos de Canto Orfeônico (onde
aprendi teoria musical, depois é que me tornei músico) e
de Trabalhos Manuais - além de 6 anos de Francês, 5 de Inglês
e 1 de Espanhol, mais Filosofia, etc.). Não estou advogando a volta
do latim, pois não é possível motivar os alunos com
alguma utilidade dessa língua que lhes seja compreensível;
estou apenas apontando para uma intuição que foi perdida
e que não era imediatista.
Infelizmente a visão que o ser humano tem de si próprio
empobreceu enormemente. Hoje impera o imediatismo: "Para que o latim?
Não vai ser usado mesmo!" Não era assim que se pensava
em termos educacionais em tempos de mais sabedoria. Só que essa
sabedoria era instintiva, esperando por uma conceituação
- na falta desta, descambou-se para a superficialidade, a trivialidade
e o imediatismo.
É interessante notar que o ensino universitário era antigamente
considerado não como diretamente profissionalizante, mas como uma
formação básica. Ele provia a base de conhecimento
e o desenvolvimento intelectual e humanístico para que o jovem
formado pudesse aprender em seu futuro trabalho os detalhes necessários
para sua profissão. Assim continua sendo, por exemplo, a menos
da ausência atual de formação humanística,
com o curso de Engenharia Civil - não se espera que o recém-formado
seja capaz de projetar um prédio ou gerenciar o andamento de uma
obra de vulto, pois para isso é necessário adquirir experiência
trabalhando em um escritório de projetos ou de gerenciamento de
obras. Ou o formando em Medicina, que já aprendeu toda a base teórica,
devendo então passar por um Internato e uma Residência a
fim de realmente adquirir prática. Hoje em dia deseja-se em muitas
áreas que a universidade forme profissionais prontos para atuar
no mercado de trabalho. É como se se ensinasse a apertar um certo
tipo de parafuso, em lugar de conceituar o que são parafusos e
como são produzidos, e estudar, examinar e usar muitos deles para
se ilustrar os conceitos, permitindo que se aprenda no posto de trabalho
as características de qualquer parafuso particular não estudado.
O pior de nosso ensino especializado em parafusar somente certo tipo de
parafusos, é que quando estes acabam, nossos bitolados formados
passam a parafusar pregos. Esse é o caso de muitos cursos de computação.
4.5 Ensino maçante
Discutindo essas idéias com meus alunos em março de 1998,
muitos surpreenderam-me dizendo que não haviam considerado a escola
massacrante (V. 4.1), pelo menos no ensino fundamental e médio.
Talvez isso se deve ao fato de eles serem extremamente inteligentes, especialmente
em raciocínio lógico, pois passaram um dos vestibulares
mais concorridos do Brasil; é portanto natural que aprendessem
com facilidade. Já o seu curso atual, na universidade (Bacharelado
em Ciência da Computação no IME-USP) consideravam
de fato massacrante. Mas todos concordaram que a escola havia sido maçante.
Isso talvez se deva a vários fatores. Entre eles, o fato de que
os alunos são tratados como coisas e não como gente. Não
há o cultivo de um relacionamento pessoal entre os professores
e os alunos (não estou me referindo aqui a uma amizade). Com isso,
a pessoa do professor lá na frente da classe é desinteressante;
ele também se torna uma "coisa", alguém que deve
ser aturado por obrigação. Um outro motivo é, como
disse, o do ensino ser excessivamente abstrato, dirigido ao intelecto.
Como os alunos são muito mais do que simples intelectos, pior,
nem um intelecto desenvolvido eles ainda têm - isso se dará
apenas no fim do colegial, talvez só na universidade -, não
conseguem identificar-se com o conteúdo das aulas, e estas parecem
cacetes. Em particular, imagine-se uma criança ou jovem tendo que
ficar sentado horas a fio diariamente, com uma ânsia de correr e
pular lá fora no pátio, com uma ânsia de conversar
e interagir socialmente com os colegas (cujas experiências e idéias
são infinitamente mais interessantes do que aquela matéria
abstrata sendo ensinada por aquela pessoa que pouco está se importando
com a personalidade dos que tem à sua frente). No máximo
de ação, os alunos escrevem algo no caderno - em geral copiando
o que o professor escreveu no quadro, sem ter necessidade de compreender
do que se trata, pois vão estudar só na véspera da
prova... Assim, são horas de passividade, sem nenhuma atividade
criadora, sem nenhum entusiasmo e envolvimento pessoal - pode haver algo
mais maçante e odioso? Na Pedagogia Waldorf, cada aula é
organizada conscientemente pelo professor em um ritmo de inspiração
(absorção) e de expiração (fazer algo) alternadas.
Aulas de matérias intelectuais são alternadas com aulas
de matérias artísticas e artesanais, produzindo-se assim
um maior equilíbrio entre absorção e exteriorização.
Observando-se a saída dos alunos no fim do período escolar
em outras escolas, vê-se os estudantes como que explodirem de alívio:
saem correndo, pulando, batendo-se. Já na saída das Escolas
Waldorf os estudantes saem calmamente: não têm represada
toda aquela ânsia de fazer algo, de colocar algo para fora, pois
isso foi feito durante as aulas.
O ensino seria menos maçante se cada matéria procurasse
relacionar o seu conteúdo com o aluno ou seu ambiente. Quando minha
2a filha estava na 6a série da Escola Waldorf Rudolf Steiner de
São Paulo, fazia parte do currículo o estudo da antiga Roma.
Na Pedagogia Waldorf, um professor deve idealmente tomar a classe na 1a
série e levá-la até a 8a, dando todas as matérias
principais; imagine-se o conhecimento que esse "professor de classe",
como é denominado, desenvolve de cada criança e da classe
como um todo. A objeção de que pode haver conflitos e seria
muito mau a classe agüentá-lo por muito tempo ocorre muito
raramente, pois tanto o professor quanto a classe crescem juntos e, além
disso, os outros professores devem estar em permanente vigilância
para detectar qualquer problema mais grave. Para um relato vívido
da experiência de um professor de classe Waldorf, veja-se o fascinante
livro de Torin Finser [Finser 1994]. Pois bem, o professor de classe dessa
minha filha teve a idéia genial de pôr os alunos a planejar
uma próxima excursão da classe em forma de discussão
no Senado Romano - os alunos, vestidos com lençóis em forma
de togas assumiam os vários papéis da estrutura daquele
órgão. Imagine-se a vivência que uma tal aula de história
propicia! Um caso que aconteceu nessa escola foi o de um aluninho de 3a
série que encontrou um amiguinho de uma outra escola. Este último
disse: "Hoje a professora nos contou como se faz pão!"
O aluninho Waldorf respondeu: "Que coincidência, também
estamos estudando isso, só que nós fizemos e assamos os
pães!" Por sinal, naquela escola cada classe de 3a série
constrói seu forno de barro para assar os seus pães; parte
da farinha é moída pelos próprios alunos, a partir
de trigo que eles mesmos plantaram em aulas de jardinagem; visite-se essa
escola para comprovar que não estou inventando...
Há um indício muito claro de a escola não ser maçante,
pelo contrário, ser muito rica e interessante: os alunos deveriam
ficar contentes com o fim das férias, e não tristes como
soe acontecer.
