Sociologia
Geral
Prof. José Soares
Introdução
ao Capital de Karl Marx
Alex Callinicos
"O Capital" foi a suprema conquista de Marx, o centro da obra
de sua vida. Seu objeto era, como Marx colocou no Prefácio ao
Volume I, "revelar a lei econômica do movimento da sociedade
moderna". Pensadores econômicos anteriores haviam captado
um ou outro aspecto do funcionamento do capitalismo. Marx procurou entendê-lo
como um todo. Coerente com o método de análise e concepção
de história (discutidos nos dois capítulos anteriores),
Marx analisou o capitalismo não como o fim da história,
como a forma de sociedade correspondente à natureza humana, mas
como um modo de produção historicamente transitório
cujas contradições internas o levariam à queda.
Pode ser útil para leitores não familiarizados com a "sombria
ciência" da economia (como a chamava Thomas Carlyle) esboçar
brevemente o objeto deste capítulo. Ele começa com a pedra
angular de "O Capital", a teoria do valor-trabalho, segundo
a qual as mercadorias - produtos vendidos no mercado - são trocadas
em proporção ao tempo de trabalho socialmente necessário
para a sua produção. Nós veremos como essa teoria
sublinha a abordagem de Marx da exploração capitalista,
pois é a mais-valia criada pelos trabalhadores a fonte dos lucros
sobre os quais o capitalismo, enquanto um sistema econômico, se
apoia. A competição entre capitais - sejam capitalistas
individuais, companhias ou mesmo nações - cada um tentando
abocanhar a maior porção da mais-valia, leva à
formação de uma taxa geral de lucro e, portanto, como
veremos, a uma modificação na teoria do valor-trabalho.
A concorrência também dá lugar a uma tendência
para uma queda na taxa de lucro, que é a causa fundamental das
crises que afligem regularmente o sistema capitalista.
Trabalho e Valor
A base de cada sociedade humana é o processo de trabalho, seres
humanos cooperando entre si para fazer uso das forças da natureza
e, portanto, para satisfazer suas necessidades. O produto do trabalho
deve, antes de tudo, responder a algumas necessidades humanas. Deve,
em outras palavras, ser útil. Marx chama-o valor de uso. Seu
valor se assenta primeiro e principalmente em ser útil para alguém.
A necessidade satisfeita por um valor de uso não precisa ser
uma necessidade física. Um livro é um valor de uso, porque
pessoas necessitam ler. Igualmente, as necessidades que os valores de
uso satisfazem podem ser para alcançar propósitos vis.
O fuzil de um assassino ou o cassetete de um policial é um valor
de uso tanto quanto uma lata de ervilhas ou o bisturi de um cirurgião.
Sob o capitalismo, todavia, os produtos do trabalho tomam a forma de
mercadorias. Uma mercadoria, como assinala Adam Smith, não tem
simplesmente um valor de uso. Mercadorias são feitas, não
para serem consumidas diretamente, mas para serem vendidas no mercado.
São produzidas para serem trocadas. Desse modo cada mercadoria
tem um valor de troca, "a relação quantitativa, a
proporção na qual valores de uso de um tipo são
trocados por valores de uso de um outro tipo". (O Capital vol.
.1, doravante C1 ) Assim, o valor de troca de uma camisa poderá
ser uma centena de lata de ervilhas.
Valores de uso e valores de troca são muito diferentes uns dos
outros. Para tomar um exemplo de Adam Smith, o ar é algo de um
valor de uso quase infinito aos seres humanos, já que sem ele
nós morreríamos, mas que não possui um valor de
troca. Os diamantes, por outro lado, são de muito pouca utilidade,
mas tem um valor de troca muito elevado.
Mais ainda, um valor de uso tem que satisfazer algumas necessidades
humanas específicas. Se você tem fome, um livro não
poderá satisfazê-lo. Em contraste, o valor de troca de
uma mercadoria é simplesmente o montante pelo qual será
trocado por outras mercadorias. Os valores de troca refletem mais o
que as mercadorias têm em comum entre si, do que suas qualidades
específicas. Um pão pode ser trocado por um abridor de
latas, seja diretamente ou por meio de dinheiro, mesmo que suas utilidades
sejam muito diferentes. O que é isso que eles têm em comum,
que permite a ocorrência dessa troca?
A resposta de Marx é que todas as mercadorias tem um valor, do
qual o valor de troca é simplesmente o seu reflexo. Esse valor
representa o custo de produção de uma mercadoria à
sociedade. Pelo fato de que a força de trabalho é a força
motriz da produção, esse custo só pode ser medido
pela quantidade de trabalho que foi devotada à mercadoria.
Mas por trabalho Marx não se refere ao tipo particular de trabalho
envolvido em, digamos, assar um pão ou manufaturar um abridor
de latas. Esse trabalho real, concreto, como disse Marx, é variado
e complexo demais para nos fornecer a medida de valor que necessitamos.
Para encontrar essa medida nós devemos abstrair o trabalho de
sua forma concreta. Marx escreve: "Portanto, um valor de uso ou
um bem possui valor, apenas, porque nele está objetivado ou materializado
trabalho humano abstrato". (C1, p 47)
Assim, o trabalho tem um "caráter dual":
"Todo trabalho é, por um lado, dispêndio de força
de trabalho do homem no sentido fisiológico, e nessa qualidade
de trabalho humano igual ou trabalho humano abstrato gera o valor da
mercadoria. Todo trabalho é, por outro lado, dispêndio
de força de trabalho do homem sob forma especificamente adequada
a um fim, e nessa qualidade de trabalho humano concreto útil
produz valores de uso." (Cl, p. 53)
Marx descreveu esse caráter dual do trabalho como um dos "melhores
pontos em meu livro" (Correspondência Seleta). Foi aqui que
a teoria de Marx separou-se das teorias de Ricardo e dos economistas
políticos. Marx criticou Ricardo por se concentrar quase que
exclusivamente na tentativa de achar uma fórmula precisa para
determinar o valor de troca das mercadorias. Eles queriam, é
claro, encontrar modos de prever os preços de mercado.
"O erro de Ricardo é que ele está interessado somente
na magnitude do valor... O que Ricardo não investiga é
a forma específica na qual o trabalho se manifesta como o elemento
comum nas mercadorias", escreveu Marx. (Teorias da Mais-Valia (doravante
TMV), tomo III)
Marx não estava interessado especificamente em preços
de mercado. Sua meta era entender o capitalismo como uma forma de sociedade
historicamente específica, descobrir o que faz o capitalismo
diferente das formas anteriores de sociedade, e que contradições
levariam à sua futura transformação. Marx não
queria saber em que medida o trabalho formava o valor de troca das mercadorias,
mas em que forma o trabalho realizava essa função e por
quê sob o capitalismo a produção era de mercadorias
para o mercado e não de produtos para uso direto como nas sociedades
anteriores.
O caráter dual do trabalho é crucial para responder esta
questão, porque o trabalho é uma atividade social e cooperativa.
Isto é verdade não apenas no que toca a tipos particulares
de trabalho, mas para a sociedade como um todo. O trabalho de cada indivíduo
ou grupo de indivíduos é trabalho social no sentido de
que ele contribui para as necessidades da sociedade. Essas necessidades
exigem todo o tipo de diferentes produtos - não só vários
tipos de alimentos, mas também vestuário, meios de transporte,
instrumentos necessários na produção e assim por
diante. Isto quer dizer que é necessário que diferentes
tipos de trabalho útil sejam levados a cabo. Se cada um produzisse
somente um tipo de produto então logo a sociedade entraria em
colapso.
Cada sociedade, portanto, necessita de alguns meios para distribuir
o trabalho social entre diferentes atividades produtivas. "Essa
necessidade da distribuição de trabalho social em proporções
definidas não pode possivelmente ser suprimida por uma forma
particular de produção social", escreve Marx (Selected
Correspondence, doravante SC). Mas há uma diferença fundamental
entre o capitalismo e outros modos de produção. O capitalismo
não possui mecanismos através dos quais a sociedade pode
decidir coletivamente o quanto de seu trabalho será direcionado
a tarefas particulares.
Para entender porque é assim, devemos olhar para os modos de
produção pré-capitalistas, onde o objetivo da atividade
econômica era primeiramente a produção de valores
de uso, e cada comunidade podia satisfazer todas ou a maior parte de
suas necessidades a partir do trabalho de seus membros. Assim, na "indústria
rural patriarcal de uma família camponesa que produz para seu
próprio uso cereais, gado, fio, linho, peças de roupa,
etc.(...) diferenças de sexo e de idade e as condições
naturais do trabalho que mudam com as estações do ano
regulam sua distribuição dentro da família e o
tempo de trabalho dos membros individuais da família" (C1,
74)
A distribuição do trabalho é regulada coletivamente
mesmo em sociedades pré-capitalistas onde existem exploração
e classes. Assim, no feudalismo,"o trabalho e os produtos (...)
entram na engrenagem social como serviços e pagamentos in natura.
(...) Portanto, como quer que se julguem as máscaras que os homens
ao se defrontarem aqui, vestem, as relações sociais entre
as pessoas em seus trabalhos aparecem em qualquer caso como suas próprias
relações pessoais, e não são disfarçadas
em relações sociais das coisas, dos produtos de trabalho"
(C1, 74)
No caso do escravismo e do feudalismo, ambos modos de produção
baseados na exploração de classe, a massa da produção
está voltada inteiramente para satisfazer as necessidades dos
produtores e da classe exploradora. A questão principal não
é o quê é produzido, mas sim a divisão do
produto social entre exploradores e explorados.
No capitalismo as coisas são muito diferentes. O desenvolvimento
da divisão de trabalho significa que a produção
em cada local de trabalho é agora altamente especializada e separada
dos outros locais de trabalho: cada produtor não pode satisfazer
suas necessidades a partir de sua própria produção.
Um trabalhador numa fábrica de abridores de latas não
pode comer abridores de latas. Para viver ele deve vendê-los a
outros. Os produtores são, portanto, interdependentes em dois
sentidos: eles precisam cada um dos produtos dos outros, mas eles também
precisam uns dos outros como compradores de seus produtos para que eles
possam obter o dinheiro com o qual compram aquilo que precisam.
Este sistema Marx chama de produção generalizada de mercadoria.
Os produtores estão ligados entre si somente pelo intercâmbio
de seus produtos:
"Objetos de uso se tornam mercadorias apenas por serem produtos
de trabalhos privados, exercidos independentemente uns dos outros. O
complexo desses trabalhos privados forma o trabalho social total. Como
os produtores somente entram em contato social mediante a troca de seus
produtos de trabalho, as características especificamente sociais
de seus trabalhos privados só aparecem dentro dessa troca. Em
outras palavras, os trabalhos privados só atuam, de fato, como
membros do trabalho social total por meio das relações
que a troca estabelece entre os produtos do trabalho e, por meio dos
mesmos, entre os produtores".(C1,71)
Até aqui, o trabalho social concreto era diretamente trabalho
social. Onde a produção era para o uso, para satisfazer
algumas necessidades específicas, seu papel social era óbvio.
