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A Vida

Cora Coralina

(...)
A água estava pelo queixo.
Eu bracejava, bracejava.
Quatro crianças no meu dorso,
Agarradas nos meus cabelos nas minhas orelhas, nos meus ombros, nas minhas carnes.
Quatro crianças que eu levava comigo e que devia levar até o porto.
E eu bracejava, bracejava.
Fui a última? Não, não fui a última.
Porque bracejando com aquelas crianças no meu dorso,
Eu vi passar náufragos, pedaços de barcos destroçados.
Náufragos agarrados numa tábua.
Corpos mortos de famílias desajustadas, destroçadas.
E um dia a correnteza, depois de muita luta, muito esforço,
A correnteza me jogou no remanso.
E o remanso me jogou para a margem.
Senti uma solidez para os meus pés.

Levantei.
Saí da água escorrendo com a dor.
Corridos, molhados, ainda sentindo no dorso aquelas quatro crianças.
Depois pisei a terra firme da margem.
As crianças saltaram do meu dorso e o que vi, nesta hora...
Esta hora foi a hora do deslumbramento.
Eu havia carregado quatro crianças? Não.
Quatro gigantes haviam me carregado.
Eu não carreguei meus filhos.
Quatro gigantes me carregaram.
Saltaram de meus ombros quatro gigantes. Eu vi.
E compreendi que aquelas crianças que eu pensava que estava carregando,
Agarradas aos meus cabelos, às minhas orelhas,
Eram quatro gigantes que me carregavam. (...)

Retirado do Caderno Cidades, Correio Braziliense de 14/05/2006, p.29, por Conceição Freitas