InicialAtividadesNotícias / Interesites
Campanhas
ParticipeContato

Sociologia Geral
Prof. José Soares

Introdução ao Capital de Karl Marx

Alex Callinicos

"O Capital" foi a suprema conquista de Marx, o centro da obra de sua vida. Seu objeto era, como Marx colocou no Prefácio ao Volume I, "revelar a lei econômica do movimento da sociedade moderna". Pensadores econômicos anteriores haviam captado um ou outro aspecto do funcionamento do capitalismo. Marx procurou entendê-lo como um todo. Coerente com o método de análise e concepção de história (discutidos nos dois capítulos anteriores), Marx analisou o capitalismo não como o fim da história, como a forma de sociedade correspondente à natureza humana, mas como um modo de produção historicamente transitório cujas contradições internas o levariam à queda.

Pode ser útil para leitores não familiarizados com a "sombria ciência" da economia (como a chamava Thomas Carlyle) esboçar brevemente o objeto deste capítulo. Ele começa com a pedra angular de "O Capital", a teoria do valor-trabalho, segundo a qual as mercadorias - produtos vendidos no mercado - são trocadas em proporção ao tempo de trabalho socialmente necessário para a sua produção. Nós veremos como essa teoria sublinha a abordagem de Marx da exploração capitalista, pois é a mais-valia criada pelos trabalhadores a fonte dos lucros sobre os quais o capitalismo, enquanto um sistema econômico, se apoia. A competição entre capitais - sejam capitalistas individuais, companhias ou mesmo nações - cada um tentando abocanhar a maior porção da mais-valia, leva à formação de uma taxa geral de lucro e, portanto, como veremos, a uma modificação na teoria do valor-trabalho. A concorrência também dá lugar a uma tendência para uma queda na taxa de lucro, que é a causa fundamental das crises que afligem regularmente o sistema capitalista.

Trabalho e Valor

A base de cada sociedade humana é o processo de trabalho, seres humanos cooperando entre si para fazer uso das forças da natureza e, portanto, para satisfazer suas necessidades. O produto do trabalho deve, antes de tudo, responder a algumas necessidades humanas. Deve, em outras palavras, ser útil. Marx chama-o valor de uso. Seu valor se assenta primeiro e principalmente em ser útil para alguém.

A necessidade satisfeita por um valor de uso não precisa ser uma necessidade física. Um livro é um valor de uso, porque pessoas necessitam ler. Igualmente, as necessidades que os valores de uso satisfazem podem ser para alcançar propósitos vis. O fuzil de um assassino ou o cassetete de um policial é um valor de uso tanto quanto uma lata de ervilhas ou o bisturi de um cirurgião.
Sob o capitalismo, todavia, os produtos do trabalho tomam a forma de mercadorias. Uma mercadoria, como assinala Adam Smith, não tem simplesmente um valor de uso. Mercadorias são feitas, não para serem consumidas diretamente, mas para serem vendidas no mercado. São produzidas para serem trocadas. Desse modo cada mercadoria tem um valor de troca, "a relação quantitativa, a proporção na qual valores de uso de um tipo são trocados por valores de uso de um outro tipo". (O Capital vol. .1, doravante C1 ) Assim, o valor de troca de uma camisa poderá ser uma centena de lata de ervilhas.

Valores de uso e valores de troca são muito diferentes uns dos outros. Para tomar um exemplo de Adam Smith, o ar é algo de um valor de uso quase infinito aos seres humanos, já que sem ele nós morreríamos, mas que não possui um valor de troca. Os diamantes, por outro lado, são de muito pouca utilidade, mas tem um valor de troca muito elevado.
Mais ainda, um valor de uso tem que satisfazer algumas necessidades humanas específicas. Se você tem fome, um livro não poderá satisfazê-lo. Em contraste, o valor de troca de uma mercadoria é simplesmente o montante pelo qual será trocado por outras mercadorias. Os valores de troca refletem mais o que as mercadorias têm em comum entre si, do que suas qualidades específicas. Um pão pode ser trocado por um abridor de latas, seja diretamente ou por meio de dinheiro, mesmo que suas utilidades sejam muito diferentes. O que é isso que eles têm em comum, que permite a ocorrência dessa troca?

A resposta de Marx é que todas as mercadorias tem um valor, do qual o valor de troca é simplesmente o seu reflexo. Esse valor representa o custo de produção de uma mercadoria à sociedade. Pelo fato de que a força de trabalho é a força motriz da produção, esse custo só pode ser medido pela quantidade de trabalho que foi devotada à mercadoria.

Mas por trabalho Marx não se refere ao tipo particular de trabalho envolvido em, digamos, assar um pão ou manufaturar um abridor de latas. Esse trabalho real, concreto, como disse Marx, é variado e complexo demais para nos fornecer a medida de valor que necessitamos. Para encontrar essa medida nós devemos abstrair o trabalho de sua forma concreta. Marx escreve: "Portanto, um valor de uso ou um bem possui valor, apenas, porque nele está objetivado ou materializado trabalho humano abstrato". (C1, p 47)
Assim, o trabalho tem um "caráter dual":
"Todo trabalho é, por um lado, dispêndio de força de trabalho do homem no sentido fisiológico, e nessa qualidade de trabalho humano igual ou trabalho humano abstrato gera o valor da mercadoria. Todo trabalho é, por outro lado, dispêndio de força de trabalho do homem sob forma especificamente adequada a um fim, e nessa qualidade de trabalho humano concreto útil produz valores de uso." (Cl, p. 53)

Marx descreveu esse caráter dual do trabalho como um dos "melhores pontos em meu livro" (Correspondência Seleta). Foi aqui que a teoria de Marx separou-se das teorias de Ricardo e dos economistas políticos. Marx criticou Ricardo por se concentrar quase que exclusivamente na tentativa de achar uma fórmula precisa para determinar o valor de troca das mercadorias. Eles queriam, é claro, encontrar modos de prever os preços de mercado.
"O erro de Ricardo é que ele está interessado somente na magnitude do valor... O que Ricardo não investiga é a forma específica na qual o trabalho se manifesta como o elemento comum nas mercadorias", escreveu Marx. (Teorias da Mais-Valia (doravante TMV), tomo III)

Marx não estava interessado especificamente em preços de mercado. Sua meta era entender o capitalismo como uma forma de sociedade historicamente específica, descobrir o que faz o capitalismo diferente das formas anteriores de sociedade, e que contradições levariam à sua futura transformação. Marx não queria saber em que medida o trabalho formava o valor de troca das mercadorias, mas em que forma o trabalho realizava essa função e por quê sob o capitalismo a produção era de mercadorias para o mercado e não de produtos para uso direto como nas sociedades anteriores.

O caráter dual do trabalho é crucial para responder esta questão, porque o trabalho é uma atividade social e cooperativa. Isto é verdade não apenas no que toca a tipos particulares de trabalho, mas para a sociedade como um todo. O trabalho de cada indivíduo ou grupo de indivíduos é trabalho social no sentido de que ele contribui para as necessidades da sociedade. Essas necessidades exigem todo o tipo de diferentes produtos - não só vários tipos de alimentos, mas também vestuário, meios de transporte, instrumentos necessários na produção e assim por diante. Isto quer dizer que é necessário que diferentes tipos de trabalho útil sejam levados a cabo. Se cada um produzisse somente um tipo de produto então logo a sociedade entraria em colapso.
Cada sociedade, portanto, necessita de alguns meios para distribuir o trabalho social entre diferentes atividades produtivas. "Essa necessidade da distribuição de trabalho social em proporções definidas não pode possivelmente ser suprimida por uma forma particular de produção social", escreve Marx (Selected Correspondence, doravante SC). Mas há uma diferença fundamental entre o capitalismo e outros modos de produção. O capitalismo não possui mecanismos através dos quais a sociedade pode decidir coletivamente o quanto de seu trabalho será direcionado a tarefas particulares.

Para entender porque é assim, devemos olhar para os modos de produção pré-capitalistas, onde o objetivo da atividade econômica era primeiramente a produção de valores de uso, e cada comunidade podia satisfazer todas ou a maior parte de suas necessidades a partir do trabalho de seus membros. Assim, na "indústria rural patriarcal de uma família camponesa que produz para seu próprio uso cereais, gado, fio, linho, peças de roupa, etc.(...) diferenças de sexo e de idade e as condições naturais do trabalho que mudam com as estações do ano regulam sua distribuição dentro da família e o tempo de trabalho dos membros individuais da família" (C1, 74)

A distribuição do trabalho é regulada coletivamente mesmo em sociedades pré-capitalistas onde existem exploração e classes. Assim, no feudalismo,"o trabalho e os produtos (...) entram na engrenagem social como serviços e pagamentos in natura. (...) Portanto, como quer que se julguem as máscaras que os homens ao se defrontarem aqui, vestem, as relações sociais entre as pessoas em seus trabalhos aparecem em qualquer caso como suas próprias relações pessoais, e não são disfarçadas em relações sociais das coisas, dos produtos de trabalho" (C1, 74)

No caso do escravismo e do feudalismo, ambos modos de produção baseados na exploração de classe, a massa da produção está voltada inteiramente para satisfazer as necessidades dos produtores e da classe exploradora. A questão principal não é o quê é produzido, mas sim a divisão do produto social entre exploradores e explorados.

No capitalismo as coisas são muito diferentes. O desenvolvimento da divisão de trabalho significa que a produção em cada local de trabalho é agora altamente especializada e separada dos outros locais de trabalho: cada produtor não pode satisfazer suas necessidades a partir de sua própria produção. Um trabalhador numa fábrica de abridores de latas não pode comer abridores de latas. Para viver ele deve vendê-los a outros. Os produtores são, portanto, interdependentes em dois sentidos: eles precisam cada um dos produtos dos outros, mas eles também precisam uns dos outros como compradores de seus produtos para que eles possam obter o dinheiro com o qual compram aquilo que precisam.