Onde a produção é destinada para a troca, contudo,
não há uma conexão necessária entre o trabalho
útil realizado por um produtor particular e as necessidades da
sociedade. Só podemos descobrir, por exemplo, se os produtos
de uma fábrica específica atendem algumas necessidades
sociais apenas depois de eles terem sido colocados à venda no
mercado. Se ninguém quiser comprar esses bens, então o
trabalho que os produziu não era trabalho social.
Há um segundo aspecto no qual há uma diferença
entre o trabalho social e privado no capitalismo. Fabricantes de um
mesmo produto irão competir pelo mesmo mercado. Seu relativo
sucesso dependerá em como possam vender seus produtos por um
menor preço. Isso implica em aumentar a produtividade do trabalho:
"Genericamente, quanto maior a força produtiva do trabalho,
tanto menor o tempo de trabalho exigido na produção de
um artigo, tanto menor a massa de trabalho nele cristalizado, tanto
menor o seu valor", escreve Marx (C1, 49).
A pressão da concorrência força os produtores a
adotarem métodos de produção similares aos dos
seus rivais, ou se vêem forçados a rebaixarem seus preços
para poderem competir. Consequentemente o valor das mercadorias é
determinado não pela quantidade total de trabalho usada para
produzi-las, mas sim pelo tempo de trabalho socialmente necessário,
isto é, o tempo de trabalho "requerido para produzir um
valor de uso qualquer, nas condições dadas de produção
socialmente normais, e com o grau social médio de habilidade
e de intensidade de trabalho" (C1, 48). Um produtor ineficiente
que usa mais do que o trabalho socialmente necessário para produzir
algo achará que o preço que ele obtém pela mercadoria
não compensará o seu trabalho extra. Somente o trabalho
socialmente necessário é trabalho social.
Trabalho social abstrato é assim não apenas um conceito,
algo que existe somente nas nossas mentes. Ele domina a vida das pessoas.
A menos que os produtores sejam capazes de alcançar as "condições
normais de produção" eles se verão forçados
a sair fora do negócio. Mas isso não é tudo. Nós
vimos que o trabalho privado útil somente se torna trabalho social
uma vez que seu produto tenha sido vendido. Mas para ocorrer a troca
deve haver algum modo de aferir o quanto de trabalho socialmente necessário
está contido em cada mercadoria. A sociedade não pode
fazer isso coletivamente, porque o capitalismo é um sistema no
qual os produtores relacionam-se uns com os outros somente através
de seus produtos.
A solução é que uma mercadoria assuma o papel de
equivalente universal, em relação ao qual os valores de
todas as outras mercadorias possam ser mensuradas. Quando uma mercadoria
particular fixa-se no papel de equivalente universal, ela se torna dinheiro.
E, escreve Marx, "a representação da mercadoria enquanto
dinheiro implica (...) que as diferentes magnitudes de valores-mercadoria
(...) estão todas expressas em uma forma na qual existem como
a corporificação de trabalho social" (TMV).
Assim o capitalismo é um sistema econômico no qual os produtores
individuais não sabem de antemão se os seus produtos atenderão
uma necessidade social. Eles podem descobrir somente tentando vender
esses produtos como mercadorias no mercado. A concorrência entre
produtores que procuram tomar mercados vendendo a preços mais
baratos reduz os seus diferentes trabalhos a uma medida, trabalho social
abstrato corporificado em dinheiro. Onde a oferta de uma mercadoria
excede a sua demanda, seu preço cairá, e os produtores
irão mudar para outras atividades econômicas mais lucrativas.
É desse modo, e somente indiretamente, que o trabalho social
é distribuído entre diferentes ramos de produção.
A análise marxista do valor está, portanto, direcionada
ao que faz do capitalismo uma forma de produção social
única. O seu foco é "a real estrutura interna das
relações burguesas de produção". Seu
propósito é mostrar que "como valores, as mercadorias
são magnitudes sociais, (...) relações entre homens
na sua atividade produtiva (...) Onde o trabalho é comunal as
relações entre homens em sua produção social
não se manifestam como "valores" de coisas"(TMV).
Assim que O Capital foi publicado, economistas burgueses objetaram que
a abordagem do valor feita por Marx no começo do volume I não
prova que as mercadorias são realmente trocadas em proporção
ao tempo de trabalho socialmente necessário exigido para produzi-las.
Eles têm continuado com essa objeção até
os dias de hoje. Marx comentou acerca de um desses críticos:
"O desafortunado camarada não vê que, mesmo se não
houvesse um capítulo sobre "valor" em meu livro a análise
das reais relações que eu dou conteriam a prova e a demonstração
da real relação-valor (...)
A ciência consiste precisamente em demonstrar de que maneira a
lei do valor se afirma. Assim se alguém quiser "explicar"
logo de início todos os fenômenos que aparentemente contradizem
a lei, ele deve proporcionar a ciência antes da ciência."
(SC)
Todo O Capital é uma prova da teoria do valor-trabalho. Marx
considerava que o método científico correto era o de "ascender
do abstrato ao concreto". Ele começa por estabelecer a teoria
do valor-trabalho na forma bastante abstrata, tal como a consideramos
até agora. Mas este é somente o ponto de partida de sua
análise. Ele avança passo a passo para mostrar como o
comportamento complexo e frequentemente caótico da economia capitalista
pode ser entendido a partir da teoria do valor-trabalho, e somente a
partir dela.
Mais-valia e Exploração
O modo de produção capitalista envolve, de acordo com
Marx, duas grandes separações. A primeira nós já
discutimos - a separação das unidades de produção.
Em outras palavras, a economia capitalista é um sistema dividido
em produtores interdependentes e concorrentes entre si. Do mesmo modo
importante é a divisão no interior de cada unidade de
produção, entre o proprietário dos meios de produção
e os produtores diretos, isto é, entre capital e trabalho assalariado.
Marx assinalou que as mercadorias podem existir sem capitalismo. Dinheiro
e comércio são encontrados em sociedades pré-capitalistas.
Todavia, a troca de mercadorias em tais sociedades é principalmente
um meio de obter valores de uso, as coisas das quais as pessoas necessitam.
A circulação de mercadorias em tais circunstâncias
toma a forma de M-D-M, onde M é mercadoria e D dinheiro. Cada
produtor toma sua mercadoria e vende-a por dinheiro para comprar uma
outra mercadoria de outro produtor. O dinheiro é apenas o intermediário
na transação.
Onde as relações de produção capitalistas
prevalecem, todavia, a circulação de mercadorias toma
uma outra forma, mais complexa: D-M-D1. Dinheiro é investido
para produzir mercadorias que são, então, trocadas por
mais dinheiro.
E mais, o D1, o dinheiro que o capitalista ou investidor consegue após
a transação, é maior do que D, o dinheiro investido
inicialmente. O dinheiro extra, ou lucro, Marx chamou "mais-valia".
De onde vem a mais-valia?
Ricardo havia efetivamente respondido esta questão quando ele
afirmou que o valor criado pelo trabalho era dividido entre salários
e lucros. O trabalho seria a fonte de mais-valia. Contudo, ele foi incapaz
de compreender isso claramente, porque ele entrou numa aparente contradição.
Ele definiu os salários como o valor do trabalho. Como poderia
ser assim, se os salários eram menos do que o valor total criado
pelo trabalho, o qual segundo Ricardo é dividido entre salários
e lucros?
Ricardo não confrontou esta questão porque ele tomou como
dada a existência de mais-valia. A explicação de
Marx acerca da existência de mais-valia baseou-se na análise
da relação entre o capital e o trabalho assalariado. O
que o trabalhador vende ao capitalista em troca de seu salário
não é trabalho, mas força de trabalho, como ele
explica:
"O valor de uso que o trabalhador tem para oferecer ao capitalista
(...) não está materializado em um produto, não
existe de nenhum modo separado dele; existe, portanto (...) somente
como potencialidade, como sua capacidade. Torna-se realidade somente
quando (...) posto em movimento pelo capital." (Grundrisse, doravante
G)
A força de trabalho é uma mercadoria, e como toda mercadoria
tem um valor e um valor de uso. Seu valor é determinado pelo
tempo de trabalho socialmente necessário envolvido para manter
o trabalhador vivo, e para educar as crianças que irão
substituí-lo. "O seu valor, como o de qualquer outra mercadoria,
estava determinado antes de ela entrar em circulação,
pois determinado quantum de trabalho social havia sido gasto para a
produção da força de trabalho, mas o seu valor
de uso consiste na exteriorização posterior dessa força".
(C1, 143)
O valor de uso da força de trabalho é o trabalho, e uma
vez que o trabalhador tenha sido empregado, o capitalista coloca-o para
trabalhar. Mas o trabalho é a fonte de valor, e além disso,
o trabalhador criará durante um dia de trabalho mais valor do
que o capitalista paga por seus dias de trabalho. Mas o decisivo [para
o capitalista] foi o valor de uso específico desta mercadoria
ser fonte de valor, e de mais valor do que ela mesma tem". (C1,
160)
Por exemplo, consideremos que em um dia de trabalho de 8 horas, o trabalho
de 4 horas baste para compor o valor total do salário a ser pago
pelo patrão pelas 8 horas. As demais 4 horas são embolsadas
pelo patrão. Mais-valia, ou lucro, é meramente a forma
peculiar de existência do trabalho excedente no modo de produção
capitalista.
A importância desta análise da compra e venda da força
de trabalho é que permite a Marx traçar as origens da
mais-valia à exploração do trabalhador pelo capital.
Mais ainda, ela ilumina o fato de que os padrões traçados
pelos economistas clássicos não são nem naturais
nem inevitáveis, mas relações de produção
historicamente específicas.
Marx é capaz de realizar esta análise, ao mesmo tempo
em que assume que todas as mercadorias, incluindo a força de
trabalho, são vendidas pelo seu valor. Em outras palavras, o
capitalista não ganha seus lucros pagando pela força de
trabalho menos do que o equivalente ao tempo de trabalho socialmente
necessário para reproduzi-la. A exploração não
é nada anormal, é um típico resultado do funcionamento
regular do modo de produção capitalista. Ela surge da
diferença entre o valor criado pela força de trabalho
e o valor da própria força de trabalho.
A compra e venda da força de trabalho depende da separação
do trabalhador dos meios de produção. Desse modo, o trabalhador
é "livre no duplo sentido de que ele dispõe, como
pessoa livre, de sua força de trabalho como sua mercadoria, e
de que ele, por outro lado, não tem outras mercadorias para vender,
solto e solteiro, livre de todas as coisas necessárias à
realização de sua força de trabalho". (C1,140)
A troca entre capital e trabalho assalariado pressupõe "a
distribuição dos elementos da própria produção,
os fatores materiais que estão concentrados de um lado, e a força
de trabalho isolada, de outro". (C2)
Marx mostra no volume I, parte 8, de O Capital como essa "distribuição"
foi o resultado de um processo histórico, no qual o campesinato
foi privado de sua terra, e os meios de produção - inicialmente
a própria terra - tornou-se monopólio de uma classe cujo
objetivo era o lucro.