4.6 Ensino apassivador
Como já mencionado, em geral os alunos ficam horas sentados nas
suas carteiras, ouvindo o professor, que não se dirige a eles como
seres globais, mas cabeças ambulantes. De vez em quando tomam nota
das coisas ditas ou escritas no quadro. Isso leva a uma atitude extremamente
passiva e conformista. Não se cultiva o impulso de participar,
de fazer observações próprias e ter suas idéias.
Em particular, há tempos tenho chamado a atenção
para um grave problema de aulas de Matemática, principalmente superior:
tudo o que os professores dizem ou escrevem é verdade, não
há o que discutir ou duvidar. Praticamente nada é sujeito
a interpretações diferentes. Com isso, os alunos tornam-se
cada vez mais passivos e apáticos. Na USP, os estudantes do Instituto
de Matemática e Estatística (IME) são considerados
por muitos docentes de outras faculdades como os mais passivos da universidade.
Daí eu ter sugerido aos colegas que de vez em quando dessem aulas
erradas de modo que os alunos percebessem isso e saíssem de sua
atitude passiva. Uma outra medida seria dar várias soluções
para um mesmo problema, discutindo-as comparativamente.
4.7 Competitividade
Para
tornar a escola um pouco menos maçante e apassivadora, certos
professores promovem competições, por exemplo de notas.
No entanto, não percebem que se alguém ganha uma competição,
fá-lo às custas de outro que a perde. O primeiro pode
ficar contente mas isso se dá porque outro ficou triste. Competições
são, assim, anti-sociais. Elas não incentivam uma atitude
social, pelo contrário, incentivam o egoísmo e o orgulho
pessoal.
Nunca consegui compreender o que anda na mente de sacerdotes de colégios
ligados a confissões religiosas cristãs que promovem competições:
a alegria dos que vencem às custas do sofrimento dos que perdem
é pelo menos uma atitude anti-crística (uso "crístico"
justamente para diferenciar do que se costuma chamar de "cristão"
e que foi responsável por várias barbáries anti-crísticas
no decorrer da história - felizmente hoje reconhecidas pelos
"cristãos", que infelizmente ainda usam competições...).
Incentivar a competitividade não é só incentivar
o desenvolvimento do egoísmo e massacrar os menos capazes no
assunto da competição: é também apelar para
instintos animais dentro do ser humano, desenvolvendo-os. A natureza
é uma luta, uma competição constante, cada ser
tentando seu lugar ao Sol em geral à custa de outros; por exemplo,
uma árvore que cresce mais e tampa a luz das outras, um animal
que reserva seu domínio ou elimina o animal da mesma espécie
mas com alguma incapacidade. Só o ser humano pode ter compaixão
e ceder seu lugar por um ato de amor altruísta; é uma
das razões para eu considerar que ele não é um
ser meramente natural - ele transcende a natureza. Na verdade, parece-me
que ele jamais foi um ser totalmente natural.
O argumento de que nossa sociedade é competitiva e portanto precisamos
ensinar a competir nunca é acompanhado da pergunta "mas
a partir de que idade?" Em minha concepção e na experiência
com meus 4 filhos, não há nenhuma necessidade de aprender
a competir muito cedo. A vida profissional vai ensinar isso de qualquer
maneira. Pelo contrário, a ausência de competitividade
pode dar espaço para o cultivo de compaixão, de consciência
social de ajuda e de sacrifício altruísta.
4.8 Elitismo
No Brasil, o bom ensino é hoje em dia claramente elitista do
ponto de vista sócio-econômico. As classes mais favorecidas
economicamente mantêm boas escolas particulares e cursinhos, protegendo
egoisticamente seus filhos em detrimento dos filhos de pessoas com menos
capacidade econômica. (Entre parênteses, se há um
âmbito onde o Darwinismo seguramente impera entre os seres humanos,
é o setor econômico.) Digo "em detrimento" pois
não há preocupação dessas classes em melhorar
o ensino das outras classes. Canalizam-se, assim, verbas de impostos
para outras aplicações de interesse das primeiras (por
exemplo, em segurança, em incentivos fiscais, etc.).
O resultado desse elitismo é uma injustiça social, e a
condenação das classes economicamente menos favorecidas
a ficarem para sempre como tal, já que o acesso a uma boa educação
é condição fundamental para elas saírem
de sua situação de miséria econômica e cultural.
5. As razões da obsolescência do ensino
Acabei de expor certas características negativas típicas
do ensino de hoje em dia. Vejamos agora por que os defeitos citados
não correspondem à nossa constituição humana
atual, como representada pelas características vistas no capítulo
2.
5.1 Pressão prussiana
A pressão prussiana está em desacordo com nossas características
atuais, pois choca-se diretamente com as consciências dos direitos
humanos e da paz mundial. De fato, essas duas últimas indicam,
como apontei no capítulo 2, que as pessoas desenvolveram uma
sensibilidade para o fato de todos termos um Eu Superior que é
a nossa essência, de mesma natureza em todos nós mas de
características individuais em cada um. Como mencionei em 3.5,
esse Eu não tem raça, sexo, religião ou nacionalidade
e o seu desenvolvimento é que levou ao anti-racismo, ao anti-sexismo,
ao anti-fundamentalismo, etc. O amor altruísta, quando praticado
a partir de um ato de liberdade (e não como um costume da comunidade),
é uma manifestação desse Eu Superior. (Não
estou de acordo com Darwin quando ele fala da seleção
natural dos grupos, e que o amor altruísta desenvolve-se para
a sobrevivência do grupo, muito menos que ele é conseqüência
da ação dos genes "egoístas", como quer
Richard Dawkins [Dawkins 1989].)
O ensino prussiano não leva em conta o fato de cada aluno ter
dentro de si esse Eu humano que está se desabrochando, e portanto
tem que ser respeitado e venerado. Esse ensino trata os alunos como
animais, que não têm um Eu individual, e que devem ser
treinados, amestrados e disciplinados de uma maneira hoje em dia até
ultrapassada no treinamento de animais, isto é, na base da pressão
e do castigo. Como vimos, na classe essa pressão não é
mais a da varinha de marmelo (pelo menos até aí já
chegou a consciência dos direitos humanos), mas das notas e reprovações.
Em lugar de se entusiasmar e incentivar os alunos, força-se-os
a estudar e a ter disciplina sob essas pressões. As mesmas características
que se desenvolveram no século XX, a ponto de se considerar que
cada pessoa deve ser respeitada, e o massacre das guerras não
é correto, faz com que os alunos sintam-se massacrados e injustiçados
- principalmente depois da puberdade, quando começam a desenvolver
sua capacidade de julgamento.
5.2 Ensino abstrato
As novas características humanas que levaram ao movimento ecológico,
evidenciando um agudo senso para com a realidade e a sutileza da natureza,
mostram que não queremos mais ficar em idéias abstratas
que nada têm a ver com a realidade que nos cerca ou com a nossa
realidade interior.
Os alunos devem sentir, pelo menos inconscientemente, uma frustração
muito grande pelo fato de aprenderem coisas, teorias, que no fundo não
têm nada a ver com o mundo em que vivem. Um exemplo extremo que
me ocorre é o da prova de uma identidade trigonométrica,
ensinada e exigida em minha época de colegial, e que não
tem nenhuma utilidade prática.
5.3 O armazenador de informações
Do mesmo modo como desenvolvemos o sentidos dos direitos humanos e o
da paz mundial, a consciência ecológica e a do universalismo,
desenvolvemos a consciência de que somos muito mais do que um
repositório de informações. As já citadas
"Inteligências Múltiplas" de Howard Gardner (V.