Este sistema Marx chama de produção generalizada de mercadoria. Os produtores estão ligados entre si somente pelo intercâmbio de seus produtos:

"Objetos de uso se tornam mercadorias apenas por serem produtos de trabalhos privados, exercidos independentemente uns dos outros. O complexo desses trabalhos privados forma o trabalho social total. Como os produtores somente entram em contato social mediante a troca de seus produtos de trabalho, as características especificamente sociais de seus trabalhos privados só aparecem dentro dessa troca. Em outras palavras, os trabalhos privados só atuam, de fato, como membros do trabalho social total por meio das relações que a troca estabelece entre os produtos do trabalho e, por meio dos mesmos, entre os produtores".(C1,71)
Até aqui, o trabalho social concreto era diretamente trabalho social. Onde a produção era para o uso, para satisfazer algumas necessidades específicas, seu papel social era óbvio. Onde a produção é destinada para a troca, contudo, não há uma conexão necessária entre o trabalho útil realizado por um produtor particular e as necessidades da sociedade. Só podemos descobrir, por exemplo, se os produtos de uma fábrica específica atendem algumas necessidades sociais apenas depois de eles terem sido colocados à venda no mercado. Se ninguém quiser comprar esses bens, então o trabalho que os produziu não era trabalho social.
Há um segundo aspecto no qual há uma diferença entre o trabalho social e privado no capitalismo. Fabricantes de um mesmo produto irão competir pelo mesmo mercado. Seu relativo sucesso dependerá em como possam vender seus produtos por um menor preço. Isso implica em aumentar a produtividade do trabalho: "Genericamente, quanto maior a força produtiva do trabalho, tanto menor o tempo de trabalho exigido na produção de um artigo, tanto menor a massa de trabalho nele cristalizado, tanto menor o seu valor", escreve Marx (C1, 49).

A pressão da concorrência força os produtores a adotarem métodos de produção similares aos dos seus rivais, ou se vêem forçados a rebaixarem seus preços para poderem competir. Consequentemente o valor das mercadorias é determinado não pela quantidade total de trabalho usada para produzi-las, mas sim pelo tempo de trabalho socialmente necessário, isto é, o tempo de trabalho "requerido para produzir um valor de uso qualquer, nas condições dadas de produção socialmente normais, e com o grau social médio de habilidade e de intensidade de trabalho" (C1, 48). Um produtor ineficiente que usa mais do que o trabalho socialmente necessário para produzir algo achará que o preço que ele obtém pela mercadoria não compensará o seu trabalho extra. Somente o trabalho socialmente necessário é trabalho social.

Trabalho social abstrato é assim não apenas um conceito, algo que existe somente nas nossas mentes. Ele domina a vida das pessoas. A menos que os produtores sejam capazes de alcançar as "condições normais de produção" eles se verão forçados a sair fora do negócio. Mas isso não é tudo. Nós vimos que o trabalho privado útil somente se torna trabalho social uma vez que seu produto tenha sido vendido. Mas para ocorrer a troca deve haver algum modo de aferir o quanto de trabalho socialmente necessário está contido em cada mercadoria. A sociedade não pode fazer isso coletivamente, porque o capitalismo é um sistema no qual os produtores relacionam-se uns com os outros somente através de seus produtos.

A solução é que uma mercadoria assuma o papel de equivalente universal, em relação ao qual os valores de todas as outras mercadorias possam ser mensuradas. Quando uma mercadoria particular fixa-se no papel de equivalente universal, ela se torna dinheiro. E, escreve Marx, "a representação da mercadoria enquanto dinheiro implica (...) que as diferentes magnitudes de valores-mercadoria (...) estão todas expressas em uma forma na qual existem como a corporificação de trabalho social" (TMV).
Assim o capitalismo é um sistema econômico no qual os produtores individuais não sabem de antemão se os seus produtos atenderão uma necessidade social. Eles podem descobrir somente tentando vender esses produtos como mercadorias no mercado. A concorrência entre produtores que procuram tomar mercados vendendo a preços mais baratos reduz os seus diferentes trabalhos a uma medida, trabalho social abstrato corporificado em dinheiro. Onde a oferta de uma mercadoria excede a sua demanda, seu preço cairá, e os produtores irão mudar para outras atividades econômicas mais lucrativas. É desse modo, e somente indiretamente, que o trabalho social é distribuído entre diferentes ramos de produção.

A análise marxista do valor está, portanto, direcionada ao que faz do capitalismo uma forma de produção social única. O seu foco é "a real estrutura interna das relações burguesas de produção". Seu propósito é mostrar que "como valores, as mercadorias são magnitudes sociais, (...) relações entre homens na sua atividade produtiva (...) Onde o trabalho é comunal as relações entre homens em sua produção social não se manifestam como "valores" de coisas"(TMV).

Assim que O Capital foi publicado, economistas burgueses objetaram que a abordagem do valor feita por Marx no começo do volume I não prova que as mercadorias são realmente trocadas em proporção ao tempo de trabalho socialmente necessário exigido para produzi-las. Eles têm continuado com essa objeção até os dias de hoje. Marx comentou acerca de um desses críticos:
"O desafortunado camarada não vê que, mesmo se não houvesse um capítulo sobre "valor" em meu livro a análise das reais relações que eu dou conteriam a prova e a demonstração da real relação-valor (...)

A ciência consiste precisamente em demonstrar de que maneira a lei do valor se afirma. Assim se alguém quiser "explicar" logo de início todos os fenômenos que aparentemente contradizem a lei, ele deve proporcionar a ciência antes da ciência." (SC)
Todo O Capital é uma prova da teoria do valor-trabalho. Marx considerava que o método científico correto era o de "ascender do abstrato ao concreto". Ele começa por estabelecer a teoria do valor-trabalho na forma bastante abstrata, tal como a consideramos até agora. Mas este é somente o ponto de partida de sua análise. Ele avança passo a passo para mostrar como o comportamento complexo e frequentemente caótico da economia capitalista pode ser entendido a partir da teoria do valor-trabalho, e somente a partir dela.

Mais-valia e Exploração

O modo de produção capitalista envolve, de acordo com Marx, duas grandes separações. A primeira nós já discutimos - a separação das unidades de produção. Em outras palavras, a economia capitalista é um sistema dividido em produtores interdependentes e concorrentes entre si. Do mesmo modo importante é a divisão no interior de cada unidade de produção, entre o proprietário dos meios de produção e os produtores diretos, isto é, entre capital e trabalho assalariado.

Marx assinalou que as mercadorias podem existir sem capitalismo. Dinheiro e comércio são encontrados em sociedades pré-capitalistas. Todavia, a troca de mercadorias em tais sociedades é principalmente um meio de obter valores de uso, as coisas das quais as pessoas necessitam. A circulação de mercadorias em tais circunstâncias toma a forma de M-D-M, onde M é mercadoria e D dinheiro. Cada produtor toma sua mercadoria e vende-a por dinheiro para comprar uma outra mercadoria de outro produtor. O dinheiro é apenas o intermediário na transação.

Onde as relações de produção capitalistas prevalecem, todavia, a circulação de mercadorias toma uma outra forma, mais complexa: D-M-D1. Dinheiro é investido para produzir mercadorias que são, então, trocadas por mais dinheiro.

E mais, o D1, o dinheiro que o capitalista ou investidor consegue após a transação, é maior do que D, o dinheiro investido inicialmente. O dinheiro extra, ou lucro, Marx chamou "mais-valia". De onde vem a mais-valia?

Ricardo havia efetivamente respondido esta questão quando ele afirmou que o valor criado pelo trabalho era dividido entre salários e lucros. O trabalho seria a fonte de mais-valia. Contudo, ele foi incapaz de compreender isso claramente, porque ele entrou numa aparente contradição. Ele definiu os salários como o valor do trabalho. Como poderia ser assim, se os salários eram menos do que o valor total criado pelo trabalho, o qual segundo Ricardo é dividido entre salários e lucros?

Ricardo não confrontou esta questão porque ele tomou como dada a existência de mais-valia. A explicação de Marx acerca da existência de mais-valia baseou-se na análise da relação entre o capital e o trabalho assalariado. O que o trabalhador vende ao capitalista em troca de seu salário não é trabalho, mas força de trabalho, como ele explica:

"O valor de uso que o trabalhador tem para oferecer ao capitalista (...) não está materializado em um produto, não existe de nenhum modo separado dele; existe, portanto (...) somente como potencialidade, como sua capacidade. Torna-se realidade somente quando (...) posto em movimento pelo capital." (Grundrisse, doravante G)

A força de trabalho é uma mercadoria, e como toda mercadoria tem um valor e um valor de uso. Seu valor é determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário envolvido para manter o trabalhador vivo, e para educar as crianças que irão substituí-lo. "O seu valor, como o de qualquer outra mercadoria, estava determinado antes de ela entrar em circulação, pois determinado quantum de trabalho social havia sido gasto para a produção da força de trabalho, mas o seu valor de uso consiste na exteriorização posterior dessa força". (C1, 143)
O valor de uso da força de trabalho é o trabalho, e uma vez que o trabalhador tenha sido empregado, o capitalista coloca-o para trabalhar. Mas o trabalho é a fonte de valor, e além disso, o trabalhador criará durante um dia de trabalho mais valor do que o capitalista paga por seus dias de trabalho. Mas o decisivo [para o capitalista] foi o valor de uso específico desta mercadoria ser fonte de valor, e de mais valor do que ela mesma tem". (C1, 160)

Por exemplo, consideremos que em um dia de trabalho de 8 horas, o trabalho de 4 horas baste para compor o valor total do salário a ser pago pelo patrão pelas 8 horas. As demais 4 horas são embolsadas pelo patrão. Mais-valia, ou lucro, é meramente a forma peculiar de existência do trabalho excedente no modo de produção capitalista.

A importância desta análise da compra e venda da força de trabalho é que permite a Marx traçar as origens da mais-valia à exploração do trabalhador pelo capital. Mais ainda, ela ilumina o fato de que os padrões traçados pelos economistas clássicos não são nem naturais nem inevitáveis, mas relações de produção historicamente específicas.

Marx é capaz de realizar esta análise, ao mesmo tempo em que assume que todas as mercadorias, incluindo a força de trabalho, são vendidas pelo seu valor. Em outras palavras, o capitalista não ganha seus lucros pagando pela força de trabalho menos do que o equivalente ao tempo de trabalho socialmente necessário para reproduzi-la. A exploração não é nada anormal, é um típico resultado do funcionamento regular do modo de produção capitalista. Ela surge da diferença entre o valor criado pela força de trabalho e o valor da própria força de trabalho.

A compra e venda da força de trabalho depende da separação do trabalhador dos meios de produção. Desse modo, o trabalhador é "livre no duplo sentido de que ele dispõe, como pessoa livre, de sua força de trabalho como sua mercadoria, e de que ele, por outro lado, não tem outras mercadorias para vender, solto e solteiro, livre de todas as coisas necessárias à realização de sua força de trabalho". (C1,140) A troca entre capital e trabalho assalariado pressupõe "a distribuição dos elementos da própria produção, os fatores materiais que estão concentrados de um lado, e a força de trabalho isolada, de outro". (C2)

Marx mostra no volume I, parte 8, de O Capital como essa "distribuição" foi o resultado de um processo histórico, no qual o campesinato foi privado de sua terra, e os meios de produção - inicialmente a própria terra - tornou-se monopólio de uma classe cujo objetivo era o lucro.