Marx foi, portanto, capaz de explicar o contraste entre a aparente igualdade
política de todos os cidadãos da sociedade capitalista
e a desigualdade real da exploração de classe. A troca
entre capital e trabalho assalariado é uma troca de equivalentes.
A força de trabalho é paga por seu valor - o custo de
sua reprodução. Tanto trabalhador e capitalista são
proprietários de mercadoria: um da força de trabalho,
e outro de dinheiro. A força de trabalho é paga por seu
valor - o custo de sua reprodução. Então onde está
a exploração?
Tanto quanto permaneçamos no "reino da circulação",
o mercado onde todo mundo é proprietário de alguma coisa
agindo de acordo com o seu interesse, a exploração é
invisível. É somente quando adentramos o "local oculto
da produção, em cujo limiar se pode ler: No admittance
except on business [não se permite a entrada a não ser
a negócio]" (C1, 144) que as coisas mudam. A exploração
é possível por causa da propriedade peculiar da mercadoria
vendida pelo trabalhador, notadamente do fato de que seu valor de uso
é o trabalho, a fonte de valor e de mais-valia. E é na
produção que a força de trabalho é posta
em movimento.
Mas antes de olharmos o processo de produção no capitalismo,
necessitamos precisar o que é capital.
Da maneira mais simples, o capital é uma acumulação
de valor que atua para criar e acumular mais valor. Bem antes do capitalismo,
homens ricos acumularam riqueza pela expropriação de trabalho
excedente de escravos e servos. Mas essa riqueza era usada para consumo,
sendo que eles podiam ter uma maior porção das necessidades
e luxúrias da vida. Essa riqueza não era capital, embora
venha de uma fonte comum - trabalho excedente.
O primeiro indício de que uma acumulação de riqueza
começou a agir como capital é a fórmula D-M-D1,
a qual nos referimos antes. A fórmula denota uma transação
na qual dinheiro (D) é trocado por mercadorias (M) as quais são
então revendidas por uma soma maior de dinheiro (D1). No início
tais transações eram feitas por comerciantes que, por
exemplo importavam especiarias do Oriente e as revendiam no norte da
Europa, onde a demanda por especiarias para preservar a carne garantia
preços mais elevados. Mas o capital propriamente dito somente
vem à existência quando a mercadoria comprada e vendida
é a força de trabalho, pois esse trabalho assalariado
é o que define as relações de produção
particulares ao capitalismo.
Capital, portanto, é definido por duas coisas: o que ele é
e como atua. Ele é uma acumulação de mais-valia
produzida pelo trabalho, e essa acumulação pode tomar
a forma de dinheiro, mercadoria ou meios de produção -
e usualmente uma combinação dos três. Ele atua para
assegurar acumulação posterior. Marx descreveu isso como
"a auto-expansão de valor".
Capital não é necessariamente identificado com capitalistas
individuais. No desenvolvimento inicial do capitalismo, indivíduos
ricos jogaram um papel importante, mas isso está longe de ser
o caso nos dias de hoje. De fato está na natureza do capitalismo
que o capital assuma vida própria, operando de acordo com uma
lógica econômica que transcende quaisquer indivíduos.
Unidades individuais de capital as quais são usualmente chamadas
de "capitais", podem ser desde uma pequena companhia a uma
grande corporação, uma instituição financeira
a um Estado-nação.
Para compreender a natureza peculiar do processo de produção
capitalista, Marx formulou uma série de novos conceitos. Nós
vimos no capítulo anterior que existem dois principais elementos
em qualquer processo de trabalho - força de trabalho e os meios
de produção. Sob o modo de produção capitalista
ambos os elementos tomam a forma de capital. O capitalista tem que investir
dinheiro para comprar tanto a força de trabalho quanto os meios
de produção antes de poder aumentar seu investimento inicial.
O dinheiro para comprar a força de trabalho Marx chamou-o Capital
Variável; e o dinheiro investido para obter o prédio,
equipamentos, matérias-primas e outros meios de produção
ele chamou Capital Constante.
A razão para esses nomes deve ser óbvia à luz da
teoria do valor-trabalho. O capital variável, porque é
investido a força de trabalho, a mercadoria que é a fonte
de valor, expande em valor. O capital constante não. A produção
capitalista envolve tanto trabalho vivo - o trabalho do operário
que substitui o valor da força de trabalho e ao mesmo tempo cria
mais-valia - e trabalho morto acumulado nos meios de produção.
Esse trabalho morto é o trabalho acumulado pelos trabalhadores
que fabricaram os meios de produção em primeiro lugar.
Como a maquinaria deteriora-se gradualmente através de seu uso
para produzir novas mercadorias, o seu valor é transferido para
essas mercadorias.
A taxa de mais-valia foi o nome dado por Marx para a razão entre
a mais-valia e o capital variável, o capital investido na força
de trabalho. Ela mede a taxa de exploração, em outras
palavras o grau em que o capitalista foi bem sucedido em extrair mais-valia
do trabalhador. Para nos valermos de um exemplo anterior: Se o trabalho
necessário é de 4 horas, e o trabalho excedente 4 horas,
então a taxa de mais-valia é 4/4, ou 100%.
Existem dois modos, segundo Marx, pelos quais os capitalistas podem
aumentar a taxa de mais-valia, um comum a todos os modos de produção,
o outro específico do capitalismo. Esses modos correspondem respectivamente
à produção de mais-valia absoluta e mais-valia
relativa. A mais-valia absoluta é criada pelo aumento da jornada
de trabalho. Assim, se os trabalhadores gastam 10 horas ao invés
de 8 horas no trabalho, quando o trabalho necessário é
ainda somente 4 horas, então mais 2 horas de trabalho são
adicionadas. A taxa de mais-valia aumentou de 4/4 para 6/4, ou de 100%
para 150%.
Algumas das páginas mais brilhantes de O Capital são aquelas
nas quais Marx descreve como, especialmente nas fases iniciais da revolução
industrial os capitalistas procuraram estender a jornada de trabalho
tanto quanto possível, forçando até mesmo meninos
de nove anos a trabalharem três turnos de doze horas nas terríveis
condições das fundições de ferro. "O
Capital", ele escreve, "é trabalho morto, que apenas
se reanima, à maneira dos vampiros, chupando o trabalho vivo
e que vive quanto mais trabalho vivo chupa". (C1, 189)
Existem todavia limites objetivos para aumento da jornada de trabalho.
Se aumentada demais produz "não apenas a atrofia da força
de trabalho, a qual é roubada de suas condições
normais, morais e físicas, de desenvolvimento e atividade",
como também "produz a exaustão prematura e o aniquilamento
da própria força de trabalho" (C1, 212). O capital
que depende da força de trabalho como fonte de valor, atua assim
contra seus próprios interesses. Ao mesmo tempo, o impiedoso
aumento da jornada engendra a resistência organizada de suas vítimas.
Marx relata o papel cumprido pela ação coletiva dos trabalhadores
para forçarem os capitalistas britânicos a aceitar o "Factory
Acts" (leis fabris limitando as horas de trabalho). "E assim
a regulamentação da jornada de trabalho apresenta-se na
história da produção capitalista como uma luta
ao redor dos limites da jornada de trabalho - uma luta entre o capitalista
coletivo, isto é, a classe dos capitalistas, e o trabalhador
coletivo, ou a classe trabalhadora". (C1, 190)
O capital pode, entretanto, aumentar a taxa de mais-valia também
pela produção de mais-valia relativa. Um aumento na produtividade
do trabalho levará a uma queda no valor das mercadorias produzidas.
Se alguma melhoria técnica nas condições de produção
barateia os bens de consumo que os trabalhadores compram com seus salários,
então o valor da força de trabalho também cai.
Menos trabalho social será necessário para reproduzir
a força de trabalho, e a porção da jornada de trabalho
dedicada ao trabalho necessário cairá, deixando mais tempo
gasto criando mais-valia.
Digamos que uma maior produtividade em indústrias de consumo
leve à queda pela metade do valor dos bens de consumo. Para retornarmos
ao nosso exemplo, o trabalho necessário tomará agora apenas
2 horas de trabalho do total de 8 horas. Assim a taxa de mais-valia
é agora 6/2. Ela aumentou de 100 para 300%.
Marx afirma que embora tanto a mais-valia absoluta como a relativa sejam
encontradas em todas as fases do desenvolvimento capitalista, tende
a haver uma mudança histórica em suas importâncias.
Quando as relações de produção capitalistas
foram introduzidas inicialmente, o foram sobre a base de métodos
de produção herdados das indústrias artesanais
da sociedade feudal. Esses métodos artesanais não são,
de início alterados fundamentalmente: os trabalhadores são
simplesmente agrupados em maiores unidades de produção
e sujeitos a uma mais complexa divisão de trabalho. Novas relações
de produção são enxertadas a um velho processo
de trabalho:
"Dado o modo de trabalho preexistente (...) a mais-valia só
pode ser criada pela ampliação do dia de trabalho, isto
é, aumentando a mais-valia absoluta." (C1)
Em um modo de produção como o feudalismo, onde nem o explorador
nem o explorado tem necessariamente um interesse forte em expandir as
forças produtivas, mais trabalho excedente só pode ser
extraído dos produtores diretos fazendo-os trabalharem mais horas.
O capitalismo, contudo, introduz um novo método de aumentar a
taxa de exploração, conseguindo que os trabalhadores trabalhem
mais eficientemente.
"Com a produção de mais-valia relativa toda forma
de produção é alterada e vem à existência
uma forma de produção especificamente capitalista".
(C1) O que Marx chama de manufatura, baseada sobre "a ampla base
do artesanato urbano e da indústria doméstica rural"
(C1,288) é suplantada pela moderna indústria de larga
escala ou maquinofatura", na qual a produção é
organizada em torno de sistemas de máquinas e o processo de trabalho
é constantemente alterado à luz de inovações
tecnológicas. "Agora surge um modo de produção
específico tecnologicamente - produção capitalista
- que transforma o processo de trabalho e suas condições
existentes." (C1)
A mais importante consequência é que o processo de trabalho
torna-se crescentemente socializado. A produção ocorre
agora em amplas unidades organizadas em torno de máquinas, e
envolvendo uma divisão de trabalho altamente complexa. "A
verdadeira alavanca do processo de trabalho global é cada vez
mais não o trabalhador individual, mas a força de trabalho
socialmente combinada. (C1) O capitalismo portanto cria o que Marx chama
de "trabalhador coletivo", do qual os indivíduos são
membros agrupados pelo esforço conjunto de produzir mercadorias.