4.2) são um indício dessa consciência de que há
outras habilidades essenciais no ser humano para que ele viva plenamente,
além de seu conhecimento adquirido por meio de informações.
Em particular, ele mostra que o ensino tradicional, centrado nas Inteligências
Lógico-Matemática e Lingüística, não
é adequado ao sucesso profissional, ponto essencial de Goleman
[Goleman 1995].
Os alunos de nossas escolas devem sentir-se profundamente frustrados
por serem tratados como simples armazenadores de informações,
e não como seres humanos com criatividade, com emoções
e com sensibilidade social e para com a natureza.
Há também um outro aspecto importante neste item: as informações
que queremos que nossos alunos armazenem são praticamente só
as de caráter "científico", refletindo uma mentalidade
prevalente: o que não é "científico"
não tem valor e não deve ser objeto de estudo e pesquisa.
E assim, são excluídas as vivências artísticas
e sociais, que complementam a visão científica do mundo
e não podem ser abarcadas por esta última. Em particular,
a visão "científica" de mundo é hoje
em dia essencialmente quantitativa, pois a modelagem matemática,
introduzida principalmente por Galileu, Newton e Descartes foi a que
deu origem àquilo que hoje mais se preza como resultado do conhecimento
científico: as máquinas. Para mim, existem aspectos qualitativos
na natureza e no ser humano impossíveis de serem expressos quantitativamente,
e muito mais importantes que os aspectos quantitativos. Essa visão
científica ainda leva a um enfoque reducionista, resultado do
método analítico de Descartes: para resolver um problema,
quebra-se-o em partes estanques. Esse método funciona muito bem
com as máquinas, onde, como observou Richard Lewontin, as partes
são estanques, mas é totalmente inapropriado para uma
compreensão realmente profunda dos seres vivos [Lewontin 2000
pg. 79]. Como já tinha observado Goethe, eles têm uma unidade
(que ele chamou em 1787 de "hen kai pan", "o uno e o
todo"), que o estudo das partes nunca atinge [Steiner 1984 pgs.
25 e 53].
4. Imediatismo
A consciência ecológica mostra que o ser humano deixou
de ser apenas imediatista. Estamos preocupados com conseqüências
a longo prazo, como o efeito estufa, o desaparecimento de espécies
vegetais e animais, etc. O imediatismo na educação é
nesse sentido um contra-senso. Ele revela uma superficialidade que,
parece-me, é detectada inconscientemente pelos alunos. Um exemplo
de imediatismo é ignorar-se que a aprendizagem passa por metamorforses,
de modo que o que é aprendido numa época da vida aflora
mais tarde como uma capacidade em outra área. Por exemplo, não
é dando liberdade às crianças (que esperam ser
guiadas e orientadas) que se criam adultos livres; como resultado dessa
liberdade aplicada na hora errada, pode-se, por exemplo, produzir adultos
inseguros.
5.5 Ensino maçante
Como mostrei, as consciências dos direitos humanos, da paz e do
universalismo devem-se a uma visão global do ser humano. Não
é à toa que só recentemente apareceu a expressão
"holístico", talvez como reação ao excesso
de reducionismo. Mostrei também que o ensino é maçante
por não ser dirigido aos alunos como seres globais, mas somente
intelectuais ou armazenadores de informações. Além
disso, a consciência ecológica mostra uma sensibilidade
para com a natureza, com o real, o que pode indicar que o ensino voltado
para as abstrações ou o que é virtual frustra a
expectativa dos alunos de se ligarem e conhecerem (e, a partir do ensino
médio, compreenderem) cada vez mais a natureza. O choque é
óbvio.
5.6 O ensino apassivador
Todas as novas consciências foram marcadas por intensos movimentos,
que envolveram ações de milhões de pessoas. Pode-se
falar dos movimentos pelos direitos Humanos, pela paz, até mesmo
o do "impeachment" de Fernando Collor, etc. Essas ações
indicam que a tendência não é mais de se ficar passivo,
esperando o mundo melhorar. Não se crê mais que um eremita
numa caverna poderá melhorar o mundo - para isso devemos ser
ativos socialmente. A atitude passiva imposta em geral pelo nosso ensino
choca-se frontalmente contra a atitude de ação que caracteriza
o ser humano moderno.
5.7 Competitividade
As consciências dos Direitos Humanos, da Paz e do Universalismo
mostram como não se dá mais valor a aparências e
a capacidades particulares (como as físicas ou intelectuais).
Promover competições no ensino é voltar a tempos
remotos onde não havia a consciência individual e social
existentes hoje em dia.
Nos dias de hoje o mais importante é educar para o desenvolvimento
da sensibilidade social, da compaixão e da responsabilidade social
(ver o artigo sobre computadores e arte em meu "site"). Não
estamos precisando de mais cientistas; talvez mais artistas até
seja muito bom. Mas o que estamos precisando urgentemente é formar
jovens adultos com impulsos sociais positivos e com energia para tentar
mudar a derrocada social que estamos presenciando. O mundo está
se acelerando tragicamente para a "luta de todos contra todos",
como citado no Apocalipse de João [Apo. 6:4]. Somente a educação
para o social poderá reverter esse caminho. Como mostrei, a competitividade
é egoísta e anti-social. A escola que a promove é
em minha opinião absolutamente retrógrada, pois não
reconhece o novo ser humano dos dias de hoje e não percebe o
que precisamos para os futuros próximo e distante. Insisto, a
prioridade não deve ser na aquisição de mais conhecimento
e mais técnica, o que precisamos urgentemente é desenvolver
amor altruísta (que, aliás, pressupõe liberdade
e portanto conhecimento). Isso deve ser feito por meio da educação
e da auto-educação, pois se ficarmos esperando uma evolução
natural devida aos "genes egoístas" de Richard Dawkins
[Dawkins 1989] continuaremos a destruir egoisticamente nosso ambiente
e nós mesmos.
5.8 Elitismo
O elitismo das boas escolas particulares choca-se diretamente com a
consciência dos direitos humanos. Tanto os alunos das escolas
privilegiadas como os das menos favorecidas devem estar cientes da injustiça
que se está cometendo ao privilegiar apenas alguns, apesar de
termos todos os mesmos direitos de seres humanos. O grande problema
aqui é a confusão entre Escola Pública (gerida
pela comunidade) e Escola Estatal (gerida pelo Estado, e portanto fadada
a sofrer influências políticas), bem como o outro lado,
da absurda exploração comercial do ensino nas escolas
e universidades particulares com fins lucrativos.
6. A escola ideal
Tentei mostrar como as escolas não acompanharam em geral a evolução
da consciência humana no século XX, como evidenciado nos
4 aspectos abordados no capítulo 3. Gostaria aqui de dar algumas
indicações gerais de como poderia ser uma escola atual
e para o futuro próximo, de acordo com as novas características
humanas desenvolvidas no século XX.
6.1 Como encarar os alunos e o ensino
Os professores, de qualquer nível, deveriam encarar os alunos
como seres humanos em desenvolvimento, isto é, com a sua essência
completa mas ainda não desabrochada. Usando a vaga idéia
de Eu Superior colocado no item 3.5, pode-se caracterizar a fase da
infância e da juventude como um preparo para que esse Eu possa
cada vez manifestar-se mais, até atingir sua plena capacidade
de manifestação: a individualidade, a auto-consciência,
a liberdade, a responsabilidade social, a capacidade de pensar objetivamente,
a capacidade de exercer um amor altruísta, etc. É interessante
que no Brasil a maioridade jurídica, isto é, a plena responsabilidade
pelos próprios atos, dá-se apenas aos 21 anos. Uma antiga
tradição devida a uma profunda visão intuitiva
e holística do ser humano estabeleceu essa idade como um marco
decisivo na vida de cada pessoa. Ela representa bem o final da referida
fase de desabrochar.