Marx foi, portanto, capaz de explicar o contraste entre a aparente igualdade política de todos os cidadãos da sociedade capitalista e a desigualdade real da exploração de classe. A troca entre capital e trabalho assalariado é uma troca de equivalentes. A força de trabalho é paga por seu valor - o custo de sua reprodução. Tanto trabalhador e capitalista são proprietários de mercadoria: um da força de trabalho, e outro de dinheiro. A força de trabalho é paga por seu valor - o custo de sua reprodução. Então onde está a exploração?

Tanto quanto permaneçamos no "reino da circulação", o mercado onde todo mundo é proprietário de alguma coisa agindo de acordo com o seu interesse, a exploração é invisível. É somente quando adentramos o "local oculto da produção, em cujo limiar se pode ler: No admittance except on business [não se permite a entrada a não ser a negócio]" (C1, 144) que as coisas mudam. A exploração é possível por causa da propriedade peculiar da mercadoria vendida pelo trabalhador, notadamente do fato de que seu valor de uso é o trabalho, a fonte de valor e de mais-valia. E é na produção que a força de trabalho é posta em movimento.
Mas antes de olharmos o processo de produção no capitalismo, necessitamos precisar o que é capital.

Da maneira mais simples, o capital é uma acumulação de valor que atua para criar e acumular mais valor. Bem antes do capitalismo, homens ricos acumularam riqueza pela expropriação de trabalho excedente de escravos e servos. Mas essa riqueza era usada para consumo, sendo que eles podiam ter uma maior porção das necessidades e luxúrias da vida. Essa riqueza não era capital, embora venha de uma fonte comum - trabalho excedente.

O primeiro indício de que uma acumulação de riqueza começou a agir como capital é a fórmula D-M-D1, a qual nos referimos antes. A fórmula denota uma transação na qual dinheiro (D) é trocado por mercadorias (M) as quais são então revendidas por uma soma maior de dinheiro (D1). No início tais transações eram feitas por comerciantes que, por exemplo importavam especiarias do Oriente e as revendiam no norte da Europa, onde a demanda por especiarias para preservar a carne garantia preços mais elevados. Mas o capital propriamente dito somente vem à existência quando a mercadoria comprada e vendida é a força de trabalho, pois esse trabalho assalariado é o que define as relações de produção particulares ao capitalismo.

Capital, portanto, é definido por duas coisas: o que ele é e como atua. Ele é uma acumulação de mais-valia produzida pelo trabalho, e essa acumulação pode tomar a forma de dinheiro, mercadoria ou meios de produção - e usualmente uma combinação dos três. Ele atua para assegurar acumulação posterior. Marx descreveu isso como "a auto-expansão de valor".

Capital não é necessariamente identificado com capitalistas individuais. No desenvolvimento inicial do capitalismo, indivíduos ricos jogaram um papel importante, mas isso está longe de ser o caso nos dias de hoje. De fato está na natureza do capitalismo que o capital assuma vida própria, operando de acordo com uma lógica econômica que transcende quaisquer indivíduos. Unidades individuais de capital as quais são usualmente chamadas de "capitais", podem ser desde uma pequena companhia a uma grande corporação, uma instituição financeira a um Estado-nação.

Para compreender a natureza peculiar do processo de produção capitalista, Marx formulou uma série de novos conceitos. Nós vimos no capítulo anterior que existem dois principais elementos em qualquer processo de trabalho - força de trabalho e os meios de produção. Sob o modo de produção capitalista ambos os elementos tomam a forma de capital. O capitalista tem que investir dinheiro para comprar tanto a força de trabalho quanto os meios de produção antes de poder aumentar seu investimento inicial. O dinheiro para comprar a força de trabalho Marx chamou-o Capital Variável; e o dinheiro investido para obter o prédio, equipamentos, matérias-primas e outros meios de produção ele chamou Capital Constante.

A razão para esses nomes deve ser óbvia à luz da teoria do valor-trabalho. O capital variável, porque é investido a força de trabalho, a mercadoria que é a fonte de valor, expande em valor. O capital constante não. A produção capitalista envolve tanto trabalho vivo - o trabalho do operário que substitui o valor da força de trabalho e ao mesmo tempo cria mais-valia - e trabalho morto acumulado nos meios de produção. Esse trabalho morto é o trabalho acumulado pelos trabalhadores que fabricaram os meios de produção em primeiro lugar. Como a maquinaria deteriora-se gradualmente através de seu uso para produzir novas mercadorias, o seu valor é transferido para essas mercadorias.

A taxa de mais-valia foi o nome dado por Marx para a razão entre a mais-valia e o capital variável, o capital investido na força de trabalho. Ela mede a taxa de exploração, em outras palavras o grau em que o capitalista foi bem sucedido em extrair mais-valia do trabalhador. Para nos valermos de um exemplo anterior: Se o trabalho necessário é de 4 horas, e o trabalho excedente 4 horas, então a taxa de mais-valia é 4/4, ou 100%.

Existem dois modos, segundo Marx, pelos quais os capitalistas podem aumentar a taxa de mais-valia, um comum a todos os modos de produção, o outro específico do capitalismo. Esses modos correspondem respectivamente à produção de mais-valia absoluta e mais-valia relativa. A mais-valia absoluta é criada pelo aumento da jornada de trabalho. Assim, se os trabalhadores gastam 10 horas ao invés de 8 horas no trabalho, quando o trabalho necessário é ainda somente 4 horas, então mais 2 horas de trabalho são adicionadas. A taxa de mais-valia aumentou de 4/4 para 6/4, ou de 100% para 150%.

Algumas das páginas mais brilhantes de O Capital são aquelas nas quais Marx descreve como, especialmente nas fases iniciais da revolução industrial os capitalistas procuraram estender a jornada de trabalho tanto quanto possível, forçando até mesmo meninos de nove anos a trabalharem três turnos de doze horas nas terríveis condições das fundições de ferro. "O Capital", ele escreve, "é trabalho morto, que apenas se reanima, à maneira dos vampiros, chupando o trabalho vivo e que vive quanto mais trabalho vivo chupa". (C1, 189)


Existem todavia limites objetivos para aumento da jornada de trabalho. Se aumentada demais produz "não apenas a atrofia da força de trabalho, a qual é roubada de suas condições normais, morais e físicas, de desenvolvimento e atividade", como também "produz a exaustão prematura e o aniquilamento da própria força de trabalho" (C1, 212). O capital que depende da força de trabalho como fonte de valor, atua assim contra seus próprios interesses. Ao mesmo tempo, o impiedoso aumento da jornada engendra a resistência organizada de suas vítimas. Marx relata o papel cumprido pela ação coletiva dos trabalhadores para forçarem os capitalistas britânicos a aceitar o "Factory Acts" (leis fabris limitando as horas de trabalho). "E assim a regulamentação da jornada de trabalho apresenta-se na história da produção capitalista como uma luta ao redor dos limites da jornada de trabalho - uma luta entre o capitalista coletivo, isto é, a classe dos capitalistas, e o trabalhador coletivo, ou a classe trabalhadora". (C1, 190)

O capital pode, entretanto, aumentar a taxa de mais-valia também pela produção de mais-valia relativa. Um aumento na produtividade do trabalho levará a uma queda no valor das mercadorias produzidas. Se alguma melhoria técnica nas condições de produção barateia os bens de consumo que os trabalhadores compram com seus salários, então o valor da força de trabalho também cai. Menos trabalho social será necessário para reproduzir a força de trabalho, e a porção da jornada de trabalho dedicada ao trabalho necessário cairá, deixando mais tempo gasto criando mais-valia.

Digamos que uma maior produtividade em indústrias de consumo leve à queda pela metade do valor dos bens de consumo. Para retornarmos ao nosso exemplo, o trabalho necessário tomará agora apenas 2 horas de trabalho do total de 8 horas. Assim a taxa de mais-valia é agora 6/2. Ela aumentou de 100 para 300%.

Marx afirma que embora tanto a mais-valia absoluta como a relativa sejam encontradas em todas as fases do desenvolvimento capitalista, tende a haver uma mudança histórica em suas importâncias. Quando as relações de produção capitalistas foram introduzidas inicialmente, o foram sobre a base de métodos de produção herdados das indústrias artesanais da sociedade feudal. Esses métodos artesanais não são, de início alterados fundamentalmente: os trabalhadores são simplesmente agrupados em maiores unidades de produção e sujeitos a uma mais complexa divisão de trabalho. Novas relações de produção são enxertadas a um velho processo de trabalho:

"Dado o modo de trabalho preexistente (...) a mais-valia só pode ser criada pela ampliação do dia de trabalho, isto é, aumentando a mais-valia absoluta." (C1)

Em um modo de produção como o feudalismo, onde nem o explorador nem o explorado tem necessariamente um interesse forte em expandir as forças produtivas, mais trabalho excedente só pode ser extraído dos produtores diretos fazendo-os trabalharem mais horas. O capitalismo, contudo, introduz um novo método de aumentar a taxa de exploração, conseguindo que os trabalhadores trabalhem mais eficientemente.

"Com a produção de mais-valia relativa toda forma de produção é alterada e vem à existência uma forma de produção especificamente capitalista". (C1) O que Marx chama de manufatura, baseada sobre "a ampla base do artesanato urbano e da indústria doméstica rural" (C1,288) é suplantada pela moderna indústria de larga escala ou maquinofatura", na qual a produção é organizada em torno de sistemas de máquinas e o processo de trabalho é constantemente alterado à luz de inovações tecnológicas. "Agora surge um modo de produção específico tecnologicamente - produção capitalista - que transforma o processo de trabalho e suas condições existentes." (C1)

A mais importante consequência é que o processo de trabalho torna-se crescentemente socializado. A produção ocorre agora em amplas unidades organizadas em torno de máquinas, e envolvendo uma divisão de trabalho altamente complexa. "A verdadeira alavanca do processo de trabalho global é cada vez mais não o trabalhador individual, mas a força de trabalho socialmente combinada. (C1) O capitalismo portanto cria o que Marx chama de "trabalhador coletivo", do qual os indivíduos são membros agrupados pelo esforço conjunto de produzir mercadorias.