Marx enfatiza que o propósito das constantes transformações
do processo de trabalho no capitalismo é de aumentar a taxa de
exploração através da produção de
mais-valia relativa: "igual a qualquer outro desenvolvimento da
força produtiva do trabalho, ela [a maquinaria] se destina a
baratear mercadorias e encurtar a parte da jornada de trabalho que o
trabalhador precisa para si mesmo. A fim de alargar a outra parte da
sua jornada de trabalho ela dá de graça para o capitalista.
Ela [a maquinaria] é meio de produção de mais-valia".
(C1, Tomo2, 5)
Isto ajuda a esclarecer o que nós vimos no último capítulo,
que as força produtivas se desenvolvem até onde as relações
de produção predominantes permitem. A peculiaridade do
capitalismo é que essas relações exigem contínuos
aperfeiçoamentos na produtividade do trabalho.
Concorrência, preços e lucros
A análise de Marx do processo de produção capitalista
feita no primeiro volume de O Capital é feita num nível
de abstração bastante elevado. Mais importante é
o fato de que ele presume que as mercadorias são trocadas pelos
seus valores, isto é, em proporção ao tempo de
trabalho socialmente necessário para sua produção.
Em particular, ele exclui os efeitos da concorrência e das flutuações
na oferta e procura das mercadorias.
Este procedimento era justificado porque Marx tinha como objetivo compreender
as características essenciais da economia capitalista, e buscar
as suas fontes na extração de mais-valia dos trabalhadores
no processo de produção. O objeto de Marx ao analisar
o processo capitalista de produção era o que ele chamou
"capital em geral como distinto dos capitais particulares".
Isso, ele reconheceu, era uma abstração, não uma
abstração arbitrária mas uma abstração
que apanha as características específicas que distinguem
o capital de todas as outras formas de riqueza - ou modos pelos quais
a produção social se desenvolve. Esses são os aspectos
comuns a cada capital enquanto tal, ou que transformam cada soma específica
de valores em capital". (G)
Os aspectos comuns "a cada capital enquanto" tal desmoronam
diante do fato de que o capital é a auto-expansão de valor,
que surge da exploração do trabalhador na produção.
Portanto, o que distingue o capital dos outros "modos pelos quais
a produção social se desenvolve" é a mais-valia
enquanto "a forma econômica específica na qual trabalho
excedente não pago é extraído dos produtores diretos".
(C3) A análise do "capital em geral" está voltada
para desvelar a base das relações capitalistas de produção.
Há, porém, um outro estágio na análise do
capitalismo feita por Marx. Vimos que este modo de produção
envolve duas separações: uma entre a força de trabalho
e os meios de produção, a qual subjaz à troca entre
trabalho assalariado e capital e assim torna possível a extração
de mais-valia; a outra entre as unidades de produção,
que surgem do fato de que não há , no capitalismo, um
modo coletivo para distribuir o trabalho social entre diferentes atividades,
e por isso produtores individuais relacionam-se uns com os outros através
da troca de seus produtos.
É um traço essencial do capitalismo que nenhum produtor
único controla a economia. "O capital existe e só
pode existir como muitos capitais", escreve Marx. (G)
A esfera dos "muitos capitais" é a da concorrência.
Capitais individuais lutam entre si por mercados, procurando ganhar
o controle de setores particulares. O comportamento desses capitais
só pode ser entendido à luz da análise feita por
Marx do "capital em geral" e especialmente do processo de
produção. O que os torna capitais é a auto-expansão
de valor na produção. Mas em um sentido muito importante
a análise de Marx sobre a concorrência completa a do processo
de produção. Para apreciar este ponto plenamente, devemos
primeiro dar uma olhada nos três volumes de O Capital. O volume
1, como vimos, trata da análise do processo de produção.
Mas porque o capitalismo é um sistema de produção
generalizada de mercadorias, o capitalista realmente obterá a
mais-valia que ele extraiu do trabalhador somente se ele consegue vender
as mercadorias que corporificam esse valor. O que Marx chama de a realização
do valor criado na produção - a sua transformação
em dinheiro - depende da circulação de mercadorias no
mercado.
O volume 2 de O Capital trata desse processo de circulação,
examinando suas implicações em dois modos. Primeiro Marx
considera os diferentes circuitos de capital, as sucessivas transformações
de, por exemplo, capital-dinheiro em força de trabalho e meios
de produção que são usados para produzir mercadorias,
e então em uma soma de dinheiro maior caso essas mercadorias
sejam vendidas pelo seu valor. Marx então considera o modo no
qual os circuitos de capitais individuais se entrelaçam para
ocasionar a reprodução da economia toda. Muito do que
ele diz no volume 2 é brilhante e inovador, mas neste livro nós
somente tocaremos nele quando discutirmos as crises na seção
seguinte.
É no volume 3 que a análise da concorrência se torna
relevante. Nele Marx trata da produção capitalista como
um todo. Porque a realização do valor gerado na produção
depende da circulação de mercadorias,
"o modo capitalista de produção, considerado como
um todo, é unidade de processo de produção e de
circulação (...) As configurações do capital,
como as desenvolvemos neste livro, aproximam-se, portanto, passo a passo,
da forma em que elas mesmas aparecem na superfície da sociedade,
na ação dos diferentes capitais entre si, na concorrência
e na consciência costumeira dos agentes da produção"
(C3, Tomo1, 21)
A importância central da concorrência é que através
de sua pressão os produtores individuais são forçados
a se comportarem como capitais. "A influência de capitais
individuais sobre um outro tem precisamente o efeito de que eles devem
conduzir-se enquanto capital". (G)
A lei do valor - a troca de mercadorias proporcionalmente ao tempo de
trabalho socialmente necessário para produzi-las - depende da
competição em dois aspectos. Marx distingue entre o valor
de uma mercadoria e o seu preço de mercado. O valor é
o trabalho social dispendido nela; o preço de mercado é
a quantidade de dinheiro que ela alcançará num determinado
momento. Frequentemente os dois irão diferir, porque o preço
de mercado flutuará em resposta às oscilações
na oferta e na procura. Marx argumenta que essas flutuações
cancelarão uns aos outros no decorrer do tempo.
O valor de uma mercadoria, contudo, como vimos na primeira seção
deste capítulo é o trabalho socialmente necessário
envolvido em sua produção. Isso pode diferir bem da quantidade
real de trabalho usado para produzi-la. Marx portanto faz distinção
entre o valor individual de uma mercadoria, o tempo de trabalho nela
corporificado, e seu valor social ou de mercado, o qual reflete as condições
de produção predominantes naquele ramo industrial.
O valor de mercado da mercadoria é determinado pela concorrência
entre os capitais naquele ramo industrial, cada um tentando ganhar uma
maior parcela do mercado, cada um procurando com isso aperfeiçoar
suas condições de produção e assim reduzir
o valor de suas mercadorias. Usualmente o valor de mercado resultante
será o valor de bens produzidos nas condições médias
de produção no setor.
Os produtos de um capital individual, como resultado dessa competição
serão vendidos pelo valor de mercado, mesmo se o trabalho real
usado para produzir essas mercadorias, seus valores individuais, for
maior ou menor que o valor de mercado.
Existe, além disso, um segundo modo no qual a concorrência
interfere no funcionamento da lei do valor. Isso surge do fato de que
mercadorias são o "produto do capital". Em outras palavras,
o capitalista investe seu capital na produção de mercadorias,
não como um fim em si, mas para produzir mais-valia. Agora, como
vimos na seção anterior, a fonte de mais-valia é
o capital variável, em outras palavras, os trabalhadores que
o capitalista emprega em troca de salários. Mas o capitalista
não emprega o dinheiro apenas para pagar esses salários;
ele também tem que desembolsar dinheiro para a maquinaria, prédios,
matérias-primas e em tudo o que for necessário para haver
produção de mercadorias. O que conta para o capitalista
não é simplesmente o retorno que ele faz sobre o capital
variável, mas sim aquele sobre seu investimento total, capital
variável mais o capital constante.
O reconhecimento deste fato levou Marx a distinguir entre a taxa de
mais-valia e a taxa de lucro. A taxa de mais-valia é simplesmente
a razão entre mais-valia e capital variável. A taxa de
lucro, por outro lado é a razão entre mais-valia e capital
total, capital variável mais capital constante. Do ponto de vista
da compreensão do capitalismo, a taxa de mais-valia é
mais importante porque a força de trabalho é a fonte de
valor. Mas o que importa ao capitalista é a taxa de lucro porque
ele precisa de um retorno adequado sobre o seu investimento total, e
não só sobre o que ele gasta com salários.
Obviamente, as duas taxas diferirão. Tomemos um capitalista que
emprega 100 trabalhadores a um salário de 50 dólares por
semana. Seu gasto total com salário - seu capital variável
é de 5.000 dólares por semana. Se a taxa de mais-valia
é de 100%, então a mais-valia produzida cada semana também
será 5.000 dólares. Este é seu lucro. (O capitalista
também consegue de volta os 5.000 dólares iniciais, fazendo
10.000 dólares no todo). Mas suponha que o capitalista também
tenha que gastar 2.500 dólares por semana para pagar pelos gastos
do prédio, matérias-primas, etc. Este é seu capital
constante. O capital total investido cada semana será de 7.500
dólares e a taxa de lucro, o retorno sobre este investimento
total é a razão entre o lucro recebido (a mais-valia)
e o capital total, ou 5.000 dólares dividido por 7.500 dólares
- 66%
A existência de uma taxa de lucro é uma ilustração
de como de acordo com Marx, a concorrência oculta as verdadeiras
relações de produção. Pois é a taxa
de lucro que os capitalistas usam em seus cálculos cotidianos.
Como esse conceito relaciona a mais-valia ao capital total, o fato de
que a força de trabalho é a fonte de mais-valia fica oculto.
Parece como se o capital constante investido nos meios de produção
fosse também responsável por criar valor e mais-valia.
Este é um exemplo do que Marx chama fetichismo da mercadoria,
o modo como o funcionamento da economia capitalista leva as pessoas
a acreditarem que suas relações sociais, são, de
algum modo místico, governadas por objetos físicos - valores
de uso e a maquinaria usada para produzi-los. O seu efeito é
justificar a existência de lucros, já que o capitalista,
como proprietário dos meios de produção, parece
tão merecedor quanto o trabalhador a uma parte do produto que
supostamente foi produto de cooperação entre ambos.
Em relação à taxa de lucro existe, todavia, mais
do que esta mistificação. Marx afirma que a taxa de lucro
diferirá de indústria para indústria, dependendo
das condições de produção predominantes.
Para explicar isso, ele usa um outro conceito, o de composição
orgânica de capital. Esta é a razão do capital constante
ao capital variável. Em outras palavras ela reflete (em termos
de valor) o montante de maquinário, matérias-primas e
tudo que é necessário para produzir uma dada mercadoria
em relação à força de trabalho necessária.
Isto é, de fato, uma medida da produtividade do trabalho. Pois
quanto mais eficiente é a força de trabalho, mais o trabalhador
produzirá com um maquinário, mais matérias-primas
serão utilizadas pelo trabalhador, e assim por diante. Assim,
quanto mais alta for a produtividade do trabalho, maior será
também a composição orgânica do capital.