Assim, cada aluno deve ser respeitado como uma pessoa em potencial.
O professor assumiria nesse contexto o papel de simples ajudante da
individualidade que está desenvolvendo seus "membros inferiores"
para que seu Eu possa atuar neste mundo. Essa ajuda é imprescindível.
O imperador alemão Frederikc II (1194-1250) fez uma trágica
mas interessante experiência. Querendo testar se o ser humano
já nasce com as plenas potencialidades de um adulto, isolou 3
recém-nascidos, que não tiveram nenhum contato social,
a menos de receber comida e talvez higiene pessoal. Nenhum deles aprendeu
a andar, falar ou pensar - e todos morreram antes dos 14 anos. Isso
mostra que o ser humano não é um ser simplesmente genético:
ele necessita do convívio social para se desenvolver. Além
de ser genético e social, ele é um ser individual, isto
é, possuidor daquele Eu que não é herdado e não
é moldado pelo meio ambiente. Mas esse Eu necessita de uma ajuda
social decisiva no sentido de desenvolver os "membros inferiores"
da entidade humana para poder manifestar-se plenamente na idade adulta.
Aí estaria, portanto, a grande missão do ensino: prover
tanto o desenvolvimento harmonioso da entidade humana de maneira global
como dar o conhecimento para que o futuro adulto possa localizar-se
no mundo, compreendê-lo e nele atuar positivamente, em liberdade.
Esse desenvolvimento harmonioso e global significa dar um ensino não
só intelectual (como exemplificado na definição
precoce de ilha, no item 4.2) mas também artístico e social.
Até aproximadamente 9 anos é também imprescindível
criar-se um ambiente de religiosidade - todas as crianças são
religiosas por natureza (lembro-me que aos 10 anos de idade ainda achava
que o estalar à noite da escada de madeira de minha casa era
devido a anjos que estavam subindo - que empobrecimento das pobres crianças
de hoje em dia, moderninhas, intelectualizadas, que perderam a religiosidade
e a fantasia e acham que "anjo" é bobagem...). Esse
sentimento de religiosidade pode ser cultivado através de uma
veneração pelas maravilhas da natureza, contando-se a
biografia de grandes personagens que se sacrificaram pela humanidade,
e por outras ações e atitudes que não irei descrever
aqui, pois já devo ter chocado em demasia os leitores materialistas
(que, em geral, começam a tremer nas bases quando ouvem ou lêem
qualquer coisa que tenha a ver com religiosidade). Em particular, somente
uma pessoa que experimentou um sentimento de religiosidade pode escolher
conscientemente ser intelectualmente um ateu, ou melhor, um materialista.
O professor deveria constantemente perguntar-se: "Que posso fazer
para ajudar cada aluno nesta classe de modo a guiá-lo no desabrochar
de sua constituição interior, dos impulsos individuais
que ele traz consigo e de sua capacidade de realizá-los? O que
posso fazer para equilibrar eventuais unilateralidades do aluno, contribuindo
para que ele possa desenvolver todas as possíveis habilidades
e não se concentre precocemente naquilo em que é bom por
natureza, em detrimento de uma formação global?"
Nesse sentido, ensinar deveria ser encarado como um ato de sacrifício:
o professor não deve ensinar o que sabe ou gosta, mas aquilo
que cada aluno necessita em cada momento de sua vida. Se o professor
não sabe algo, deve aprendê-lo para poder transmitir aos
alunos. Um outro sacrifício é suplantar seus eventuais
preconceitos, simpatia ou antipatia para com este ou aquele aluno, procurando
em cada um o que este tem de positivo e o que realmente é.
Pode-se sintetizar o ensino ideal com um ato de amor altruísta.
Obviamente, o professor deve fazer um exercício cotidiano para
amar seus alunos. Um sentimento de amor altruísta pelos alunos
leva automaticamente a uma atitude de respeito e de veneração
para com eles. Isso irradiará para toda a classe, que intuitivamente
sentirá que o professor está lá principalmente
para ajudar cada aluno. Como conseqüência os alunos da classe
tenderão a tratar o professor com respeito e veneração.
Eu não poderia enfatizar suficientemente o quanto considero esses
dois últimos sentimentos importantes na educação.
Isso contrabalançaria um pouco o desrespeito e o cinismo que
impera cada vez mais no mundo, e que infelizmente os estudantes em geral
já trazem de casa. (Gostaria muito de saber em que curso de pedagogia
ou de licenciatura os alunos, futuros professores, ouviram algo assim
humano como coloquei neste parágrafo...)
Adorno escreveu: "A estrutura atual da sociedade - e provavelmente
há milênios - não reside, como se tem ideologicamente
atribuído desde Aristóteles, na atração
entre os homens, mas sim na busca do interesse próprio de cada
um contra os interesses de todos os demais." [Adorno 1986 pg. 43].
Esse egoísmo tem aumentado terrivelmente, pois desde Adam Smith
faz parte da ética do capitalismo, que hoje em dia tornou-se
absolutamente selvagem. Somente a educação a partir do
amor altruísta poderá reverter essa situação,
que está levando ao fim da humanidade.
6.2 A experiência de vida do professor
O ensino deveria ser encarado também como uma transmissão
da experiência de vida do professor. Obviamente, ela não
é perfeita, e não deve ser o único modelo. Se,
a partir do ensino médio, quando os alunos passam a desenvolver
seu julgamento e capacidade crítica, todos os professores de
uma determinada classe procurassem transmitir suas posições
pessoais frente aos problemas do mundo, os alunos não ficariam
sujeitos à influência de um só deles. Por outro
lado, o estudo de biografias pode contribuir para alargar os exemplos
de vida. Imagine-se quão extraordinário poderia ser o
estudo da biografia de uma Hellen Keller ou de um Ghandi, por exemplo.
Quero enfatizar o primeiro ponto, pois vem de minha experiência
pessoal de quase 4 décadas de ensino universitário. Meus
alunos sempre manifestaram um extraordinário interesse por minhas
idéias a respeito de temas gerais fora da matéria do curso,
nas quais eu sempre toco brevemente em qualquer aula, a ponto de uma
vez um deles ter perguntado se não seria possível concentrarmo-nos
apenas nesses temas e esquecermos a matéria técnica. Obviamente,
esta última tem que ser transmitida, mas acho que se deveria
dedicar cerca de 1/4 de cada aula a transmitir as opiniões pessoais
sobre fatos correntes do mundo, sobre espetáculos e palestras
assistidos, sobre livros lidos, etc.
No fim de cada aula, passo uma avaliação que foi desenvolvida
aparentemente na Universidade de Harvard, o "One-minute Paper":
cada aluno deve escrever brevemente sobre o que aprendeu de mais importante
na aula e qual a maior dúvida que ficou. Verifiquei que nas matérias
técnicas, a quase totalidade dos "one-minute papers"
versava sobre problemas, que eu havia abordado na aula, fora do conteúdo
técnico. Isso mostra como os alunos estão sedentos de
ouvir temas relevantes para sua vida diária, e que matérias
técnicas, por mais interessantes que sejam (no caso, principalmente
Teoria e Construção de Compiladores e Bancos de Dados),
não se comparam com suas dúvidas existenciais e filosóficas.