Marx enfatiza que o propósito das constantes transformações do processo de trabalho no capitalismo é de aumentar a taxa de exploração através da produção de mais-valia relativa: "igual a qualquer outro desenvolvimento da força produtiva do trabalho, ela [a maquinaria] se destina a baratear mercadorias e encurtar a parte da jornada de trabalho que o trabalhador precisa para si mesmo. A fim de alargar a outra parte da sua jornada de trabalho ela dá de graça para o capitalista. Ela [a maquinaria] é meio de produção de mais-valia". (C1, Tomo2, 5)

Isto ajuda a esclarecer o que nós vimos no último capítulo, que as força produtivas se desenvolvem até onde as relações de produção predominantes permitem. A peculiaridade do capitalismo é que essas relações exigem contínuos aperfeiçoamentos na produtividade do trabalho.

Concorrência, preços e lucros

A análise de Marx do processo de produção capitalista feita no primeiro volume de O Capital é feita num nível de abstração bastante elevado. Mais importante é o fato de que ele presume que as mercadorias são trocadas pelos seus valores, isto é, em proporção ao tempo de trabalho socialmente necessário para sua produção. Em particular, ele exclui os efeitos da concorrência e das flutuações na oferta e procura das mercadorias.

Este procedimento era justificado porque Marx tinha como objetivo compreender as características essenciais da economia capitalista, e buscar as suas fontes na extração de mais-valia dos trabalhadores no processo de produção. O objeto de Marx ao analisar o processo capitalista de produção era o que ele chamou "capital em geral como distinto dos capitais particulares". Isso, ele reconheceu, era uma abstração, não uma abstração arbitrária mas uma abstração que apanha as características específicas que distinguem o capital de todas as outras formas de riqueza - ou modos pelos quais a produção social se desenvolve. Esses são os aspectos comuns a cada capital enquanto tal, ou que transformam cada soma específica de valores em capital". (G)

Os aspectos comuns "a cada capital enquanto" tal desmoronam diante do fato de que o capital é a auto-expansão de valor, que surge da exploração do trabalhador na produção. Portanto, o que distingue o capital dos outros "modos pelos quais a produção social se desenvolve" é a mais-valia enquanto "a forma econômica específica na qual trabalho excedente não pago é extraído dos produtores diretos". (C3) A análise do "capital em geral" está voltada para desvelar a base das relações capitalistas de produção.
Há, porém, um outro estágio na análise do capitalismo feita por Marx. Vimos que este modo de produção envolve duas separações: uma entre a força de trabalho e os meios de produção, a qual subjaz à troca entre trabalho assalariado e capital e assim torna possível a extração de mais-valia; a outra entre as unidades de produção, que surgem do fato de que não há , no capitalismo, um modo coletivo para distribuir o trabalho social entre diferentes atividades, e por isso produtores individuais relacionam-se uns com os outros através da troca de seus produtos.

É um traço essencial do capitalismo que nenhum produtor único controla a economia. "O capital existe e só pode existir como muitos capitais", escreve Marx. (G)

A esfera dos "muitos capitais" é a da concorrência. Capitais individuais lutam entre si por mercados, procurando ganhar o controle de setores particulares. O comportamento desses capitais só pode ser entendido à luz da análise feita por Marx do "capital em geral" e especialmente do processo de produção. O que os torna capitais é a auto-expansão de valor na produção. Mas em um sentido muito importante a análise de Marx sobre a concorrência completa a do processo de produção. Para apreciar este ponto plenamente, devemos primeiro dar uma olhada nos três volumes de O Capital. O volume 1, como vimos, trata da análise do processo de produção. Mas porque o capitalismo é um sistema de produção generalizada de mercadorias, o capitalista realmente obterá a mais-valia que ele extraiu do trabalhador somente se ele consegue vender as mercadorias que corporificam esse valor. O que Marx chama de a realização do valor criado na produção - a sua transformação em dinheiro - depende da circulação de mercadorias no mercado.

O volume 2 de O Capital trata desse processo de circulação, examinando suas implicações em dois modos. Primeiro Marx considera os diferentes circuitos de capital, as sucessivas transformações de, por exemplo, capital-dinheiro em força de trabalho e meios de produção que são usados para produzir mercadorias, e então em uma soma de dinheiro maior caso essas mercadorias sejam vendidas pelo seu valor. Marx então considera o modo no qual os circuitos de capitais individuais se entrelaçam para ocasionar a reprodução da economia toda. Muito do que ele diz no volume 2 é brilhante e inovador, mas neste livro nós somente tocaremos nele quando discutirmos as crises na seção seguinte.

É no volume 3 que a análise da concorrência se torna relevante. Nele Marx trata da produção capitalista como um todo. Porque a realização do valor gerado na produção depende da circulação de mercadorias,
"o modo capitalista de produção, considerado como um todo, é unidade de processo de produção e de circulação (...) As configurações do capital, como as desenvolvemos neste livro, aproximam-se, portanto, passo a passo, da forma em que elas mesmas aparecem na superfície da sociedade, na ação dos diferentes capitais entre si, na concorrência e na consciência costumeira dos agentes da produção" (C3, Tomo1, 21)

A importância central da concorrência é que através de sua pressão os produtores individuais são forçados a se comportarem como capitais. "A influência de capitais individuais sobre um outro tem precisamente o efeito de que eles devem conduzir-se enquanto capital". (G)

A lei do valor - a troca de mercadorias proporcionalmente ao tempo de trabalho socialmente necessário para produzi-las - depende da competição em dois aspectos. Marx distingue entre o valor de uma mercadoria e o seu preço de mercado. O valor é o trabalho social dispendido nela; o preço de mercado é a quantidade de dinheiro que ela alcançará num determinado momento. Frequentemente os dois irão diferir, porque o preço de mercado flutuará em resposta às oscilações na oferta e na procura. Marx argumenta que essas flutuações cancelarão uns aos outros no decorrer do tempo.

O valor de uma mercadoria, contudo, como vimos na primeira seção deste capítulo é o trabalho socialmente necessário envolvido em sua produção. Isso pode diferir bem da quantidade real de trabalho usado para produzi-la. Marx portanto faz distinção entre o valor individual de uma mercadoria, o tempo de trabalho nela corporificado, e seu valor social ou de mercado, o qual reflete as condições de produção predominantes naquele ramo industrial.

O valor de mercado da mercadoria é determinado pela concorrência entre os capitais naquele ramo industrial, cada um tentando ganhar uma maior parcela do mercado, cada um procurando com isso aperfeiçoar suas condições de produção e assim reduzir o valor de suas mercadorias. Usualmente o valor de mercado resultante será o valor de bens produzidos nas condições médias de produção no setor.

Os produtos de um capital individual, como resultado dessa competição serão vendidos pelo valor de mercado, mesmo se o trabalho real usado para produzir essas mercadorias, seus valores individuais, for maior ou menor que o valor de mercado.

Existe, além disso, um segundo modo no qual a concorrência interfere no funcionamento da lei do valor. Isso surge do fato de que mercadorias são o "produto do capital". Em outras palavras, o capitalista investe seu capital na produção de mercadorias, não como um fim em si, mas para produzir mais-valia. Agora, como vimos na seção anterior, a fonte de mais-valia é o capital variável, em outras palavras, os trabalhadores que o capitalista emprega em troca de salários. Mas o capitalista não emprega o dinheiro apenas para pagar esses salários; ele também tem que desembolsar dinheiro para a maquinaria, prédios, matérias-primas e em tudo o que for necessário para haver produção de mercadorias. O que conta para o capitalista não é simplesmente o retorno que ele faz sobre o capital variável, mas sim aquele sobre seu investimento total, capital variável mais o capital constante.

O reconhecimento deste fato levou Marx a distinguir entre a taxa de mais-valia e a taxa de lucro. A taxa de mais-valia é simplesmente a razão entre mais-valia e capital variável. A taxa de lucro, por outro lado é a razão entre mais-valia e capital total, capital variável mais capital constante. Do ponto de vista da compreensão do capitalismo, a taxa de mais-valia é mais importante porque a força de trabalho é a fonte de valor. Mas o que importa ao capitalista é a taxa de lucro porque ele precisa de um retorno adequado sobre o seu investimento total, e não só sobre o que ele gasta com salários.

Obviamente, as duas taxas diferirão. Tomemos um capitalista que emprega 100 trabalhadores a um salário de 50 dólares por semana. Seu gasto total com salário - seu capital variável é de 5.000 dólares por semana. Se a taxa de mais-valia é de 100%, então a mais-valia produzida cada semana também será 5.000 dólares. Este é seu lucro. (O capitalista também consegue de volta os 5.000 dólares iniciais, fazendo 10.000 dólares no todo). Mas suponha que o capitalista também tenha que gastar 2.500 dólares por semana para pagar pelos gastos do prédio, matérias-primas, etc. Este é seu capital constante. O capital total investido cada semana será de 7.500 dólares e a taxa de lucro, o retorno sobre este investimento total é a razão entre o lucro recebido (a mais-valia) e o capital total, ou 5.000 dólares dividido por 7.500 dólares - 66%

A existência de uma taxa de lucro é uma ilustração de como de acordo com Marx, a concorrência oculta as verdadeiras relações de produção. Pois é a taxa de lucro que os capitalistas usam em seus cálculos cotidianos. Como esse conceito relaciona a mais-valia ao capital total, o fato de que a força de trabalho é a fonte de mais-valia fica oculto. Parece como se o capital constante investido nos meios de produção fosse também responsável por criar valor e mais-valia. Este é um exemplo do que Marx chama fetichismo da mercadoria, o modo como o funcionamento da economia capitalista leva as pessoas a acreditarem que suas relações sociais, são, de algum modo místico, governadas por objetos físicos - valores de uso e a maquinaria usada para produzi-los. O seu efeito é justificar a existência de lucros, já que o capitalista, como proprietário dos meios de produção, parece tão merecedor quanto o trabalhador a uma parte do produto que supostamente foi produto de cooperação entre ambos.

Em relação à taxa de lucro existe, todavia, mais do que esta mistificação. Marx afirma que a taxa de lucro diferirá de indústria para indústria, dependendo das condições de produção predominantes. Para explicar isso, ele usa um outro conceito, o de composição orgânica de capital. Esta é a razão do capital constante ao capital variável. Em outras palavras ela reflete (em termos de valor) o montante de maquinário, matérias-primas e tudo que é necessário para produzir uma dada mercadoria em relação à força de trabalho necessária.