O que isso significa para a taxa de lucro?
Vamos examinar o caso de dois capitalistas, A e B. Suponhamos que cada
um deles tenha o mesmo gasto semanal quanto aos salários - 5.000
dólares - e, seguindo o exemplo de Marx, que cada um tem a mesma
taxa de mais-valia, 100%. Assim cada um recebe um lucro semanal de 5.000
dólares. Mas enquanto A investe 5.000 dólares a cada semana
em capital constante , B, em um diferente setor da indústria
tem que investir 10.000 dólares.
Para A, então a composição orgânica de seu
capital, a razão do capital constante para o variável,
é 5.000/5.000, ou 1/1 (1:1). Seu lucro é realizado com
um capital total de 10.000 dólares, logo a sua taxa de lucro
é 5.000/10.000 ou 50%. A composição orgânica
do capital de B, por outro lado, é 10.000/5.000, ou 2/1 - duas
vezes a de A. A taxa de lucro de B é 5.000/15.000, ou somente
33%.
Portanto, quanto maior a composição orgânica de
capital, quanto mais maquinário e matérias-primas usadas
pelos trabalhadores, mais baixa será a taxa de lucro - porque
somente a força de trabalho produz mais-valia.
Aqui os capitalistas buscam ganhar o maior retorno possível para
seus investimentos, a taxa de lucro mais elevada possível. Desde
que o montante de maquinaria, edifícios e as demais coisas necessárias
para a produção variam de indústria para indústria,
em outras palavras algumas indústrias tem uma composição
orgânica de capital mais elevada do que as outras, o capital tende
a fluir para onde a taxa de lucro é mais alta - ou seja, para
onde a composição orgânica de capital é mais
baixa. Por que, afinal de contas, o capitalista B deveria continuar
investindo todo seu dinheiro onde ele consegue um retorno de apenas
33%, quando ele poderia conseguir 50% se ele pusesse seu capital no
mesmo setor de A?
Isto leva ao que Marx chamou de equalização da taxa de
lucro. O fluxo de capital de uma indústria para outra tenderá
a nivelar as diferenças da taxa de lucro. O resultado é
que se forma uma taxa geral de lucro, a qual reflete a relação
entre a mais-valia total produzida em toda a economia e o total do capital
social investido. Capitais individuais receberão uma porção
da mais-valia total extraída, em proporção não
ao capital variável dispendido, mas ao capital total investido
por eles.
Para ver o que isso significa, voltemos a A e B, e suponhamos que eles
sejam os dois únicos capitais na economia. A mais-valia total
é então de 10.000 dólares e o capital social total
25.000 dólares. A taxa geral de lucros é 10.000/25.000,
ou 40%. Ela é maior do que os 33% originais de B, mas mais baixa
que os 50% de A. Cada um não receberá um retorno de 40%
sobre o seu capital total. A conseguirá 4.000 libras sobre as
suas 10.000 libras, enquanto que B, com 15.000 libras, obterá
6.000 libras. Uma vez que cada empresa extrai 5.000 dólares em
mais-valia dos seus trabalhadores, então o valor transferido
entre eles é de 1.000 dólares.
Como isso acontece? Infelizmente, o nosso modelo com os capitalistas
A e B, é simplificado demais para demonstrar o mecanismo que
causa essa transferência de mais-valia, mas nós podemos
usá-lo ainda par mostrar como esse mecanismo é posto em
marcha.
O capitalista B, vendo A conseguir uma taxa de lucro mais alta que a
dele, naturalmente irá querer uma parte para si, ele irá
deslocar uma parte de seu capital para a indústria A. Isso levará
a um aumento na produção, e esse aumento continuará
até que a oferta desses bens exceda a demanda. Uma vez que existam
mais desses bens à venda do que compradores, os preços
desses bens cairá. Assim essas mercadorias acabarão sendo
vendidas abaixo de seu valor, e a indústria A se tornará
menos lucrativa.
Inversamente, uma vez que o capitalista B tenha removido uma parte de
seu dinheiro da sua própria indústria, a produção
de bens B cairá. Quando a oferta desses bens é menor do
que a demanda, o preço dessas mercadorias aumentará. e
elas serão vendidas a preços acima de seu valor. A taxa
de lucro da indústria B, inicialmente baixa, aumentará.
Então, como o capital procura continuamente pelo retorno mais
alto, o aumento de investimento em indústrias com baixa utilização
de edifício, maquinário e matérias-primas em relação
à força de trabalho, em outras palavras com uma composição
orgânica de capital baixa e portanto alta taxa de lucro, tenderá
a uma baixa nos preços e redução da taxa de lucro.
O oposto acontecerá em indústrias com elevada composição
orgânica de capital.
Como Marx escreve: "Esse incessante fluxo e influxo", através
do qual o capital é constantemente redistribuído entre
as diferentes esferas de produção dependendo da sua relativa
lucratividade, continuará até que "ele crie uma tal
razão de oferta e procura que o lucro médio nas esferas
de produção se torne o mesmo, e os valores sejam, portanto
convertidos em preços de produção". (C3) O
equilíbrio é alcançado quando os preços
de diferentes bens se situem em níveis que possibilitem a cada
capital a mesma taxa de lucro.
É como se toda a mais-valia extraída dos trabalhadores,
onde quer que eles possam estar empregados, fluísse para um único
fundo comum, do qual os capitalistas tirassem lucros em proporção
às somas de seus investimentos. A origem da mais-valia é
mistificada mais ainda, já que os lucros ganhos por um capitalista
nem de longe parecem possuir qualquer relação ao montante
de trabalho realizado pelos seus trabalhadores. "Todos esses fenômenos",
comenta Marx, "parecem contradizer a determinação
do valor pelo tempo de trabalho (...) Assim tudo aparece revertido em
competição". (C3)
Esta aparência é dissolvida uma vez que consideremos a
relação global entre a classe capitalista e a classe trabalhadora:
"Em cada esfera particular de produção, o capitalista
individual, assim como os capitalistas como um todo, tomam parte na
exploração da classe trabalhadora total pela totalidade
do capital (...) Pois, assumindo todas as outras condições
a serem dadas, a taxa média de lucro depende da intensidade de
exploração da soma total de trabalho pela soma total de
capital." (C3)
"Os capitalistas se esforçam (e esse esforço é
a concorrência) para dividir entre si a quantidade de trabalho
não pago (...) que eles extraem da classe trabalhadora, não
de acordo ao mais-trabalho produzido diretamente por um capital particular,
mas correspondendo primeiramente à porção relativa
do capital agregado que um capital particular representa, e em segundo
lugar de acordo com o montante de mais-trabalho produzido pelo capital
agregado. Os capitalistas, como irmãos hostis, dividem entre
si o saque do trabalho de outras pessoas, recebendo assim, em média
a mesma quantidade de trabalho não pago." (TMV)
"Aqui então temos uma prova matematicamente precisa de porque
os capitalistas formam uma verdadeira sociedade maçônica
diante de toda a classe trabalhadora, enquanto que há pouco amor
entre eles na concorrência entre si." (C3)
Uma consequência da equalização da taxa de lucro
é que a lei do valor deve ser modificada. "É evidente
que a emergência (...) da taxa geral de lucro necessita da transformação
de valores em preços de custo que são diferentes desses
valores". (TMV)
Para ver porque isso é assim, voltemos aos nossos velhos amigos,
os capitalistas A e B. Para chegar ao valor dos seus produtos semanais,
suponhamos que o valor de todo o capital constante que eles avançam
cada semana seja transferido para as mercadorias que eles produzem.
O valor total de seu produto semanal é então igual a capital
variável + mais-valia + capital constante. No caso de A isso
significa 5.000 + 5.000 + 5.000 = 15000; no caso de B 5.000 + 5.000
+ 10.000 = 20.000. Mas a equalização da taxa de lucro
significa que 1.000 dólares da mais-valia foram transferidas
de A para B. Então os valores produzidos devem ser modificados
para levar em conta essa redistribuição. Para A, teremos
então 4.000 + 5.000 + 5.000 = 14.000, e para B 6.000 + 5.000
+ 10.000 = 21.000.
Marx
chama esses valores convertidos que refletem a taxa geral de lucro de
preços de produção. Sua formação
é uma consequência inevitável do fato de que "o
capital existe e só pode existir como muitos capitais".
"O que a concorrência, primeiro e em uma única esfera
[de produção] consegue é um único valor
de mercado e um único preço de mercado derivados dos vários
valores individuais de mercadoria. E é a competição
de capitais em diferentes esferas que primeiro faz surgir o preço
de produção, equalizando as taxas de lucro nas diferentes
esferas". (C3) A conversão de valores em preços de
produção é parte do mesmo processo da formação
dos próprios valores. Pois é a concorrência em indústrias
particulares que leva as mercadorias a serem vendidas pelo tempo de
trabalho socialmente necessário em primeiro lugar.
A transformação de valores em preços de produção
ao invés de negar a teoria do valor-trabalho, completa-a. Marx
assinala que os desvios dos preços de produção
em relação aos valores "sempre se resolvem com uma
mercadoria recebendo muito pouco da mais-valia enquanto outra recebe
muito, e desse modo os desvios dos valores que estão corporificados
nos preços de produção compensam um ao outro".
(C3) "A soma dos preços de produção de todas
as mercadorias produzidas na sociedade (...) é igual à
soma dos seus valores" (C3) Se nós voltarmos aos casos de
A e B de dois parágrafos atrás, vemos que o valor total
de seus produtos, 35.000 dólares, permanece o mesmo antes e depois
da conversão de valores em preços de produção.
O chamado "problema da transformação" tem todavia
causado uma enorme controvérsia, iniciada quando o volume 3 de
O Capital foi publicado em 1894 e não mostra sinais de abatimento
ainda hoje. Algumas das críticas são simples questões
de ignorância. Por exemplo, o economista austríaco Eugen
Von Boehm-Bawerk, autor de uma das primeiras discussões do problema
da transformação, argumentou que Marx havia mudado de
idéia depois de escrever o volume 1, e decidiu que, afinal de
contas as mercadorias não eram trocadas pelos seus valores. Isso
ignora o fato de que, como Engels afirmou quando ele publicou o volume
3 depois da morte de Marx, os manuscritos sobre os quais o volume 3
está baseado foram escritos por Marx em 1864 e 1865, antes de
ele ter completado o esboço final do volume 1! Em todo caso,
as Teorias da Mais-valia, tomadas dos até mesmo anteriores manuscritos
de 1861-63, mostram que Marx, como Ricardo antes dele, era perfeitamente
cônscio de que a existência da taxa geral de lucro implicava
em modificar a lei do valor.
Há algumas críticas técnicas mais válidas.
Marx, em seus exemplos de transformação, ignorou o fato
de que o valor das mercadorias representadas pelo capital constante
e variável deveria ele mesmo em preços de produção.