Imagine-se a riqueza de pontos de vista que um estudante de colegial
ou universitário iria encontrar se cada um de seus professores
discutisse em cada aula algo de interesse geral!
Estou tocando aqui num ponto fundamental: para mim, a transmissão
da experiência de vida é um dos pontos fundamentais da
educação. No ensino fundamental (até a 8a série)
o aluno deve admirar seus professores pela sua personalidade e segurança,
e como pessoas que vão mostrando-lhe o que o mundo é.
A partir do ensino médio, quando as capacidades de julgamento
e de crítica começam a despontar (e não devem ser
incentivadas antes, pois seria uma aceleração indevida
da maturação), o que o aluno deve admirar no mestre é
seu conhecimento, isto é, como pessoa que vai levá-lo
a compreender o mundo. Sempre se achou que esse conhecimento deveria
ser o da matéria sendo ensinada; estou aqui chamando a atenção
para o fato de o conhecimento de vida ser tão ou mais importante.
No ensino fundamental, o professor - que deveria agora ser um generalista
- deve ser um exemplo de virtude. A partir do ensino médio, os
alunos saberão distinguir entre suas fraquezas e qualidades,
na medida em que ele - que deveria ser um especialista - puder apresentar
suas boas idéias e conceitos sobre o mundo. Com isso, o aspecto
moral do professor adquire uma importância enorme. Infelizmente,
na contratação de docentes em geral as escolas e faculdades
preocupam-se exclusivamente com o aspecto de conhecimento técnico
ou, pior ainda, como é comum no Brasil, a simples habilitação
formal.
Assim, o relacionamento entre o professor e seus alunos deverá
ser o de um conhecedor da matéria a ser ensinada e um conhecedor
da vida. Muitos professores tentam estabelecer um relacionamento especial
com os seus alunos por meio de tentativas de se parecem jovens, falando
e agindo como eles. Isso é um erro; o professor não deve
regredir aos costumes e idéias infantis ou juvenis de seus alunos,
mas tornar-se um ideal de como eles poderiam comportar-se quando forem
adultos. É exigir demais dos professores? Quem sabe, mas ninguém
poderá negar que se eles puderem ser exemplos para os estudantes,
e exporem suas opiniões sobre tudo, o ensino adquirirá
um aspecto educacional muito maior e melhor.
6.3 Ensino orientador
Hoje em dia há várias correntes que dão ênfase
ao aprendizado, e não ao ensino, e descartam a figura tradicional
de um professor, que passa a ser o que se denominou um "facilitador".
Este deve no máximo guiar seus alunos em seu auto-aprendizado;
algumas correntes ainda propõem que nem isso deveria ser feito:
o professor deve colocar à disposição de seus alunos
algum material e esperar que venham perguntas.
O ideal dessas correntes é dar maior liberdade ao aluno, e acabar
com as aulas tradicionais. Estou de acordo, como disse em 4.6, que as
aulas tradicionais são muito apassivadoras e estão erradas.
O outro extremo, que chamarei de ensino libertário representa
outro erro trágico. Os estudantes devem ser permanentemente guiados,
e é isso que eles esperam dos seus professores. Nem no nível
superior os alunos têm capacidade de decidir o que é melhor
para eles - já que em geral não conhecem de antemão
o conteúdo das matérias e a atuação profissional
futura -, imagine-se então no nível fundamental ou médio!
Tenho a impressão de que o ensino libertário é
uma confissão de desconhecimento por parte dos professores: eles
não sabem o que é melhor para seus alunos, e assim têm
medo de orientá-los erradamente; deixam, então, que cada
um tome seu rumo e seja responsável pelo fracasso do ensino.
Nesse sentido, não considero correta a tradição
americana de deixar o aluno do colegial escolher as matérias
que quer cursar, principalmente se envolverem conhecimentos básicos
como ciências, história, geografia, línguas estrangeiras,
etc.
Um outro aspecto do ensino libertário é que ele é
adequado à auto-aprendizagem de um adulto, mas uma aberração
com crianças e jovens, pois exige-lhes decisões de adultos.
É mais uma infeliz aceleração do desenvolvimento.
Um exemplo recente desse ensino libertário é dar a estudantes
de ensino fundamental e de começo de médio o acesso à
rede Internet. Tradicionalmente, a educação foi sempre
altamente contextual. Os pais escolhiam os livros adequados justamente
a seus filhos, em seu grau de amadurecimento e conhecimento; os professores
ensinavam algo a seus alunos de acordo com o que lhes haviam ensinado
nos dias anteriores. Em um método de ensino integrado, como na
Pedagogia Waldorf, a contextualização faz o professor
levar ainda em conta o que seus colegas estão dando, além
de um profundo conhecimento de cada aluno e até alguma noção
de sua família [Lanz 1998 pg. 83]. A Internet representa um ensino
totalmente descontextualizado: a criança ou jovem tem à
sua disposição um mundo de informações boas
e más, e deve escolher sozinha o que deve ser lido. Essa escolha
exige conhecimento, capacidade crítica e auto-controle (para
que não se "surfe" indiscriminada e indisciplinadamente),
que são típicos de adultos, e não de crianças
ou jovens. Novamente aqui temos uma aceleração do desenvolvimento,
que parece-me ser muito prejudicial: força-se o jovem a comportar-se
como adulto. Na pior das hipóteses, ele comportar-se-á
como criança ou jovem e lerá tudo quanto é coisa
não apropriada para seu contexto e maturidade, o que também
será prejudicial a seu desenvolvimento. Recomendo aos pais que
acham que usar a Internet é muito útil a seus filhos,
para ficarem ao lado destes, orientando-os nas buscas e leituras.
6.4 Ensino adequado à idade
Parece-me uma máxima óbvia o fato de um assunto não
dever ser apresentado aos alunos da mesma maneira quando estes têm
idades - e portanto maturidade - diferentes. O contrário significa
massificar o ensino.
Para se ensinar de modo adequado a cada idade, é necessário
contar com um modelo desenvolvimentista, isto é, como crianças
e jovens vão se desenvolvendo à medida que vão
amadurecendo. Esse modelo deve ser abrangente, isto é, não
levar em conta apenas um ou outro aspecto, como o fez Piaget, como já
discorri em 4.3. Um exemplo seria a idade adequada para se ensinar o
modelo heliocêntrico. A humanidade levou milhares de anos para
adquirir uma capacidade de abstração suficiente para descartar
a forte impressão sensorial de o Sol, a Lua e as estrelas moverem-se
no céu visível, e imaginar que eles estão fixos
e nós nos movemos diuturnamente com a rotação da
Terra. Obviamente é necessário esperar que as crianças
desenvolvam essa abstração antes de abordar o heliocentrismo.
As crianças pequenas são muito abertas ao exterior; de
fato, até os 9 anos de idade em geral não percebem que
são isoladas dele, isto é, sentem-se uma unidade com seu
ambiente. Tudo é animista e tem vida, de modo que não
é incorreto um pai admoestar uma cadeira que "fez o Joãozinho
tropeçar". Se as crianças não fossem tão
abertas ao mundo exterior, não aprenderiam a andar e a falar,
o que fazem por imitação - e nunca mais farão em
sua vida um desenvolvimento tão intenso. Por outro lado, elas
estão aprendendo a confiar em seus sentidos, que nos são
incrivelmente fiéis. Imagine-se como seríamos todos esquizofrênicos
se não confiássemos no que vimos, e se quando não
enxergamos algo com nitidez não tivéssemos a certeza disso!