Isto é, de fato, uma medida da produtividade do trabalho. Pois quanto mais eficiente é a força de trabalho, mais o trabalhador produzirá com um maquinário, mais matérias-primas serão utilizadas pelo trabalhador, e assim por diante. Assim, quanto mais alta for a produtividade do trabalho, maior será também a composição orgânica do capital.

O que isso significa para a taxa de lucro?

Vamos examinar o caso de dois capitalistas, A e B. Suponhamos que cada um deles tenha o mesmo gasto semanal quanto aos salários - 5.000 dólares - e, seguindo o exemplo de Marx, que cada um tem a mesma taxa de mais-valia, 100%. Assim cada um recebe um lucro semanal de 5.000 dólares. Mas enquanto A investe 5.000 dólares a cada semana em capital constante , B, em um diferente setor da indústria tem que investir 10.000 dólares.

Para A, então a composição orgânica de seu capital, a razão do capital constante para o variável, é 5.000/5.000, ou 1/1 (1:1). Seu lucro é realizado com um capital total de 10.000 dólares, logo a sua taxa de lucro é 5.000/10.000 ou 50%. A composição orgânica do capital de B, por outro lado, é 10.000/5.000, ou 2/1 - duas vezes a de A. A taxa de lucro de B é 5.000/15.000, ou somente 33%.

Portanto, quanto maior a composição orgânica de capital, quanto mais maquinário e matérias-primas usadas pelos trabalhadores, mais baixa será a taxa de lucro - porque somente a força de trabalho produz mais-valia.

Aqui os capitalistas buscam ganhar o maior retorno possível para seus investimentos, a taxa de lucro mais elevada possível. Desde que o montante de maquinaria, edifícios e as demais coisas necessárias para a produção variam de indústria para indústria, em outras palavras algumas indústrias tem uma composição orgânica de capital mais elevada do que as outras, o capital tende a fluir para onde a taxa de lucro é mais alta - ou seja, para onde a composição orgânica de capital é mais baixa. Por que, afinal de contas, o capitalista B deveria continuar investindo todo seu dinheiro onde ele consegue um retorno de apenas 33%, quando ele poderia conseguir 50% se ele pusesse seu capital no mesmo setor de A?

Isto leva ao que Marx chamou de equalização da taxa de lucro. O fluxo de capital de uma indústria para outra tenderá a nivelar as diferenças da taxa de lucro. O resultado é que se forma uma taxa geral de lucro, a qual reflete a relação entre a mais-valia total produzida em toda a economia e o total do capital social investido. Capitais individuais receberão uma porção da mais-valia total extraída, em proporção não ao capital variável dispendido, mas ao capital total investido por eles.

Para ver o que isso significa, voltemos a A e B, e suponhamos que eles sejam os dois únicos capitais na economia. A mais-valia total é então de 10.000 dólares e o capital social total 25.000 dólares. A taxa geral de lucros é 10.000/25.000, ou 40%. Ela é maior do que os 33% originais de B, mas mais baixa que os 50% de A. Cada um não receberá um retorno de 40% sobre o seu capital total. A conseguirá 4.000 libras sobre as suas 10.000 libras, enquanto que B, com 15.000 libras, obterá 6.000 libras. Uma vez que cada empresa extrai 5.000 dólares em mais-valia dos seus trabalhadores, então o valor transferido entre eles é de 1.000 dólares.
Como isso acontece? Infelizmente, o nosso modelo com os capitalistas A e B, é simplificado demais para demonstrar o mecanismo que causa essa transferência de mais-valia, mas nós podemos usá-lo ainda par mostrar como esse mecanismo é posto em marcha.
O capitalista B, vendo A conseguir uma taxa de lucro mais alta que a dele, naturalmente irá querer uma parte para si, ele irá deslocar uma parte de seu capital para a indústria A. Isso levará a um aumento na produção, e esse aumento continuará até que a oferta desses bens exceda a demanda. Uma vez que existam mais desses bens à venda do que compradores, os preços desses bens cairá. Assim essas mercadorias acabarão sendo vendidas abaixo de seu valor, e a indústria A se tornará menos lucrativa.
Inversamente, uma vez que o capitalista B tenha removido uma parte de seu dinheiro da sua própria indústria, a produção de bens B cairá. Quando a oferta desses bens é menor do que a demanda, o preço dessas mercadorias aumentará. e elas serão vendidas a preços acima de seu valor. A taxa de lucro da indústria B, inicialmente baixa, aumentará.

Então, como o capital procura continuamente pelo retorno mais alto, o aumento de investimento em indústrias com baixa utilização de edifício, maquinário e matérias-primas em relação à força de trabalho, em outras palavras com uma composição orgânica de capital baixa e portanto alta taxa de lucro, tenderá a uma baixa nos preços e redução da taxa de lucro. O oposto acontecerá em indústrias com elevada composição orgânica de capital.

Como Marx escreve: "Esse incessante fluxo e influxo", através do qual o capital é constantemente redistribuído entre as diferentes esferas de produção dependendo da sua relativa lucratividade, continuará até que "ele crie uma tal razão de oferta e procura que o lucro médio nas esferas de produção se torne o mesmo, e os valores sejam, portanto convertidos em preços de produção". (C3) O equilíbrio é alcançado quando os preços de diferentes bens se situem em níveis que possibilitem a cada capital a mesma taxa de lucro.

É como se toda a mais-valia extraída dos trabalhadores, onde quer que eles possam estar empregados, fluísse para um único fundo comum, do qual os capitalistas tirassem lucros em proporção às somas de seus investimentos. A origem da mais-valia é mistificada mais ainda, já que os lucros ganhos por um capitalista nem de longe parecem possuir qualquer relação ao montante de trabalho realizado pelos seus trabalhadores. "Todos esses fenômenos", comenta Marx, "parecem contradizer a determinação do valor pelo tempo de trabalho (...) Assim tudo aparece revertido em competição". (C3)

Esta aparência é dissolvida uma vez que consideremos a relação global entre a classe capitalista e a classe trabalhadora:
"Em cada esfera particular de produção, o capitalista individual, assim como os capitalistas como um todo, tomam parte na exploração da classe trabalhadora total pela totalidade do capital (...) Pois, assumindo todas as outras condições a serem dadas, a taxa média de lucro depende da intensidade de exploração da soma total de trabalho pela soma total de capital." (C3)

"Os capitalistas se esforçam (e esse esforço é a concorrência) para dividir entre si a quantidade de trabalho não pago (...) que eles extraem da classe trabalhadora, não de acordo ao mais-trabalho produzido diretamente por um capital particular, mas correspondendo primeiramente à porção relativa do capital agregado que um capital particular representa, e em segundo lugar de acordo com o montante de mais-trabalho produzido pelo capital agregado. Os capitalistas, como irmãos hostis, dividem entre si o saque do trabalho de outras pessoas, recebendo assim, em média a mesma quantidade de trabalho não pago." (TMV)
"Aqui então temos uma prova matematicamente precisa de porque os capitalistas formam uma verdadeira sociedade maçônica diante de toda a classe trabalhadora, enquanto que há pouco amor entre eles na concorrência entre si." (C3)

Uma consequência da equalização da taxa de lucro é que a lei do valor deve ser modificada. "É evidente que a emergência (...) da taxa geral de lucro necessita da transformação de valores em preços de custo que são diferentes desses valores". (TMV)
Para ver porque isso é assim, voltemos aos nossos velhos amigos, os capitalistas A e B. Para chegar ao valor dos seus produtos semanais, suponhamos que o valor de todo o capital constante que eles avançam cada semana seja transferido para as mercadorias que eles produzem. O valor total de seu produto semanal é então igual a capital variável + mais-valia + capital constante. No caso de A isso significa 5.000 + 5.000 + 5.000 = 15000; no caso de B 5.000 + 5.000 + 10.000 = 20.000. Mas a equalização da taxa de lucro significa que 1.000 dólares da mais-valia foram transferidas de A para B. Então os valores produzidos devem ser modificados para levar em conta essa redistribuição. Para A, teremos então 4.000 + 5.000 + 5.000 = 14.000, e para B 6.000 + 5.000 + 10.000 = 21.000.

Marx chama esses valores convertidos que refletem a taxa geral de lucro de preços de produção. Sua formação é uma consequência inevitável do fato de que "o capital existe e só pode existir como muitos capitais". "O que a concorrência, primeiro e em uma única esfera [de produção] consegue é um único valor de mercado e um único preço de mercado derivados dos vários valores individuais de mercadoria. E é a competição de capitais em diferentes esferas que primeiro faz surgir o preço de produção, equalizando as taxas de lucro nas diferentes esferas". (C3) A conversão de valores em preços de produção é parte do mesmo processo da formação dos próprios valores. Pois é a concorrência em indústrias particulares que leva as mercadorias a serem vendidas pelo tempo de trabalho socialmente necessário em primeiro lugar.

A transformação de valores em preços de produção ao invés de negar a teoria do valor-trabalho, completa-a. Marx assinala que os desvios dos preços de produção em relação aos valores "sempre se resolvem com uma mercadoria recebendo muito pouco da mais-valia enquanto outra recebe muito, e desse modo os desvios dos valores que estão corporificados nos preços de produção compensam um ao outro". (C3) "A soma dos preços de produção de todas as mercadorias produzidas na sociedade (...) é igual à soma dos seus valores" (C3) Se nós voltarmos aos casos de A e B de dois parágrafos atrás, vemos que o valor total de seus produtos, 35.000 dólares, permanece o mesmo antes e depois da conversão de valores em preços de produção.

O chamado "problema da transformação" tem todavia causado uma enorme controvérsia, iniciada quando o volume 3 de O Capital foi publicado em 1894 e não mostra sinais de abatimento ainda hoje. Algumas das críticas são simples questões de ignorância. Por exemplo, o economista austríaco Eugen Von Boehm-Bawerk, autor de uma das primeiras discussões do problema da transformação, argumentou que Marx havia mudado de idéia depois de escrever o volume 1, e decidiu que, afinal de contas as mercadorias não eram trocadas pelos seus valores. Isso ignora o fato de que, como Engels afirmou quando ele publicou o volume 3 depois da morte de Marx, os manuscritos sobre os quais o volume 3 está baseado foram escritos por Marx em 1864 e 1865, antes de ele ter completado o esboço final do volume 1! Em todo caso, as Teorias da Mais-valia, tomadas dos até mesmo anteriores manuscritos de 1861-63, mostram que Marx, como Ricardo antes dele, era perfeitamente cônscio de que a existência da taxa geral de lucro implicava em modificar a lei do valor.

