Campeões de desmatamento, artigo de Evaristo
Eduardo de Miranda
O paradoxo é que, ao invés de ser reconhecido pelo seu
histórico de manutenção da cobertura florestal,
o país é severamente criticado pelos campeões do
desmatamento e alijado da própria memória
Evaristo Eduardo de Miranda, doutor em Ecologia, é chefe
geral da Embrapa Monitoramento por Satélite. Artigo publicado
no Estado de SP:
Há 8 mil anos, o Brasil possuía 9,8% das florestas mundiais.
Hoje, o País detém 28,3%. Dos 64 milhões de km2
de florestas existentes antes da expansão demográfica
e tecnológica dos humanos, restam menos de 15,5 milhões,
cerca de 24%.
Mais de 75% das florestas primárias já desapareceram.
Com exceção de parte das Américas, todos os continentes
desmataram, e muito, segundo estudo da Embrapa Monitoramento por Satélite
sobre a evolução das florestas mundiais.
A Europa, sem a Rússia, detinha mais de 7% das florestas do
planeta e hoje tem apenas 0,1%. A África possuía quase
11% e agora tem 3,4%. A Ásia já deteve quase um quarto
das florestas mundiais, 23,6%, agora possui 5,5% e segue desmatando.
No sentido inverso, a América do Sul, que detinha 18,2% das
florestas, agora detém 41,4%, e o grande responsável por
esses remanescentes, cuja representatividade cresce ano a ano, é
o Brasil.
Se o desflorestamento mundial prosseguir no ritmo atual, o Brasil -
por ser um dos que menos desmatou - deverá deter, em breve, quase
metade das florestas primárias do planeta.
O paradoxo é que, ao invés de ser reconhecido pelo seu
histórico de manutenção da cobertura florestal,
o país é severamente criticado pelos campeões do
desmatamento e alijado da própria memória.
Na maioria dos países, a defesa da natureza é fenômeno
recente. No Brasil, vem de longa data. Desde o século 16, as
Ordenações Manuelinas e Filipinas estabeleceram regras
e limites para exploração de terras, águas e vegetação.
Havia listas de árvores reais, protegidas por lei, o que deu
origem à expressão madeira de lei.
O Regimento do Pau Brasil, de 1605, estabeleceu o direito de uso sobre
as árvores, e não sobre as terras. As áreas consideradas
reservas florestais da Coroa não podiam ser destinadas à
agricultura.
Essa legislação garantiu a manutenção e
a exploração sustentável das florestas de pau-brasil
até 1875, quando entrou no mercado a anilina.
Ao contrário do que muitos pensam e propagam, a exploração
racional do pau-brasil manteve boa parte da mata atlântica até
o final do século 19 e não foi a causa do seu desmatamento,
fato bem posterior.
Em 1760, um alvará real de dom José I protegeu os manguezais.
Em 1797, uma série de cartas régias consolidou as leis
ambientais: pertencia à Coroa toda mata à borda da costa,
de rio que desembocasse no mar ou que permitisse a passagem de jangadas
transportadoras de madeiras.
A criação dos Juízes Conservadores, aos quais
coube aplicar as penas previstas na lei, foi outro marco em favor das
florestas. As penas eram de multa, prisão, degredo e até
pena capital para incêndios dolosos.
Também surgiu o Regimento de Cortes de Madeiras, com regras
rigorosas para a derrubada de árvores, além de outras
restrições à implantação de roçados.
Em junho de 1808, dom João VI criou a primeira unidade de conservação,
o Real Horto Botânico do Rio de Janeiro, com mais de 2.500 hectares,
hoje republicanamente reduzido a 137 hectares.
Uma ordem, de 9 de abril de 1809, deu liberdade aos escravos que denunciassem
contrabandistas de pau-brasil e decreto de 3 de agosto de 1817 proibiu
o corte de árvores nas áreas das nascentes do Rio Carioca.
Em 1830, o total de áreas desmatadas no Brasil era inferior
a 30 mil km2. Hoje se corta mais do que isso a cada dois anos.
Em 1844, o ministro Almeida Torres propôs desapropriações
e plantios de árvores para salvar os mananciais do Rio de Janeiro.
Em 1861, pelo Decreto Imperial 577, de dom Pedro II, foi criada (e plantada)
a Floresta da Tijuca.
A política florestal da Coroa portuguesa e brasileira logrou,
por diversos mecanismos, manter a cobertura vegetal preservada até
o final do século 19. O desmatamento brasileiro é fenômeno
do século 20.
Em São Paulo, Santa Catarina e Paraná, a marcha para
o oeste trouxe grandes desmatamentos. As florestas de araucárias
foram entregues pela Ré-pública aos construtores anglo-americanos
de ferrovias, juntamente com as terras adjacentes.
Na Amazônia, a maior ocupação ocorreu na segunda
metade do século 20 com migrações, construção
de hidrelétricas, estradas e outras infra-estruturas. Há
30 anos, o desmatamento anual varia de 15 mil a 20 mil km2, com picos
de 29 mil e 26 mil km2 em 1995 e 2003. Nos últimos dois anos,
passou a 11 mil km2, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe).
Apesar de generalizações equivocadas, o desmatamento
brasileiro não produziu desertos. Como na Europa, as florestas
cederam lugar à agricultura moderna e competitiva, à pecuária,
às florestas plantadas (seringa, café, eucalipto, laranja,
teca...) e às cidades. O Brasil é um líder agrícola
mundial.
O estudo da Embrapa indica que, apesar do desmatamento dos últimos
30 anos, o Brasil é um dos países que mais mantêm
sua cobertura florestal. Dos 100% de suas florestas originais, a África
mantém hoje 7,8%, a Ásia 5,6%, a América Central
9,7% e a Europa - o pior caso do mundo - apenas 0,3%.
Embora se deva mencionar o esforço de reflorestar para uso turístico
e comercial, não é possível ignorar que 99,7% das
florestas primárias européias foram substituídas
por cidades, cultivos e plantações comerciais.
Com invejáveis 69,4% de suas florestas primitivas, o Brasil
tem grande autoridade para tratar desse tema ante as críticas
dos campeões do desmatamento mundial, como tem proclamado o ministro
da Agricultura, Luís Carlos Guedes.
Há que ter também responsabilidade para reavivar, por
meio de políticas e práticas duradouras, a eficácia
das medidas históricas de gestão e exploração
que garantiram a manutenção das florestas primárias
brasileiras.
(O Estado de SP, 17/01/2007)
País
é severamente criticado pelos campeões do desmatamento
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