Não seria correto, portanto, como fiz em minha própria
ilustração, deixar o capital de A com 10.000 dólares
e B com 15.000 dólares tanto antes como depois da transformação.
Os bens consumidos pelos trabalhadores, o edifício, maquinário
e as demais coisas que eles usam para produzir mercadorias terão
também sido afetados pela formação de uma taxa
geral de lucro, e também terão tido os seus valores transformados
em preços de produção. Marx não era inconsciente
desse problema, mas sentiu que não era importante o bastante
para preocupar-se com ele (ver C3, 164-165, edição inglesa).
Pesquisas posteriores sugerem que ele estava errado, e que uma completa
transformação de valores em preços de produção
tem implicações de alcance muito maior do que Marx imaginou.
Porém, as soluções matemáticas ao problema
que tem sido alcançadas até agora não invalidam
a abordagem feita por Marx da conversão de valores em preços
de produção.
Alguns economistas, incluindo inúmeros marxistas, ainda insistem
que o "problema da transformação" prova que
a teoria do valor-trabalho deve ser rejeitada. Seus principais argumentos
para isso é que existem técnicas para determinar os preços
das mercadorias que não implicam em tomar seus valores como ponto
de partida. Isso é perfeitamente verdadeiro, mas é equivocado
no tocante à teoria do valor-trabalho. O principal propósito
da teoria não é nos fornecer uma fórmula para determinar
a razão na qual as mercadorias serão trocadas umas por
outras (embora ela possa determinar, uma vez que corrijamos a versão
de Marx da transformação). A intenção de
Marx é "revelar a lei do movimento da moderna sociedade"
- desvelar as tendências do desenvolvimento histórico contidas
no modo de produção capitalista. A teoria do valor trabalho
é um instrumento voltado para esse fim.
O procedimento de Marx em O Capital reflete seu método geral
de "ascender do abstrato ao concreto". Nos volumes 1 e 2 onde
ele está analisando o "capital em geral", as características
básicas das relações de produção
capitalistas, ele presume que as mercadorias são trocadas pelos
seus valores. Essa suposição é perfeitamente válida,
porque o problema da transformação surge somente quando
nós começamos considerando as diferenças entre
capitais. É somente quando Marx passa a considerar a esfera de
"muitos capitais", e a concorrência que ocorre entre
eles, como no vol. 3, que ele é obrigado a deixar de lado a suposição
de que as mercadorias são trocadas pelos seus valores. Isso é
necessário se quisermos "encontrar e expor as formas concretas
que surgem do processo de movimento do capital considerado como um todo".
(C3, 21)
Entretanto nós só podemos fazer isso com sucesso se tivermos
feito a abstração inicial, a de presumir que as mercadorias
são trocadas pelos seus valores, a qual foi necessária
para analisar o "capital em geral". A crítica central
de Marx a Ricardo era de que ele simplesmente presumia a existência
da taxa geral de lucro falhando em considerar o valor e a mais-valia
em isolamento da concorrência. Seu erro foi falta do poder de
abstração, incapacidade em tratar com os valores das mercadorias,
a esquecer lucros, um fator que o confronta como um resultado da concorrência"
(TMV).
Durante o texto temos considerado a relação entre "capital
em geral" e "muitos capitais" estaticamente, voltados
basicamente para como ela afeta a formação do valor. Vamos
agora assumir uma visão mais dinâmica e examinar o papel
jogado pela concorrência entre capitais no desenvolvimento da
economia burguesa.
Acumulação e Crises
Uma das principais características do capitalismo, que o diferencia
dos outros modos de produção, é a acumulação
de capital. Nas sociedades escravistas ou feudais, o explorador consumia
a massa de produto excedente abocanhado dos produtores diretos. A produção
é ainda dominada pelo valor de uso: seu objetivo é o consumo.
Isso muda uma vez que o modo de produção capitalista de
produção prevalece. A maior parte d mais-valia extorquida
dos trabalhadores não é consumida. Ao invés disso,
é investida na produção. É este processo,
através do qual a mais-valia é reinvestida constantemente
na produção, que Marx chama de "acumulação
de capital".
Em uma famosa passagem no volume 1 de O Capital, Marx mostra como isto
dá lugar, na classe capitalista, a uma ideologia da "abstinência",
na qual a burguesia é encorajada a negar mesmo o seu próprio
consumo, e poupar mais-valia tanto quanto possível para ser reinvestida:
"Acumulai, acumulai! Isso é Moisés e os profetas!
"A industria fornece o material que a poupança acumula."
[diz Adam Smith]
Portanto, poupai, poupai, isto é, retransformai a maior parte
possível da mais-valia e do mais-produto em capital! A acumulação
pela acumulação, produção pela produção,
nessa fórmula a Economia Clássica expressou a vocação
histórica do período burguês." (C1, T2, P 165-6)
Mas, diz Marx, o motivo para isso não é a cobiça
(embora como indivíduo o capitalista deva ser bem cobiçoso).
Nós não precisamos procurar por alguma propensão
natural à ambição na natureza humana. O próprio
sistema proporciona o motivo para os capitalistas:
"(...) na medida em que ele é capital personificado (...)
não é o valor de uso a satisfação, mas o
valor de troca e sua multiplicação o móvel de sua
ação. (...) Como tal ele partilha com o entesourador o
instinto absoluto do enriquecimento. O que neste, porém, aparece
como mania individual, é no capitalista efeito do mecanismo social,
do qual ele é apenas uma engrenagem." (C1, T2, 163)
Esse "mecanismo social" é a concorrência entre
"muitos capitais". Nós vimos que Marx acreditava que
" influência de capitais individuais sobre outros têm
precisamente como efeito que eles devem conduzir-se como capital".
Isto é especialmente verdadeiro na acumulação.
Um capital que não reinvista mais-valia logo se verá superado
pelos rivais que investem em métodos aperfeiçoados de
produção e que são, portanto capazes de produzir
mais barato e podem obrigar ao rebaixamento dos preços de bens
do primeiro capital. Um capital que falha em acumular logo se verá
em direção à bancarrota.
O processo de acumulação, justamente porque é inseparável
da concorrência entre capitais não é nada tranquilo
ou uniforme. Marx argumenta que o processo de acumulação
é também a reprodução das relações
capitalistas de produção. O que ele quer dizer é
que a sociedade não pode seguir existindo a menos que a produção
seja constantemente renovada, e isso depende de os capitalistas reinvestirem
o valor realizado no mercado na produção.
Marx distingue entre duas formas de reprodução. A reprodução
simples ocorre quando a produção é renovada ao
mesmo nível anterior - e a economia estagna ao invés de
crescer. A reprodução ampliada, contudo, implica na utilização
do mais-produto para aumentar a produção. Este último
caso é a norma no capitalismo.
No vol. 2 de O Capital Marx analisa as condições sob as
quais ocorre a reprodução simples ou ampliada. Ele mostra
que aqui o valor de uso joga um papel muito importante. Para a reprodução
acontecer não é suficiente haver dinheiro para comprar
força de trabalho e os instrumentos de produção.
Deve haver também suficientes bens de consumo para alimentar
os trabalhadores, e suficiente maquinários, matérias-primas,
etc., para eles colocarem em funcionamento.
Marx divide a economia em dois amplos setores, Departamentos I e II.
O Departamento I da economia produz os meios de produção:
fábricas produzindo maquinários, por exemplo e minas produzindo
matérias-primas. O Departamento II produz bens de consumo: alimento,
vestuário, etc. Marx mostra que para acontecer seja a reprodução
simples ou ampliada, ambos os Departamentos devem produzir bens em certas
proporções.
Mas se essas proporções entre os diferentes setores da
economia são realmente alcançadas é uma questão,
em grande parte, acidental. O capitalistas produzem, não para
si, mas para o mercado. Não há qualquer garantia de que
o que foi produzido será consumido. Se isso acontece ou não
depende da existência de uma efetiva demanda para a mercadoria.
Em outras palavras, não só deve ter alguém que
queira comprá-la, mas esse alguém deve possuir dinheiro
para comprá-la. Frequentemente essa demanda não existe.
O resultado é uma crise econômica.
Por exemplo, digamos que capitalistas no Departamento I (meios de produção)
cortem os salários de seus trabalhadores para aumentar a taxa
de mais-valia. Esses trabalhadores então conseguirão comprar
menos produtos no Departamento II (bens de consumo). Os capitalistas
do Departamento II podem reagir a esse declínio no mercado através
de cortes nos gastos com novos equipamentos ou instalações.
Os capitalistas do Departamento I, atingidos por essa queda na demanda
para seus produtos, podem demitir trabalhadores, o que, em contrapartida,
levará os capitalistas do Departamento II a fazerem o mesmo...
Esse processo, que só foi realmente entendido pelos economistas
burgueses a partir do aparecimento em 1936 do livro de Keynes A Teoria
Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, foi analisado por Marx no vol.
2 de O Capital setenta anos antes.
A possibilidade de crises econômicas é inerente à
natureza mesma da mercadoria. Relembrando que a circulação
simples de mercadorias toma a forma M-D-M. Uma mercadoria é vendida,
e o dinheiro é usado para comprar outra mercadoria. Mas não
há razão para que uma venda deva ser seguida necessariamente
por uma outra compra. Tendo vendido a mercadoria o vendedor pode decidir
guardar o dinheiro recebido. Existem frequentes condições
nas quais capitalistas decidem fazer precisamente isso, porque a taxa
de lucro é baixa demais para valer a pena um investimento.
A fonte das crises é, portanto, em última instância
o caráter não planejado da produção capitalista,
onde "um balanço é ele mesmo um acidente devido à
natureza espontânea de sua produção", como
afirma Marx. Entretanto, isso apenas mostra que as crises são
possíveis. Para entender porque elas acontecem de fato temos
que adentrar mais na natureza do processo de acumulação.
A explicação de Marx às crises econômicas
está baseada no que ele chamou de tendência à queda
da taxa de lucro, "em todos os aspectos a mais importante lei da
moderna economia política, e a mais essencial para entender as
mais difíceis relações", escreveu Marx(G).
A taxa de lucro tem uma tendência geral à queda sob o capitalismo,
diz Marx. Não apenas em áreas específicas da economia,
nem apenas em períodos particulares, mas em geral, e a razão
disso, segundo ele, é o contínuo crescimento da produtividade
do trabalho. Para usar suas próprias palavras: "A tendência
progressiva à queda da taxa de lucro é apenas uma expressão,
peculiar ao modo de produção capitalista, do desenvolvimento
progressivo da produtividade social do trabalho." (C3).
Quanto mais alta a produtividade do trabalho, mais maquinário
e matérias-primas sob a responsabilidade de um trabalhador individual.
Em outras palavras, a quantidade de capital constante investido no prédio,
equipamento e matérias-primas cresce em relação
ao capital variável usado para pagar os salários dos trabalhadores.