Há algumas críticas técnicas mais válidas. Marx, em seus exemplos de transformação, ignorou o fato de que o valor das mercadorias representadas pelo capital constante e variável deveria ele mesmo em preços de produção. Não seria correto, portanto, como fiz em minha própria ilustração, deixar o capital de A com 10.000 dólares e B com 15.000 dólares tanto antes como depois da transformação. Os bens consumidos pelos trabalhadores, o edifício, maquinário e as demais coisas que eles usam para produzir mercadorias terão também sido afetados pela formação de uma taxa geral de lucro, e também terão tido os seus valores transformados em preços de produção. Marx não era inconsciente desse problema, mas sentiu que não era importante o bastante para preocupar-se com ele (ver C3, 164-165, edição inglesa). Pesquisas posteriores sugerem que ele estava errado, e que uma completa transformação de valores em preços de produção tem implicações de alcance muito maior do que Marx imaginou. Porém, as soluções matemáticas ao problema que tem sido alcançadas até agora não invalidam a abordagem feita por Marx da conversão de valores em preços de produção.

Alguns economistas, incluindo inúmeros marxistas, ainda insistem que o "problema da transformação" prova que a teoria do valor-trabalho deve ser rejeitada. Seus principais argumentos para isso é que existem técnicas para determinar os preços das mercadorias que não implicam em tomar seus valores como ponto de partida. Isso é perfeitamente verdadeiro, mas é equivocado no tocante à teoria do valor-trabalho. O principal propósito da teoria não é nos fornecer uma fórmula para determinar a razão na qual as mercadorias serão trocadas umas por outras (embora ela possa determinar, uma vez que corrijamos a versão de Marx da transformação). A intenção de Marx é "revelar a lei do movimento da moderna sociedade" - desvelar as tendências do desenvolvimento histórico contidas no modo de produção capitalista. A teoria do valor trabalho é um instrumento voltado para esse fim.

O procedimento de Marx em O Capital reflete seu método geral de "ascender do abstrato ao concreto". Nos volumes 1 e 2 onde ele está analisando o "capital em geral", as características básicas das relações de produção capitalistas, ele presume que as mercadorias são trocadas pelos seus valores. Essa suposição é perfeitamente válida, porque o problema da transformação surge somente quando nós começamos considerando as diferenças entre capitais. É somente quando Marx passa a considerar a esfera de "muitos capitais", e a concorrência que ocorre entre eles, como no vol. 3, que ele é obrigado a deixar de lado a suposição de que as mercadorias são trocadas pelos seus valores. Isso é necessário se quisermos "encontrar e expor as formas concretas que surgem do processo de movimento do capital considerado como um todo". (C3, 21)

Entretanto nós só podemos fazer isso com sucesso se tivermos feito a abstração inicial, a de presumir que as mercadorias são trocadas pelos seus valores, a qual foi necessária para analisar o "capital em geral". A crítica central de Marx a Ricardo era de que ele simplesmente presumia a existência da taxa geral de lucro falhando em considerar o valor e a mais-valia em isolamento da concorrência. Seu erro foi falta do poder de abstração, incapacidade em tratar com os valores das mercadorias, a esquecer lucros, um fator que o confronta como um resultado da concorrência" (TMV).

Durante o texto temos considerado a relação entre "capital em geral" e "muitos capitais" estaticamente, voltados basicamente para como ela afeta a formação do valor. Vamos agora assumir uma visão mais dinâmica e examinar o papel jogado pela concorrência entre capitais no desenvolvimento da economia burguesa.

Acumulação e Crises

Uma das principais características do capitalismo, que o diferencia dos outros modos de produção, é a acumulação de capital. Nas sociedades escravistas ou feudais, o explorador consumia a massa de produto excedente abocanhado dos produtores diretos. A produção é ainda dominada pelo valor de uso: seu objetivo é o consumo.

Isso muda uma vez que o modo de produção capitalista de produção prevalece. A maior parte d mais-valia extorquida dos trabalhadores não é consumida. Ao invés disso, é investida na produção. É este processo, através do qual a mais-valia é reinvestida constantemente na produção, que Marx chama de "acumulação de capital".

Em uma famosa passagem no volume 1 de O Capital, Marx mostra como isto dá lugar, na classe capitalista, a uma ideologia da "abstinência", na qual a burguesia é encorajada a negar mesmo o seu próprio consumo, e poupar mais-valia tanto quanto possível para ser reinvestida:

"Acumulai, acumulai! Isso é Moisés e os profetas!

"A industria fornece o material que a poupança acumula." [diz Adam Smith]

Portanto, poupai, poupai, isto é, retransformai a maior parte possível da mais-valia e do mais-produto em capital! A acumulação pela acumulação, produção pela produção, nessa fórmula a Economia Clássica expressou a vocação histórica do período burguês." (C1, T2, P 165-6)

Mas, diz Marx, o motivo para isso não é a cobiça (embora como indivíduo o capitalista deva ser bem cobiçoso). Nós não precisamos procurar por alguma propensão natural à ambição na natureza humana. O próprio sistema proporciona o motivo para os capitalistas:
"(...) na medida em que ele é capital personificado (...) não é o valor de uso a satisfação, mas o valor de troca e sua multiplicação o móvel de sua ação. (...) Como tal ele partilha com o entesourador o instinto absoluto do enriquecimento. O que neste, porém, aparece como mania individual, é no capitalista efeito do mecanismo social, do qual ele é apenas uma engrenagem." (C1, T2, 163)
Esse "mecanismo social" é a concorrência entre "muitos capitais". Nós vimos que Marx acreditava que " influência de capitais individuais sobre outros têm precisamente como efeito que eles devem conduzir-se como capital". Isto é especialmente verdadeiro na acumulação. Um capital que não reinvista mais-valia logo se verá superado pelos rivais que investem em métodos aperfeiçoados de produção e que são, portanto capazes de produzir mais barato e podem obrigar ao rebaixamento dos preços de bens do primeiro capital. Um capital que falha em acumular logo se verá em direção à bancarrota.

O processo de acumulação, justamente porque é inseparável da concorrência entre capitais não é nada tranquilo ou uniforme. Marx argumenta que o processo de acumulação é também a reprodução das relações capitalistas de produção. O que ele quer dizer é que a sociedade não pode seguir existindo a menos que a produção seja constantemente renovada, e isso depende de os capitalistas reinvestirem o valor realizado no mercado na produção.

Marx distingue entre duas formas de reprodução. A reprodução simples ocorre quando a produção é renovada ao mesmo nível anterior - e a economia estagna ao invés de crescer. A reprodução ampliada, contudo, implica na utilização do mais-produto para aumentar a produção. Este último caso é a norma no capitalismo.

No vol. 2 de O Capital Marx analisa as condições sob as quais ocorre a reprodução simples ou ampliada. Ele mostra que aqui o valor de uso joga um papel muito importante. Para a reprodução acontecer não é suficiente haver dinheiro para comprar força de trabalho e os instrumentos de produção. Deve haver também suficientes bens de consumo para alimentar os trabalhadores, e suficiente maquinários, matérias-primas, etc., para eles colocarem em funcionamento.

Marx divide a economia em dois amplos setores, Departamentos I e II. O Departamento I da economia produz os meios de produção: fábricas produzindo maquinários, por exemplo e minas produzindo matérias-primas. O Departamento II produz bens de consumo: alimento, vestuário, etc. Marx mostra que para acontecer seja a reprodução simples ou ampliada, ambos os Departamentos devem produzir bens em certas proporções.

Mas se essas proporções entre os diferentes setores da economia são realmente alcançadas é uma questão, em grande parte, acidental. O capitalistas produzem, não para si, mas para o mercado. Não há qualquer garantia de que o que foi produzido será consumido. Se isso acontece ou não depende da existência de uma efetiva demanda para a mercadoria. Em outras palavras, não só deve ter alguém que queira comprá-la, mas esse alguém deve possuir dinheiro para comprá-la. Frequentemente essa demanda não existe. O resultado é uma crise econômica.

Por exemplo, digamos que capitalistas no Departamento I (meios de produção) cortem os salários de seus trabalhadores para aumentar a taxa de mais-valia. Esses trabalhadores então conseguirão comprar menos produtos no Departamento II (bens de consumo). Os capitalistas do Departamento II podem reagir a esse declínio no mercado através de cortes nos gastos com novos equipamentos ou instalações. Os capitalistas do Departamento I, atingidos por essa queda na demanda para seus produtos, podem demitir trabalhadores, o que, em contrapartida, levará os capitalistas do Departamento II a fazerem o mesmo... Esse processo, que só foi realmente entendido pelos economistas burgueses a partir do aparecimento em 1936 do livro de Keynes A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, foi analisado por Marx no vol. 2 de O Capital setenta anos antes.

A possibilidade de crises econômicas é inerente à natureza mesma da mercadoria. Relembrando que a circulação simples de mercadorias toma a forma M-D-M. Uma mercadoria é vendida, e o dinheiro é usado para comprar outra mercadoria. Mas não há razão para que uma venda deva ser seguida necessariamente por uma outra compra. Tendo vendido a mercadoria o vendedor pode decidir guardar o dinheiro recebido. Existem frequentes condições nas quais capitalistas decidem fazer precisamente isso, porque a taxa de lucro é baixa demais para valer a pena um investimento.

A fonte das crises é, portanto, em última instância o caráter não planejado da produção capitalista, onde "um balanço é ele mesmo um acidente devido à natureza espontânea de sua produção", como afirma Marx. Entretanto, isso apenas mostra que as crises são possíveis. Para entender porque elas acontecem de fato temos que adentrar mais na natureza do processo de acumulação.
A explicação de Marx às crises econômicas está baseada no que ele chamou de tendência à queda da taxa de lucro, "em todos os aspectos a mais importante lei da moderna economia política, e a mais essencial para entender as mais difíceis relações", escreveu Marx(G).

A taxa de lucro tem uma tendência geral à queda sob o capitalismo, diz Marx. Não apenas em áreas específicas da economia, nem apenas em períodos particulares, mas em geral, e a razão disso, segundo ele, é o contínuo crescimento da produtividade do trabalho. Para usar suas próprias palavras: "A tendência progressiva à queda da taxa de lucro é apenas uma expressão, peculiar ao modo de produção capitalista, do desenvolvimento progressivo da produtividade social do trabalho." (C3).