Insisto, qualquer pessoa vê o Sol movendo-se no céu durante
um dia claro. Para achar que ele está parado é necessário
não uma observação sensorial, mas um julgamento,
que exige maturidade e capacidade de abstração. Para um
relato fascinante de como a história da astronomia acompanhou
e influenciou a capacidade de abstração humana, veja-se
o livro de Arthur Koestler [Koestler 1964]. Infelizmente, os meios de
comunicação, sendo de massa, não respeitam a maturidade
de cada jovem ouvinte ou telespectador, de modo que os pais que lamentavelmente
deixam seus filhos verem TV criam um grande problema de desenvolvimento
- uma aceleração da capacidade de julgamento e da aquisição
do informações. Outro exemplo é o fato de que somente
ao redor da puberdade os jovens deveriam interessar-se por questões
sexuais. A TV deturpa totalmente esse desenvolvimento sadio, com conseqüências
psicológicas desastrosas. Por outro lado, o computador acelera
inadequadamente o desenvolvimento de um raciocínio lógico
e abstrato.
6.5 Respeito à individualidade de cada aluno
Vou aproveitar a deixa do item anterior e observar, através da
questão sexual, como a escola ideal deveria respeitar cada aluno
individualmente.
Considera-se hoje muito adequado que a escola dê educação
sexual aos alunos (por enquanto, apenas teórica, mas quem sabe,
como Neil Postman chamou a atenção [Postman 1986], o Admirável
Mundo Novo de Huxley está se cumprindo e aí teremos aulas
de laboratório sexual...) - e quanto antes melhor. Nessa questão
há dois aspectos a serem considerados: que a questão sexual
é algo muito íntimo, principalmente nos jovens, e que
a maturação sexual não é uniforme em todos
os jovens de uma classe escolar.
Quando um jovem descobre em si próprio o seu interesse por sexo
e suas transformações fisiológicas, tende a fechar-se,
o que pode representar um perigo do ponto de vista psicológico.
É preciso muito tato para abordar a questão sexual, e
acho que isso não deva ser feito em público - muito menos
em meios de comunicação! Quando se trata desse assunto
durante o ensino fundamental em uma classe, pode-se chocar aqueles que
ainda não despertaram para a questão. Esse choque pode
provocar uma aceleração no desenvolvimento, que não
seguiria o amadurecimento natural, ou um fechamento em si mesmo. Por
outro lado, em uma classe não se pode acompanhar individualmente
a reação do jovem às palavras sendo ditas - se
for negativa, em uma conversa pessoal poder-se-ia corrigir o rumo.
Já no colegial, a questão sexual deve ser abordada de
um ponto de vista estritamente biológico. No fim do colegial,
talvez fosse interessante abordá-la do ponto de vista moral (associando-se
o ato sexual com o amor pelo parceiro, e não como satisfação
de necessidade fisiológica - principalmente em relação
aos rapazes). Para mais considerações sobre a educação
sexual no lar e nas escolas segundo essas linhas, veja-se o capítulo
correspondente do livro sobre Pedagogia Waldorf de Rudolf Lanz [Lanz
1998 pg. 176].
Essas minhas idéias aplicam-se a jovens com desenvolvimento "normal".
Infelizmente, é raro hoje em dia encontrar jovens cuja infância
e juventude foram preservadas, pois quase todos sofreram na questão
sexual influências perniciosas da TV - quando não através
dos próprios pais. Talvez essa situação indique
ainda mais a necessidade de tratar do assunto de maneira pessoal, para
poder equilibrar um pouco o mal já feito. Se se observa que um
jovem está com interesses precoces por sexo, deve-se adiantar
a conversa pessoal, sempre procurando adequá-la à maturidade
global da criança. É muito importante verificar se esses
interesses são genuínos, ou fruto de mera imitação
ou mesmo auto-afirmação perante os colegas.
Transpondo para outras áreas, o que quero dizer é que
há uma necessidade de se tratar cada aluno como uma individualidade
nascente, e não como uma parte impessoal de uma classe. Nesse
sentido, sempre fiz questão de aprender o nome de meus alunos.
Esse conhecimento por si só estabelece um contato pessoal com
cada um, levando a um início de tratamento individualizado.
6.5 Ensino equilibrado
Critiquei em vários trechos o fato de o ensino ser demasiadamente
abstrato, isto é, dirigido para o intelecto. Uma escola equilibrada
trataria também do ensino artístico/artesanal e social,
através de atividades nessas áreas. No entanto, há
épocas adequadas para cada um.
No Jardim de Infância não deveria haver nenhum ensino formal,
nem mesmo o tão difundido ensino de leitura. Assim, cai totalmente
fora o ensino intelectual, restando essencialmente o social, através
de atividades como ouvir histórias, cantar, etc. e brincadeiras
em grupos. Pode haver algumas atividades artísticas, talvez com
ênfase em trabalhos manuais muito simples.
Já no ensino fundamental, a ênfase deve ser no ensino através
da arte, até mesmo em Matemática (a Geometria presta-se
particularmente à introdução de conceitos dessa
área, com estética). Obviamente, o ensino de artes em
si deveria ser tão ou mais intenso que o ensino formal, abrangendo
música, teatro, pintura (sem computador! - veja-se o artigo sobre
computadores e arte em meu "site"), desenho, modelagem, tecelagem,
além de inúmeras matérias de trabalhos manuais.
Infelizmente perdeu-se a noção de que as artes moldam
positivamente o ser humano em formação. Sheakespeare,
em O Mercador de Veneza, diz: "O homem que não tem música
dentro de si ... serve para a traição, o assassinato e
a perfídia! ... Não confiem nele!" O ensino científico
deve limitar-se à observação e descrição
cada vez mais cuidadosa dos fenômenos da natureza, explicando
apenas os que podem ser compreendidos de maneira intuitiva e não,
por exemplo, através de modelagem matemática. Em 15/9/1920,
Rudolf Steiner disse em uma palestra: "Mas vejam o que ocorreu
ultimamente: infelizmente, foram nossos cientistas que fizeram a pedagogia.
Pessoas acostumadas a um raciocínio científico fizeram
a pedagogia ...; chegou-se a postular que a formação do
professor fosse científica, quando ambos, na realidade - o professor
e o cientista -, devem ser coisas totalmente diversas" [Steiner
1997 pg. 15]. Um exemplo trágico relativamente recente nessa
linha foi a Matemática Moderna (V. 4.2). Cuidado especial deve
ser tomado no ensino social. Já discorri bastante sobre o aspecto
social negativo da competição (V. 4.7 e 5.7). Posso sugerir
como ensino social a organização de ajuda dos alunos mais
dotados em cada área aos menos dotados, atividades em conjunto
como coro, orquestra, excursões com divisão do trabalho,
e particularmente teatro, que desenvolve enorme sensibilidade social.
Pequenas peças podem ser encenadas em todas as séries.
Tradicionalmente, nas Escolas Waldorf as 8as séries apresentam
uma peça teatral completa, que é o coroamento do ensino
fundamental.
No ensino médio, a ênfase deve ser no ensino científico,
mas sem descuidar do ensino artístico (sem computador!) e social.