Em termos de valor, isso significa que a composição orgânica
do capital é mais elevada. E nós já vimos que pelo
fato de a força de trabalho ser a fonte de mais-valia, quanto
mais elevada a composição orgânica de capital, menor
a taxa de lucro. Assim, enquanto a produtividade do trabalho aumenta,
a taxa de lucro cai.
Mas se é assim, então porque os capitalistas buscam sempre
uma maior produtividade? A resposta é que, a curto prazo, ele
se beneficia agindo assim, e a longo prazo ele é forçado
a agir assim pela concorrência.
Relembremos que o valor individual de uma mercadoria, o trabalho real
corporificado nela, pode diferir do valor de mercado, o qual é
determinado pelas condições médias de produção
naquela indústria. Agora tomemos o caso de um capitalista individual
que utiliza essas condições médias de produção.
Suponhamos que ele introduza uma nova técnica, o que aumenta
a produtividade de seus trabalhadores acima da média. O valor
individual de suas mercadorias ficará abaixo do valor social
ou de mercado, porque elas foram produzidas mais eficientemente do que
é normal naquele setor. O capitalista pode agora fixar os seus
preços a um nível mais baixo do que o valor social, obrigando
os rivais a baixarem os seus preços, mais ainda num valor mais
alto que os seus valores individuais, realizando assim um lucro extra.
Mas essa situação não permanecerá indefinidamente.
Outros capitalistas adotarão a nova técnica tentando impedir
que sejam passados para trás. Uma vez que essa inovação
se torne a norma na indústria, o valor social de seus produtos
cairá para emparelhar o valor individual das mercadorias, acabando
com a vantagem do capitalista inovador.
Através da pressão da concorrência os capitais,
portanto, são impelidos a adotar novas técnicas e aumentar
a produtividade do trabalho. "A lei da determinação
do valor pelo tempo de trabalho" atua assim "como lei coercitiva
da concorrência", escreve Marx. (C1) Para o capitalista individual,
a "determinação do valor como tal (...) interessa-lhe
somente à medida em que ela aumenta ou abaixa o custo de produção
das suas mercadorias, portanto somente à medida em que ela torna
a sua posição excepcional". (C3) Cada capitalista
está preocupado em aumentar a produtividade do trabalho somente
como um meio de superar seus concorrentes. O efeito é forçar
todos os "muitos capitais" a se conformarem à lei do
valor, e a aumentarem constantemente a produtividade do trabalho.
Entretanto, o resultado de todas essas ações dos capitalistas
visando aumentar a quantidade de mais-valia e superar seus concorrentes
é trazer para baixo a taxa geral de lucro:
"nenhum capitalista jamais introduz voluntariamente um novo método
de produção, não importa o quão produtivo
ele possa ser e o quanto ele possa aumentar a taxa de mais-valia, supondo
que ele reduz a taxa de lucro. Contudo cada novo método de produção
barateia as mercadorias. Portanto o capitalista vende-as originalmente
por um valor maior que os seus preços de produção,
ou, talvez, acima do seu valor. Ele embolsa a diferença entre
seus custos de produção e os preços de mercado
das mesmas mercadorias produzidas com custos de produção
mais elevados. Ele pode fazer isso, (...) porque seu método de
produção está acima da média social. Mas
a concorrência torna-o geral e sujeito à lei geral. Segue-se
uma queda na taxa de lucro - talvez primeiro nessa esfera de produção,
e finalmente atinge um equilíbrio com o resto - o qual ocorre
portanto totalmente independente da vontade do capitalista." (C3)
Essa tendência à queda da taxa de lucro é um reflexo
do fato de que "além de um certo ponto, o desenvolvimento
das forças de produção se torna uma barreira para
o capital; e daí a relação-capital uma barreira
para o desenvolvimento das forças produtivas do trabalho"
(G).
A maior produtividade do trabalho, o que reflete o crescente poder da
humanidade sobre a natureza, toma a forma, no interior das relações
de produção capitalistas, de uma crescente composição
orgânica de capital, e então, de uma taxa de lucro decrescente.
É este processo que subjaz as crises econômicas. "A
crescente incompatibilidade entre o desenvolvimento produtivo da sociedade
e as relações de produção existentes até
então expressa-se em contradições mais amargas,
crises, espasmos". (G)
A taxa decrescente de lucro é, contudo, somente o ponto de partida
da análise de Marx das crises capitalistas. Ele sublinha que
existem "influências contrariantes em funcionamento, que
cruzam e anulam o efeito da lei geral e que lhe dá meramente
a característica de uma tendência", "uma lei
cuja ação absoluta é controlada, retardada, debilitada".
(C3)
De fato, "as mesmas influências que produzem uma tendência
à queda da taxa de lucro, também fazem surgir os contra-efeitos
que dificultam, retardam e paralisam parcialmente essa queda".
(C3)
Por exemplo, a crescente composição orgânica de
capital significa que um número menor de trabalhadores pode produzir
uma certa quantidade de mercadorias. O capitalista pode muito bem reagir
com a demissão dos trabalhadores excedentes - isso pode ter sido
mesmo o seu objetivo ao introduzir a nova técnica de produção.
O resultado é que a acumulação de capital implica
na constante expulsão de trabalhadores da produção.
Está criada o que Marx chama de "superpopulação
relativa". Não é, como Malthus e seus seguidores
postulavam, que existem mais pessoas do que alimentos para mantê-los
vivos. Ao invés disso, existem mais pessoas do que o capitalismo
necessita, e então esse excedente é privado dos salários
de que os trabalhadores dependem para a sua existência.
Consequentemente a economia capitalista gera um "exército
industrial de reserva" de trabalhadores desempregados, o que cumpre
um papel crucial no processo de acumulação. Os desempregados
não proporcionam somente uma reserva de trabalhadores que podem
ser lançados a novos ramos ou células de produção.
Eles também ajudam a impedir que os salários aumentem
demais.
A força de trabalho, como qualquer mercadoria, tem um valor -
o tempo de trabalho envolvido em sua produção, e um preço
- a quantidade de dinheiro pago por ela. O preço da força
de trabalho é o salário, e como todos os preços
de mercado os salários flutuam em resposta aos aumentos e quedas
na oferta e na demanda de força de trabalho. A existência
do exército industrial de reserva mantém a oferta da força
de trabalho o suficiente para impedir que o preço da força
de trabalho aumente acima do seu valor. Escreve Marx: "Os movimentos
gerais dos salários são exclusivamente regulados pela
expansão e contração do exército industrial
de reserva". (C1)
Isso não quer dizer que Marx acreditava na "lei de ferro
dos salários", de acordo com a qual os salários não
podem aumentar acima do mínimo fisicamente necessário
para a subsistência. Como ele assinalou na Crítica do Programa
de Gotha, essa pretensa "lei" é baseada na teoria populacional
de Malthus, e é portanto totalmente falsa. O capitalismo, como
vimos, envolve constantes aumentos na produtividade do trabalho. Isso
leva a uma constante redução no valor das mercadorias
incluindo a força de trabalho. O valor decrescente de bens de
consumo significa que o poder de compra dos salários dos trabalhadores
pode permanecer o mesmo ou até aumentar, embora o valor da força
de trabalho tenha caído. Assim, em termos absolutos, as condições
de vida dos trabalhadores podem melhorar. Em termos relativos porém,
a sua posição tem se deteriorado, porque a taxa de mais-valia
aumentou, e assim a sua parte do valor total criado por eles caiu.
A existência de um exército industrial de reserva fortalece
a posição do capitalista, e torna-lhe mais fácil
aumentar a taxa de mais-valia. Se a quantidade total de capital permanece
a mesma, então a taxa de lucro aumentará. Assim, uma maior
intensidade de exploração é uma influência
contrariante à queda na taxa de lucro.
Contudo, aumentar a taxa de exploração é uma faca
de dois gumes. Se isso é conseguido através do aumento
da produtividade do trabalho, então crescerá a composição
orgânica de capital, e uma taxa de mais-valia mais elevada significará
neste caso uma taxa de lucro mais baixa. Marx acreditava que uma tal
situação era típica da tendência da taxa
de lucro. Ele rejeitava qualquer tentativa de explicar as crises econômicas
a partir dos aumentos salariais conquistados pelos trabalhadores:
"A tendência à queda da taxa de lucro está
estritamente ligada a uma tendência ao aumento da taxa de mais-valia
(...) Nada é mais absurdo, por essa razão, do que explicar
a queda da taxa de lucro por um aumento da taxa de salários,
embora isso possa ser o caso de alguma exceção (...) A
taxa de lucro não cai porque o trabalho se torna menos produtivo,
mas porque se torna mais produtivo. Tanto o aumento na taxa de mais-valia
como a queda na taxa de lucro não são senão formas
específicas através das quais a crescente produtividade
do trabalho é expressa no capitalismo." (C3)
O mesmo é verdadeiro, argumentou Marx para uma outra contratendência,
o barateamento dos elementos do capital constante. Uma produtividade
crescente no Departamento I, a produção dos meios de produção,
significa que o valor do edifício, maquinário e dos elementos
que formam o capital constante, cai:
"Com o crescimento na proporção do capital constante
ao capital variável, cresce também a produtividade do
trabalho, as forças produtivas trazidas à existência,
com as quais o trabalho social opera. Todavia, como resultado dessa
crescente produtividade do trabalho, uma parte do capital constante
existente é continuamente depreciada em valor, pois seu valor
depende, não do tempo de trabalho que ela custou originalmente,
mas do tempo de trabalho com o qual pode ser reproduzida, e este está
continuamente diminuindo tanto quanto cresce a produtividade do trabalho."
(TMV)
Muitos críticos de Marx (muitos deles marxistas) tem argumentado
que o fato da crescente produtividade do trabalho baratear os elementos
do capital constante significa que a composição orgânica
não aumenta e, por isso a taxa de lucro não cai. Mesmo
se a composição técnica do capital, em outras palavras
a razão física entre meios de produção e
força de trabalho, cresce enormemente, argumentam eles, em termos
de valor essa relação permanece a mesma porque caiu o
custo para produzir os meios de produção. O que eles ignoram
é que o que importa para o capitalista é o retorno que
ele faz sobre seu investimento original. O dinheiro que ele gastou com
a fábrica, equipamentos, etc. terá sido para comprar esses
meios de produção nos seus valores originais, e não
o tempo de trabalho que agora custaria para substituí-los. Ele
deve conseguir um lucro adequado sobre esse investimento, e não
sobre o que poderia custar-lhe agora.
Mas vamos olhar agora para as crises propriamente.
De fato é principalmente através das crises que o valor
do capital constante é equiparado, não ao "tempo
de trabalho que ele custou originalmente" mas com "o tempo
de trabalho com o qual ele possa ser reproduzido". Crises econômicas
podem ser precipitadas por uma variedade de fatores. Por exemplo, uma
crise pode surgir devido a um súbito aumento no preço
de algumas matérias-primas importantes - como o aumento do preço
do petróleo em 1973-74. Frequentemente crises começam
a partir de algum transtorno do sistema financeiro - por exemplo, a
falência de um grande banco, ou um crash na bolsa de valores.