Quanto mais alta a produtividade do trabalho, mais maquinário e matérias-primas sob a responsabilidade de um trabalhador individual. Em outras palavras, a quantidade de capital constante investido no prédio, equipamento e matérias-primas cresce em relação ao capital variável usado para pagar os salários dos trabalhadores. Em termos de valor, isso significa que a composição orgânica do capital é mais elevada. E nós já vimos que pelo fato de a força de trabalho ser a fonte de mais-valia, quanto mais elevada a composição orgânica de capital, menor a taxa de lucro. Assim, enquanto a produtividade do trabalho aumenta, a taxa de lucro cai.

Mas se é assim, então porque os capitalistas buscam sempre uma maior produtividade? A resposta é que, a curto prazo, ele se beneficia agindo assim, e a longo prazo ele é forçado a agir assim pela concorrência.

Relembremos que o valor individual de uma mercadoria, o trabalho real corporificado nela, pode diferir do valor de mercado, o qual é determinado pelas condições médias de produção naquela indústria. Agora tomemos o caso de um capitalista individual que utiliza essas condições médias de produção. Suponhamos que ele introduza uma nova técnica, o que aumenta a produtividade de seus trabalhadores acima da média. O valor individual de suas mercadorias ficará abaixo do valor social ou de mercado, porque elas foram produzidas mais eficientemente do que é normal naquele setor. O capitalista pode agora fixar os seus preços a um nível mais baixo do que o valor social, obrigando os rivais a baixarem os seus preços, mais ainda num valor mais alto que os seus valores individuais, realizando assim um lucro extra.

Mas essa situação não permanecerá indefinidamente. Outros capitalistas adotarão a nova técnica tentando impedir que sejam passados para trás. Uma vez que essa inovação se torne a norma na indústria, o valor social de seus produtos cairá para emparelhar o valor individual das mercadorias, acabando com a vantagem do capitalista inovador.

Através da pressão da concorrência os capitais, portanto, são impelidos a adotar novas técnicas e aumentar a produtividade do trabalho. "A lei da determinação do valor pelo tempo de trabalho" atua assim "como lei coercitiva da concorrência", escreve Marx. (C1) Para o capitalista individual, a "determinação do valor como tal (...) interessa-lhe somente à medida em que ela aumenta ou abaixa o custo de produção das suas mercadorias, portanto somente à medida em que ela torna a sua posição excepcional". (C3) Cada capitalista está preocupado em aumentar a produtividade do trabalho somente como um meio de superar seus concorrentes. O efeito é forçar todos os "muitos capitais" a se conformarem à lei do valor, e a aumentarem constantemente a produtividade do trabalho.

Entretanto, o resultado de todas essas ações dos capitalistas visando aumentar a quantidade de mais-valia e superar seus concorrentes é trazer para baixo a taxa geral de lucro:

"nenhum capitalista jamais introduz voluntariamente um novo método de produção, não importa o quão produtivo ele possa ser e o quanto ele possa aumentar a taxa de mais-valia, supondo que ele reduz a taxa de lucro. Contudo cada novo método de produção barateia as mercadorias. Portanto o capitalista vende-as originalmente por um valor maior que os seus preços de produção, ou, talvez, acima do seu valor. Ele embolsa a diferença entre seus custos de produção e os preços de mercado das mesmas mercadorias produzidas com custos de produção mais elevados. Ele pode fazer isso, (...) porque seu método de produção está acima da média social. Mas a concorrência torna-o geral e sujeito à lei geral. Segue-se uma queda na taxa de lucro - talvez primeiro nessa esfera de produção, e finalmente atinge um equilíbrio com o resto - o qual ocorre portanto totalmente independente da vontade do capitalista." (C3)

Essa tendência à queda da taxa de lucro é um reflexo do fato de que "além de um certo ponto, o desenvolvimento das forças de produção se torna uma barreira para o capital; e daí a relação-capital uma barreira para o desenvolvimento das forças produtivas do trabalho" (G).

A maior produtividade do trabalho, o que reflete o crescente poder da humanidade sobre a natureza, toma a forma, no interior das relações de produção capitalistas, de uma crescente composição orgânica de capital, e então, de uma taxa de lucro decrescente. É este processo que subjaz as crises econômicas. "A crescente incompatibilidade entre o desenvolvimento produtivo da sociedade e as relações de produção existentes até então expressa-se em contradições mais amargas, crises, espasmos". (G)
A taxa decrescente de lucro é, contudo, somente o ponto de partida da análise de Marx das crises capitalistas. Ele sublinha que existem "influências contrariantes em funcionamento, que cruzam e anulam o efeito da lei geral e que lhe dá meramente a característica de uma tendência", "uma lei cuja ação absoluta é controlada, retardada, debilitada". (C3)
De fato, "as mesmas influências que produzem uma tendência à queda da taxa de lucro, também fazem surgir os contra-efeitos que dificultam, retardam e paralisam parcialmente essa queda". (C3)

Por exemplo, a crescente composição orgânica de capital significa que um número menor de trabalhadores pode produzir uma certa quantidade de mercadorias. O capitalista pode muito bem reagir com a demissão dos trabalhadores excedentes - isso pode ter sido mesmo o seu objetivo ao introduzir a nova técnica de produção. O resultado é que a acumulação de capital implica na constante expulsão de trabalhadores da produção. Está criada o que Marx chama de "superpopulação relativa". Não é, como Malthus e seus seguidores postulavam, que existem mais pessoas do que alimentos para mantê-los vivos. Ao invés disso, existem mais pessoas do que o capitalismo necessita, e então esse excedente é privado dos salários de que os trabalhadores dependem para a sua existência.

Consequentemente a economia capitalista gera um "exército industrial de reserva" de trabalhadores desempregados, o que cumpre um papel crucial no processo de acumulação. Os desempregados não proporcionam somente uma reserva de trabalhadores que podem ser lançados a novos ramos ou células de produção. Eles também ajudam a impedir que os salários aumentem demais.
A força de trabalho, como qualquer mercadoria, tem um valor - o tempo de trabalho envolvido em sua produção, e um preço - a quantidade de dinheiro pago por ela. O preço da força de trabalho é o salário, e como todos os preços de mercado os salários flutuam em resposta aos aumentos e quedas na oferta e na demanda de força de trabalho. A existência do exército industrial de reserva mantém a oferta da força de trabalho o suficiente para impedir que o preço da força de trabalho aumente acima do seu valor. Escreve Marx: "Os movimentos gerais dos salários são exclusivamente regulados pela expansão e contração do exército industrial de reserva". (C1)

Isso não quer dizer que Marx acreditava na "lei de ferro dos salários", de acordo com a qual os salários não podem aumentar acima do mínimo fisicamente necessário para a subsistência. Como ele assinalou na Crítica do Programa de Gotha, essa pretensa "lei" é baseada na teoria populacional de Malthus, e é portanto totalmente falsa. O capitalismo, como vimos, envolve constantes aumentos na produtividade do trabalho. Isso leva a uma constante redução no valor das mercadorias incluindo a força de trabalho. O valor decrescente de bens de consumo significa que o poder de compra dos salários dos trabalhadores pode permanecer o mesmo ou até aumentar, embora o valor da força de trabalho tenha caído. Assim, em termos absolutos, as condições de vida dos trabalhadores podem melhorar. Em termos relativos porém, a sua posição tem se deteriorado, porque a taxa de mais-valia aumentou, e assim a sua parte do valor total criado por eles caiu.


A existência de um exército industrial de reserva fortalece a posição do capitalista, e torna-lhe mais fácil aumentar a taxa de mais-valia. Se a quantidade total de capital permanece a mesma, então a taxa de lucro aumentará. Assim, uma maior intensidade de exploração é uma influência contrariante à queda na taxa de lucro.

Contudo, aumentar a taxa de exploração é uma faca de dois gumes. Se isso é conseguido através do aumento da produtividade do trabalho, então crescerá a composição orgânica de capital, e uma taxa de mais-valia mais elevada significará neste caso uma taxa de lucro mais baixa. Marx acreditava que uma tal situação era típica da tendência da taxa de lucro. Ele rejeitava qualquer tentativa de explicar as crises econômicas a partir dos aumentos salariais conquistados pelos trabalhadores:
"A tendência à queda da taxa de lucro está estritamente ligada a uma tendência ao aumento da taxa de mais-valia (...) Nada é mais absurdo, por essa razão, do que explicar a queda da taxa de lucro por um aumento da taxa de salários, embora isso possa ser o caso de alguma exceção (...) A taxa de lucro não cai porque o trabalho se torna menos produtivo, mas porque se torna mais produtivo. Tanto o aumento na taxa de mais-valia como a queda na taxa de lucro não são senão formas específicas através das quais a crescente produtividade do trabalho é expressa no capitalismo." (C3)

O mesmo é verdadeiro, argumentou Marx para uma outra contratendência, o barateamento dos elementos do capital constante. Uma produtividade crescente no Departamento I, a produção dos meios de produção, significa que o valor do edifício, maquinário e dos elementos que formam o capital constante, cai:

"Com o crescimento na proporção do capital constante ao capital variável, cresce também a produtividade do trabalho, as forças produtivas trazidas à existência, com as quais o trabalho social opera. Todavia, como resultado dessa crescente produtividade do trabalho, uma parte do capital constante existente é continuamente depreciada em valor, pois seu valor depende, não do tempo de trabalho que ela custou originalmente, mas do tempo de trabalho com o qual pode ser reproduzida, e este está continuamente diminuindo tanto quanto cresce a produtividade do trabalho." (TMV)

Muitos críticos de Marx (muitos deles marxistas) tem argumentado que o fato da crescente produtividade do trabalho baratear os elementos do capital constante significa que a composição orgânica não aumenta e, por isso a taxa de lucro não cai. Mesmo se a composição técnica do capital, em outras palavras a razão física entre meios de produção e força de trabalho, cresce enormemente, argumentam eles, em termos de valor essa relação permanece a mesma porque caiu o custo para produzir os meios de produção. O que eles ignoram é que o que importa para o capitalista é o retorno que ele faz sobre seu investimento original. O dinheiro que ele gastou com a fábrica, equipamentos, etc. terá sido para comprar esses meios de produção nos seus valores originais, e não o tempo de trabalho que agora custaria para substituí-los. Ele deve conseguir um lucro adequado sobre esse investimento, e não sobre o que poderia custar-lhe agora.

Mas vamos olhar agora para as crises propriamente.