É nessa idade que se deve introduzir formalismos como prova de
teoremas e modelagem matemática através da Física.
O ensino artístico deve aos poucos dirigir-se para um expressionismo
que possa revelar a individualidade quase desabrochada do jovem nessa
fase da vida, e que deveria ocorrer idealmente ao redor dos 17-18 anos.
Se no início do ensino fundamental imagens míticas são
absolutamente adequadas, como a dos contos de fada e a da criação
bíblica, no ensino médio o estudante deve entrar em contato
com as teorias que procuram explicar o mundo através de conceitos,
como a teoria da evolução ou a das cores de Newton. No
entanto deve-se sempre chamar a atenção para o fato de
essas duas e outras serem meras teorias, e não verdades. Seria
extremamente importante que se mostrassem as limitações
dessas teorias, e sua unilateralidade. Os dois exemplos mencionados
prestam-se particularmente para isso. No segundo caso, seria interessante
criticar o fato de Newton ter feito sua teoria a partir de um caso extremamente
particular, a sua abertura de 1/3 de polegada na janela para deixar
passar um raio de Sol que dava origem às 7 cores do arco-íris,
incluindo o verde ([Newton 1979 pg. 26 - Book I, Part I, Exper. 3] -
aliás, encontra-se nesse trecho um dos erros de Newton, pois
ele afirma que não havia diferença entre o resultado da
refração usando um prisma de vidro ou de água [pg.
31]; não foi seu único erro: ele também afirmou
que "A perfeição dos telescópios é
impedida pelas diferentes refrangibilidades dos raios de luz" [pg.
83, Pop. VII, Theor. VI], o que impediu, durante 90 anos depois de ele
ter apresentado o seu telescópio refletor, o desenvolvimento
das lentes acromáticas [Bjerke pgs. 62 e 92]). Se ele tivesse
usado uma abertura muito pequena, teria obtido apenas 3 cores, vermelho,
verde e azul, precisamente as que são usadas em uma tela de vídeo
colorido (de onde ele teria que afirmar que o raio de luz do Sol é
composto dessas três cores apenas...). Se tivesse usado uma abertura
maior, teria de um lado vermelho, laranja e amarelo e do outro azul
claro, azul escuro e violeta; obviamente a confluência dos dois
próximos à claridade, pela diminuição do
furo, produz o verde. Isso pode ser bem notado observando-se através
de um prisma uma faixa de papel branco delimitada por duas folhas pretas,
movendo-se uma dessas últimas. Aproveite-se a ocasião
e faça-se a observação de um feixe de escuro através
do prisma, formando-se uma faixa preta de uma folha dessa cor, delimitada
por duas folhas brancas, para ver o espectro complementar, o "espectro
de Goethe". Se Newton tivesse sido um biólogo usando microscópio
e não um astrônomo usando um telescópio, teria se
interessado por esses feixes de escuro e não de luz, chegando
a uma teoria das cores exatamente complementar à sua [Bjerke
1961 pg. 86, parcialmente traduzido em Kollert 1992 pg. 58]. Nesta,
as 3 cores básicas seriam o amarelo, o carmim e o vermelho, como
se pode ver nas impressoras em que, contrariamente ao feixe de luz no
tubo escuro de vídeo, apresentam o fundo complementar de uma
folha branca de papel. Esses fenômenos podem ser facilmente feitos
em classe usando-se um retroprojetor e colocando-se o prisma depois
do espelho. Isso pode servir de crítica à atividade típica
científica de partir de casos particulares (no caso de Newton,
um feixe de luz de determinada espessura passando por um prisma), indo
para os gerais (em geral nunca atingidos), em lugar de partir do geral
e ir para o particular como no método científico de Goethe
que, aliás, não é reducionista já por procurar
e basear-se em fenômenos primordiais, os "Urphenomäne",
irredutíveis [Steiner 1984 pg. 159].
No ensino médio, o ensino social deveria envolver trabalhos fora
da escola, talvez em atividades sociais de ajuda em hospitais, creches,
favelas, etc. Em particular, no Brasil parece-me ser de fundamental
importância o contato com a miséria dos menos favorecidos
econômica, social e culturalmente. Assim, em um ano poder-se-ia
por exemplo programar a participação em movimentos ecológicos,
em outro a ajuda a favelados, em outro a pessoas doentes ou idosas,
etc. de acordo com a maturidade e o que se deseja educar.
7. Conclusões
Procurei mostrar como o ensino está obsoleto em relação
ao desenvolvimento do ser humano no século XX, e como o ensino
poderia ser mudado em linhas gerais a fim de adaptar-se ao novo ser
humano que está se desenvolvendo. Em síntese, o ensino
não se adaptou às mudanças ocorridas com o ser
humano no século XX. Não importa se a hipótese
é que essas mudanças são meramente culturais (a
minha é de que são em parte constitucionais); o importante
é reconhecer que houve mudanças drásticas na maneira
de agir, de sentir e de pensar. Expus vários fatos que o comprovam
e procurei mostrar que um ensino mais moderno e mais humano deveria
em primeiro lugar adaptar-se a essas mudanças.
É preciso salientar que minhas idéias a respeito de um
ensino mais moderno e humano, expostas no item 6, são inspiradas
numa pedagogia que já existe desde 1919, a Pedagogia Waldorf,
já mencionada em 4.3, 4.5, 6.3 e 6.5. Para uma boa introdução
a ela, veja-se [Lanz 1998]. Em particular, o modelo de desenvolvimento
do ser humano introduzido pelo fundador da Pedagogia Waldorf, Rudolf
Steiner, e que serve de fundamento para essa pedagogia, estabelece uma
base do que e como ensinar em cada idade (V. 6.4) levando em conta uma
visão muito mais holística do que outros enfoques educacionais.
Examinando-se minhas considerações, ver-se-á que
procurei tornar o ensino mais humano, considerando o aluno como um ser
global em processo de se desabrochar e de se formar. O reflexivo desses
dois últimos verbos é fundamental: o professor deve ajudar
a criança e o jovem nesses processos numa atitude de orientação,
baseada em uma atitude de amor altruísta e veneração
pela individualidade que está cada vez se manifestando mais (V.
6.1).
Devido à minha preocupação centrar-se no aspecto
humano profundo, ela não tratou do aspecto da técnica,
das máquinas, na educação. De fato, contrariamente
a uma boa parte da onda educacional do momento, sou contra o uso de
máquinas na educação, a menos de casos e ocasiões
especiais (vejam-se meus artigos "Os meios eletrônicos e
a educação" e "TV e violência: um casamento
perfeito", em meu "site").
Um desses casos é o ensino que deve levar a uma compreensão
básica do funcionamento das máquinas mais comuns, feito
durante o colegial (infelizmente, a introdução de circuitos
integrados em muitas máquinas está tornando seu funcionamento
incompreensível). Quantas pessoas sabem qual o princípio
de funcionamento de um motor a explosão ou das asas de um avião?