Uma grande parte do volume 3 de O Capital está dedicada a explicar
como o desenvolvimento do sistema de crédito, como resultado
de que mais e mais dinheiro é criado pelos próprios bancos,
cumpre um papel vital tanto em impedir como causar crises. Todavia,
a causa subjacente às crises é sempre a tendência
à queda da taxa de lucro, e as contratendências que ela
traz à tona.
Nós vimos que a natureza da mercadoria é tal que M-D não
leva necessariamente a D-M. O dinheiro ganho pela venda de uma mercadoria
pode ser acumulado ao invés de ser usado para comprar uma outra
mercadoria. Isso ocorre numa escala massiva durante crises econômicas.
Vastos números de mercadorias não são vendidos.
Isso distingue o capitalismo dos modos de produção anteriores.
Nas sociedades escravista e feudal as crises eram de subprodução,
de escassez, nas quais não havia o suficiente para alimentar
todo mundo. As crises capitalistas, entretanto, são de superprodução.
Isso não quer dizer, enfatiza Marx, "que o montante de produtos
é excessivo em relação às sua necessidade
(...) Os limites à produção são postos pelo
lucro dos capitalistas e de nenhum modo pela necessidade dos produtores".
(TMV) Mercadorias demais foram produzidas para proporcionar um lucro
adequado ao capitalista. Se quisermos um exemplo, não precisamos
ir muito longe. Basta olharmos as montanhas de manteiga e os lagos de
vinho para manter elevados os preços de bens agrícolas,
enquanto mais de 700.000.000 de pessoas passam fome no terceiro mundo.
Ao mesmo tempo em que as crises são produzidas pelas contradições
internas da acumulação de capital, elas são "sempre
soluções momentâneas e forçosas* das contradições
existentes" (C3) Isso ocorre através do que Marx chamou
de depreciação ou desvalorização de capital.
O colapso de mercados força muitos capitais a fecharem. Efetivamente
grandes quantidades de capitais são destruídas.
A destruição de capital é, algumas vezes, literal
- máquinas enferrujam, estoques de bens apodrecem ou são
destruídos. Mas os preços em queda também destroem
uma grande parte do valor dos meios de produção. "A
destruição de capital através das crises significa
a depreciação de valores, a qual impede-os de renovar
seu processo de reprodução como capital na mesma escala".
(TMV) É desse modo, através das crises econômicas
que o valor do capital constante é equiparado, não com
o tempo de trabalho originalmente gasto para produzi-lo, mas com o que
agora custaria para reproduzi-lo. Dessa maneira, a composição
orgânica de capital é reduzida, e a taxa de lucro se recupera.
Assim a crise serve para restaurar o capital a uma condição
na qual ele pode ser empregado lucrativamente:
"A depreciação periódica de capital existente
- um dos meios imanentes à produção capitalista
para controlar a queda da taxa de lucro e acelerar a acumulação
de valor-capital através da formação de novo capital
- perturba [ou desorganiza] as condições dentro das quais
ocorre o processo de circulação e reprodução
de capital e é, portanto, acompanhada por paralisações
e crises no processo de produção." (C3)
Existem outros modos pelos quais as crises servem para contrabalançar
a tendência à queda da taxa de lucro. Marx escreve que
as "crises são sempre preparadas por (...) um período
no qual os salários sobem em geral e a classe trabalhadora consegue
uma porção maior daquela parte do produto anual que está
destinado par o consumo" (C2)
Isso reflete o fato de que no pico dos crescimentos econômicos
muitas mercadorias se tornam escassas porque elas são muito solicitadas
por muitos capitais ansiosos por obter a maior porção
possível do mercado. Isso é verdade também com
a força de trabalho: tanto quanto o crescimento econômico
se acelera diminui o exército industrial de reserva, e os trabalhadores,
especialmente os qualificados, se tornam escassos. Isso leva a uma melhor
posição de barganha dos trabalhadores permitindo-lhes
um aumento no preço da força de trabalho, ocasionando
um aumento na taxa de salários. Uma recessão econômica,
ao forçar o desemprego, facilita aos capitalistas baixarem os
salários, e impedir aqueles trabalhadores ainda empregados a
aceitarem piores condições de produção.
Assim, as crises são períodos em que o sistema capitalista
é reorganizado e reformulado para restaurar a taxa de lucro a
um nível no qual ocorrerão investimentos. Nem todos os
capitalistas se beneficiam igualmente deste processo. As empresas mais
débeis e menos eficientes e aquelas com um maquinário
muito ultrapassado serão levadas à falência. Os
capitais mais fortes e mais eficientes sobreviverão, e emergirão
da recessão mais fortes. Eles são capazes de comprar terras
e instrumentos de produção a melhores preços, e
a forçar modificações trabalhistas no processo
de trabalho que aumentarão a taxa de mais-valia.
As crises, portanto, contribuem para o processo que Marx denominou centralização
e concentração de capital. A concentração
ocorre quando capitais crescem em tamanho através da acumulação
de mais-valia. A centralização, por outro lado, é
resultado da absorção de capitais menores por capitais
maiores. O próprio processo de concorrência favorece essa
tendência, porque as empresas mais eficientes são capazes
de sobrepassar os seus rivais e depois tomá-los. Mas as recessões
econômicas aceleram o processo possibilitando aos capitais sobreviventes
comprarem meios de produção baratos. Um aumento constante
no tamanho de capitais individuais é, portanto, uma parte inevitável
do processo de acumulação "o curso de vida característico
da indústria moderna", segundo Marx, toma a forma de um
ciclo, "interrompido por oscilações menores, de vitalidade
média, produção a todo vapor, crise e estagnação"
(C1, T2, 192). A alternação de crescimento e recessão
é uma característica essencial da economia capitalista.
Como afirmou Trotsky, "o capitalismo vive de crises e booms, assim
como os seres humanos vivem de inspiração e expiração
(...) As crises e booms são inerentes ao capitalismo desde o
seu nascimento e o acompanharão até o seu túmulo."
A análise da maneira como as crises surgem no interior do processo
de acumulação de capital, a qual Marx desenvolve em O
Capital, é conduzida a um nível de abstração
bastante elevado. Ela precisa ser elaborada, como nós veremos
no capítulo final, a partir de uma abordagem de como, com o desenvolvimento
posterior do sistema, a centralização e a concentração
de capital torna mais difícil para as crises cumprirem o seu
papel de restaurar as condições de acumulação
lucrativa. Todavia, O Capital fornece a base fundamental para qualquer
tentativa de entender a economia capitalista.
Conclusão
O modo de produção capitalista ilustra a tese geral de
Marx de que a realidade é dialética, que ela contém
contradições dentro de si. Pois, de um lado a mudança
tecnológica, a introdução de novos métodos
de produção, é parte da existência mesma
do capitalismo. A pressão da concorrência força
os capitalistas a inovarem constantemente, e desse modo a ampliar as
forças de produção. Por um outro lado, o desenvolvimento
das forças produtivas no capitalismo leva inevitavelmente a crises.
Como Marx colocou em O Manifesto Comunista:
"A burguesia só pode existir com a condição
de revolucionar incessantemente os instrumentos de produção,
por conseguinte, as relações de produção
e, com isso, todas as relações sociais. A conservação
inalterada do antigo modo de produção, constituía,
pelo contrário, a primeira condição de existência
de todas as classes industriais anteriores. Essa subversão contínua
da produção, esse abalo constante de todo o sistema social,
essa agitação permanente e toda essa falta de segurança
distinguem a época burguesa de todas as precedentes."
A diferença entre o capitalismo e os seus precursores surge das
relações de produção:
"É claro, entretanto, que se numa formação
sócio-econômica predomina não o valor de troca,
mas o valor de uso do produto, o mais-trabalho é limitado por
um círculo mais estreito ou mais amplo de necessidades, ao passo
que não se origina nenhuma necessidade ilimitada por mais-trabalho
do próprio caráter da produção". (C1,
190)
O senhor feudal por exemplo se satisfazia tanto quanto ele recebia suficiente
renda de seus camponeses para sustentar a ele próprio, sua família
e seus empregados, dentro do estilo ao qual estavam acostumados. O capitalista,
entretanto, tem um "apetite voraz", uma "fome de lobisomem
por mais-trabalho", que brota das necessidades de se igualar aos
aperfeiçoamentos técnicos de seus concorrentes, ou ir
à falência.
Marx foi um firme defensor do que ele chamou de "a grande influência
civilizatória do capital" (G) contra aqueles que, tais como
os românticos olhavam nostalgicamente para as sociedades pré-capitalistas
. Ele elogiou Ricardo por "ter seus olhos unicamente para o desenvolvimento
das forças produtivas" (C3). "Afirmar, como fizeram
oponentes sentimentais de Ricardo, que a produção como
tal não é o objeto, é esquecer que a produção
por seu próprio fim não é nada senão o desenvolvimento
das forças produtivas humanas, em outras palavras, o desenvolvimento
da riqueza da natureza humana como um fim em si". (TMV)
Assim, o capitalismo foi historicamente progressivo. Ele conduz para
além das barreiras nacionais e preconceitos (...), assim como
de todas as tradicionais, confinadas, complacentes e incrustadas satisfações
das necessidades humanas, e reproduções de velhos modos
de vida. Ele é destrutivo para tudo isso, e constantemente o
revoluciona, rompendo todas as barreiras que obstruem o desenvolvimento
das forças produtivas, a expansão das necessidades, o
desenvolvimento multi-polar da produção e a exploração
e a troca de forças naturais e mentais." (G)
Ao mesmo tempo, porém a tendência à queda da taxa
de lucro mostra que o capitalismo não é, como os economistas
políticos acreditaram, a forma mais racional de sociedade, mas
é ao invés disso um modo de produção historicamente
limitado e contraditório, que aprisiona as forças de produção
ao mesmo tempo em que as desenvolve. "A verdadeira barreira da
produção capitalista é o próprio capital",
escreve Marx (C3). "A violenta destruição de capital,
não por relações externas a ele, mas antes como
uma condição de sua auto-preservação, é
a forma mais impressionante na qual está dada a sua partida,
cedendo lugar a um estágio mais elevado de produção
social" (G).
Contrário ao que muitos analistas, entre eles alguns marxistas
tem dito, Marx não acreditava que o colapso do capitalismo fosse
inevitável. "Crises permanentes não existem"
(TMV), ele insistiu. Como vimos, as crises são sempre soluções
momentâneas e forçosas das contradições existentes.
Não existe crise econômica tão profunda da qual
o capitalismo não possa recuperar-se, uma vez garantido que a
classe trabalhadora pague o preço do desemprego, deterioração
dos padrões de vida e das condições de trabalho.
Se uma crise irá levar a "um estágio mais elevado
de produção social" dependerá da consciência
e da ação da classe trabalhadora.
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