De fato é principalmente através das crises que o valor do capital constante é equiparado, não ao "tempo de trabalho que ele custou originalmente" mas com "o tempo de trabalho com o qual ele possa ser reproduzido". Crises econômicas podem ser precipitadas por uma variedade de fatores. Por exemplo, uma crise pode surgir devido a um súbito aumento no preço de algumas matérias-primas importantes - como o aumento do preço do petróleo em 1973-74. Frequentemente crises começam a partir de algum transtorno do sistema financeiro - por exemplo, a falência de um grande banco, ou um crash na bolsa de valores. Uma grande parte do volume 3 de O Capital está dedicada a explicar como o desenvolvimento do sistema de crédito, como resultado de que mais e mais dinheiro é criado pelos próprios bancos, cumpre um papel vital tanto em impedir como causar crises. Todavia, a causa subjacente às crises é sempre a tendência à queda da taxa de lucro, e as contratendências que ela traz à tona.
Nós vimos que a natureza da mercadoria é tal que M-D não leva necessariamente a D-M. O dinheiro ganho pela venda de uma mercadoria pode ser acumulado ao invés de ser usado para comprar uma outra mercadoria. Isso ocorre numa escala massiva durante crises econômicas. Vastos números de mercadorias não são vendidos.

Isso distingue o capitalismo dos modos de produção anteriores. Nas sociedades escravista e feudal as crises eram de subprodução, de escassez, nas quais não havia o suficiente para alimentar todo mundo. As crises capitalistas, entretanto, são de superprodução. Isso não quer dizer, enfatiza Marx, "que o montante de produtos é excessivo em relação às sua necessidade (...) Os limites à produção são postos pelo lucro dos capitalistas e de nenhum modo pela necessidade dos produtores". (TMV) Mercadorias demais foram produzidas para proporcionar um lucro adequado ao capitalista. Se quisermos um exemplo, não precisamos ir muito longe. Basta olharmos as montanhas de manteiga e os lagos de vinho para manter elevados os preços de bens agrícolas, enquanto mais de 700.000.000 de pessoas passam fome no terceiro mundo.

Ao mesmo tempo em que as crises são produzidas pelas contradições internas da acumulação de capital, elas são "sempre soluções momentâneas e forçosas* das contradições existentes" (C3) Isso ocorre através do que Marx chamou de depreciação ou desvalorização de capital. O colapso de mercados força muitos capitais a fecharem. Efetivamente grandes quantidades de capitais são destruídas.

A destruição de capital é, algumas vezes, literal - máquinas enferrujam, estoques de bens apodrecem ou são destruídos. Mas os preços em queda também destroem uma grande parte do valor dos meios de produção. "A destruição de capital através das crises significa a depreciação de valores, a qual impede-os de renovar seu processo de reprodução como capital na mesma escala". (TMV) É desse modo, através das crises econômicas que o valor do capital constante é equiparado, não com o tempo de trabalho originalmente gasto para produzi-lo, mas com o que agora custaria para reproduzi-lo. Dessa maneira, a composição orgânica de capital é reduzida, e a taxa de lucro se recupera.

Assim a crise serve para restaurar o capital a uma condição na qual ele pode ser empregado lucrativamente:
"A depreciação periódica de capital existente - um dos meios imanentes à produção capitalista para controlar a queda da taxa de lucro e acelerar a acumulação de valor-capital através da formação de novo capital - perturba [ou desorganiza] as condições dentro das quais ocorre o processo de circulação e reprodução de capital e é, portanto, acompanhada por paralisações e crises no processo de produção." (C3)

Existem outros modos pelos quais as crises servem para contrabalançar a tendência à queda da taxa de lucro. Marx escreve que as "crises são sempre preparadas por (...) um período no qual os salários sobem em geral e a classe trabalhadora consegue uma porção maior daquela parte do produto anual que está destinado par o consumo" (C2)

Isso reflete o fato de que no pico dos crescimentos econômicos muitas mercadorias se tornam escassas porque elas são muito solicitadas por muitos capitais ansiosos por obter a maior porção possível do mercado. Isso é verdade também com a força de trabalho: tanto quanto o crescimento econômico se acelera diminui o exército industrial de reserva, e os trabalhadores, especialmente os qualificados, se tornam escassos. Isso leva a uma melhor posição de barganha dos trabalhadores permitindo-lhes um aumento no preço da força de trabalho, ocasionando um aumento na taxa de salários. Uma recessão econômica, ao forçar o desemprego, facilita aos capitalistas baixarem os salários, e impedir aqueles trabalhadores ainda empregados a aceitarem piores condições de produção.

Assim, as crises são períodos em que o sistema capitalista é reorganizado e reformulado para restaurar a taxa de lucro a um nível no qual ocorrerão investimentos. Nem todos os capitalistas se beneficiam igualmente deste processo. As empresas mais débeis e menos eficientes e aquelas com um maquinário muito ultrapassado serão levadas à falência. Os capitais mais fortes e mais eficientes sobreviverão, e emergirão da recessão mais fortes. Eles são capazes de comprar terras e instrumentos de produção a melhores preços, e a forçar modificações trabalhistas no processo de trabalho que aumentarão a taxa de mais-valia.
As crises, portanto, contribuem para o processo que Marx denominou centralização e concentração de capital. A concentração ocorre quando capitais crescem em tamanho através da acumulação de mais-valia. A centralização, por outro lado, é resultado da absorção de capitais menores por capitais maiores. O próprio processo de concorrência favorece essa tendência, porque as empresas mais eficientes são capazes de sobrepassar os seus rivais e depois tomá-los. Mas as recessões econômicas aceleram o processo possibilitando aos capitais sobreviventes comprarem meios de produção baratos. Um aumento constante no tamanho de capitais individuais é, portanto, uma parte inevitável do processo de acumulação "o curso de vida característico da indústria moderna", segundo Marx, toma a forma de um ciclo, "interrompido por oscilações menores, de vitalidade média, produção a todo vapor, crise e estagnação" (C1, T2, 192). A alternação de crescimento e recessão é uma característica essencial da economia capitalista. Como afirmou Trotsky, "o capitalismo vive de crises e booms, assim como os seres humanos vivem de inspiração e expiração (...) As crises e booms são inerentes ao capitalismo desde o seu nascimento e o acompanharão até o seu túmulo."
A análise da maneira como as crises surgem no interior do processo de acumulação de capital, a qual Marx desenvolve em O Capital, é conduzida a um nível de abstração bastante elevado. Ela precisa ser elaborada, como nós veremos no capítulo final, a partir de uma abordagem de como, com o desenvolvimento posterior do sistema, a centralização e a concentração de capital torna mais difícil para as crises cumprirem o seu papel de restaurar as condições de acumulação lucrativa. Todavia, O Capital fornece a base fundamental para qualquer tentativa de entender a economia capitalista.

Conclusão

O modo de produção capitalista ilustra a tese geral de Marx de que a realidade é dialética, que ela contém contradições dentro de si. Pois, de um lado a mudança tecnológica, a introdução de novos métodos de produção, é parte da existência mesma do capitalismo. A pressão da concorrência força os capitalistas a inovarem constantemente, e desse modo a ampliar as forças de produção. Por um outro lado, o desenvolvimento das forças produtivas no capitalismo leva inevitavelmente a crises. Como Marx colocou em O Manifesto Comunista:

"A burguesia só pode existir com a condição de revolucionar incessantemente os instrumentos de produção, por conseguinte, as relações de produção e, com isso, todas as relações sociais. A conservação inalterada do antigo modo de produção, constituía, pelo contrário, a primeira condição de existência de todas as classes industriais anteriores. Essa subversão contínua da produção, esse abalo constante de todo o sistema social, essa agitação permanente e toda essa falta de segurança distinguem a época burguesa de todas as precedentes."

A diferença entre o capitalismo e os seus precursores surge das relações de produção:

"É claro, entretanto, que se numa formação sócio-econômica predomina não o valor de troca, mas o valor de uso do produto, o mais-trabalho é limitado por um círculo mais estreito ou mais amplo de necessidades, ao passo que não se origina nenhuma necessidade ilimitada por mais-trabalho do próprio caráter da produção". (C1, 190)

O senhor feudal por exemplo se satisfazia tanto quanto ele recebia suficiente renda de seus camponeses para sustentar a ele próprio, sua família e seus empregados, dentro do estilo ao qual estavam acostumados. O capitalista, entretanto, tem um "apetite voraz", uma "fome de lobisomem por mais-trabalho", que brota das necessidades de se igualar aos aperfeiçoamentos técnicos de seus concorrentes, ou ir à falência.

Marx foi um firme defensor do que ele chamou de "a grande influência civilizatória do capital" (G) contra aqueles que, tais como os românticos olhavam nostalgicamente para as sociedades pré-capitalistas . Ele elogiou Ricardo por "ter seus olhos unicamente para o desenvolvimento das forças produtivas" (C3). "Afirmar, como fizeram oponentes sentimentais de Ricardo, que a produção como tal não é o objeto, é esquecer que a produção por seu próprio fim não é nada senão o desenvolvimento das forças produtivas humanas, em outras palavras, o desenvolvimento da riqueza da natureza humana como um fim em si". (TMV)

Assim, o capitalismo foi historicamente progressivo. Ele conduz para além das barreiras nacionais e preconceitos (...), assim como de todas as tradicionais, confinadas, complacentes e incrustadas satisfações das necessidades humanas, e reproduções de velhos modos de vida. Ele é destrutivo para tudo isso, e constantemente o revoluciona, rompendo todas as barreiras que obstruem o desenvolvimento das forças produtivas, a expansão das necessidades, o desenvolvimento multi-polar da produção e a exploração e a troca de forças naturais e mentais." (G)

Ao mesmo tempo, porém a tendência à queda da taxa de lucro mostra que o capitalismo não é, como os economistas políticos acreditaram, a forma mais racional de sociedade, mas é ao invés disso um modo de produção historicamente limitado e contraditório, que aprisiona as forças de produção ao mesmo tempo em que as desenvolve. "A verdadeira barreira da produção capitalista é o próprio capital", escreve Marx (C3). "A violenta destruição de capital, não por relações externas a ele, mas antes como uma condição de sua auto-preservação, é a forma mais impressionante na qual está dada a sua partida, cedendo lugar a um estágio mais elevado de produção social" (G).

Contrário ao que muitos analistas, entre eles alguns marxistas tem dito, Marx não acreditava que o colapso do capitalismo fosse inevitável. "Crises permanentes não existem" (TMV), ele insistiu. Como vimos, as crises são sempre soluções momentâneas e forçosas das contradições existentes. Não existe crise econômica tão profunda da qual o capitalismo não possa recuperar-se, uma vez garantido que a classe trabalhadora pague o preço do desemprego, deterioração dos padrões de vida e das condições de trabalho. Se uma crise irá levar a "um estágio mais elevado de produção social" dependerá da consciência e da ação da classe trabalhadora.