Um dos problemas graves relacionados com esse desconhecimento é
que ele produz uma espécie de "paralisia mental": as
pessoas perdem a curiosidade de saber qual o princípio de funcionamento
das máquinas, por acharem que ele é difícil de
ser compreendido, senão impossível. Essa perda acaba sendo
extrapolada para outras áreas, tornando as pessoas menos humanas;
infelizmente não cabe aqui alongar-me nesse ponto. Um outro problema
é a decorrente incapacidade de criticar as propostas feitas pelos
crentes em soluções tecnológicas para problemas
de meio-ambiente, sociais e individuais (um bom exemplo atual é
a pouca objeção à produção e consumo
de alimentos transgênicos, apesar de não termos idéia
de seu possível efeito pernicioso a longo prazo). Um outro ainda
é a incapacidade de criticar o uso das máquinas, não
se as colocando em seu devido lugar. Um exemplo crasso disso é
o terrível impacto que o automóvel fez nas cidades e na
sociedade. Por exemplo, hoje em dia todas as cidades do mundo são
mais ou menos iguais, todas voltadas para o automóvel, que não
tem cultura local, e não para os cidadãos que nelas moram.
Um outro exemplo crasso é a TV, que entre outros efeitos negativos
destruiu uma boa parte da vida familiar e da capacidade de imaginação,
e portanto da criatividade das pessoas. Uma compreensão do automóvel
e da TV e dos efeitos que eles produzem poderia levar pessoas a utilizarem-nos
de maneira menos prejudicial, ou somente em ocasiões especiais.
Portanto, sou absolutamente a favor do uso de máquinas na educação
para se mostrar o que elas são, e desenvolver um senso crítico
do seu uso. Mas isso só faz sentido após a puberdade,
durante o ensino médio, pois exige maturidade.
Quanto ao uso de máquinas para ensinar diversas matérias,
eu admitiria apenas um uso muito restrito. Por exemplo, como já
foi provado que a TV induz um estado de sonolência, semi-hipnótico,
no telespectador [Krugman 1971, Walker 1980, Weinstein 1980], minha
recomendação é que ela seja usada apenas como ilustração
(por exemplo, em aulas de geografia ou biologia) com vídeo, por
períodos muito breves (3-4 minutos). O professor deve exibir
a ilustração, discuti-la, exibi-la e discuti-la novamente,
evitando assim que as imagens sejam gravadas exclusivamente no subconsciente,
como acontece normalmente com TV e filmes (pense-se nos milhões
de imagens assistidas e quantas restam no consciente, levando-se em
conta que o ser humano grava todas suas vivências), não
tendo então efeito educativo mas condicionador. A propósito,
é devido a esse efeito condicionador que os maiores gastos com
propaganda das grandes empresas são feitos com a TV. Joelmir
Betting, em sua coluna diária no jornal O Estado de São
Paulo, traz os seguintes dados [11/4/01, pg. B2]: "Incluídos
os custos indiretos de produção (cerca de 15%), o bolo
publicitário alcançou R$12,9 bilhões em 2000. A
caminho de R$14 bilhões em 2001. ... Em 2000, a televisão
emplacou a fatia de 63,5%: 61% das redes abertas e 1,9% da TV paga.
Os jornais ficaram com 19,9%, quase o dobro das revistas (10%). O rádio
... contentou-se com 4%. Anúncios de rua (outdoor), 2,5%."
Em particular, o condicionamento da TV à violência já
é um fato suficientemente comprovado a curto e a longo prazo
[Liebert 1982 pg. 128, Centerwall 1992] (ver o artigo sobre TV e violência
em meu "site").
No caso do computador, é importante reconhecer que ele, sendo
uma máquina abstrata, lógico-simbólica, necessariamente
impõe no usuário um raciocínio lógico-simbólico,
algorítmico, mesmo usando-se um software com finalidades artísticas
(ver artigo sobre computadores e arte em meu "site"). De fato,
é impossível usar-se um software qualquer sem emitir comandos
de uma linguagem textual ou icônica que é absolutamente
formal, e que dispara funções matemáticas na máquina.
Por exemplo, é exatamente isso que acontece quando se aciona
o ícone de alinhar um parágrafo verticalmente à
direita e à esquerda. Um outro problema é o fato de o
computador descontextualizar a educação. Como vimos em
6.3, o caso da Internet é o exemplo mais crasso nesse sentido:
uma criança usando essa rede tem a possibilidade de fazer o acesso
àquilo que é adequado à sua idade e conhecimento,
e também àquilo que não é. Penso que somente
após os 17-18 anos deve-se dar ao jovem alguma liberdade de escolha
quanto ao que deve ou gostaria de aprender, já que a falta de
maturidade não pode lhe proporcionar uma visão do que
é importante ser estudado.
Com essas e muitas outras considerações, cheguei à
conclusão de que nunca um jovem deve usar um computador antes
da puberdade, sendo que a idade ideal seria pelo menos ao redor dos
17 anos (ver artigo sobre computadores na educação em
meu "site").
Uma das razões principais de se propor tanto o uso de computadores
na educação (além de se submeter à intensa
propaganda mercenária dos fabricantes e de se achar que eles
são "moderninhos" por definição) é
o fato de eles serem extremamente atraentes. De certo modo, isso deveria
ser usado como advertência: uma máquina atrair mais do
que um ser humano. Isso se deve, como expus, principalmente ao fato
de os professores não considerarem as alterações
havidas no ser humano no século XX, e ainda ensinarem de maneiras
obsoletas em relação a essas alterações.
Assim, suas aulas são maçantes, excessivamente abstratas,
e o tipo de ensino é massacrante. O que está ocorrendo
é que, em vez de se consertar o erro na fonte, isto, é,
mudando-se a mentalidade dos professores e de toda a educação,
introduz-se uma muleta que é o computador, pensando-se que assim
se está modernizando a educação. No fundo isso
é uma enganação, pois o computador atrai pelo "cosmético"
ou pelo efeito de joguinho eletrônico, e não pelo conteúdo.
Em minha opinião, o resultado será catastrófico.
Por exemplo, o fato de o computador forçar um raciocínio
lógico-simbólico significa que crianças ou jovens
são forçados a pensar como adultos. Isso significa contribuir
para com o esforço que se está fazendo no sentido de se
acabar com a infância e a juventude. Neil Postman já chamou
a atenção para esse fato em relação aos
meios de comunicação [Postman 1999].
Meu esforço subjacente neste artigo foi de mostrar que a obsolescência
do ensino não está na falta de tecnologia na sala de aula
ou no lar. Pelo contrário, penso que o uso de tecnologia piorará
muito a situação. O que falta é, no fundo, uma
mudança na maneira de encarar o ser humano. Se alguém
encara o ser humano como uma máquina, o que não é
justificado cientificamente (pelo contrário, um exame despreconceituado
do conhecimento científico de hoje mostra vários indícios
de que não somos máquinas - veja-se o artigo "Desmistificação
da onda do DNA", em meu "site"), então para essa
pessoa o uso de máquinas no ensino certamente não apresenta
grandes problemas. Se uma outra pessoa encara o ser humano não
como uma máquina, mas como um animal (com algumas complexidades
maiores do que os outros animais), então as nossas considerações
também não farão muito sentido. Afinal, se a TV
condiciona, e os animais não podem ser educados, mas sim condicionados,
vamos continuar com os métodos tradicionais, talvez incrementados
com o uso de tecnologias que ajudam a condicionar, armazenar informações,
etc. Mas se alguém, como eu, considera que o ser humano não
é um animal, isto é, contém componentes em sua
constituição que não são físicos
e que não se encontram nos animais, dando-lhe aquilo que os animais
não têm, como liberdade, individualidade e auto-consciência,
então achará que a educação tem que levar
em conta o ser humano de uma maneira holística, isto é,
como ser físico, anímico e espiritual. Foi inspirado em
uma imagem dessas que teci todas as considerações e recomendações
aqui propostas.
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