Floresta está na origem das chuvas
Marcelo Leite
da Folha de S.Paulo
Um artigo quase impenetrável que sai hoje na revista norte-americana
"Science" (www.sciencemag.org) acrescenta a peça que
faltava no quebra-cabeças do clima da Amazônia. A descoberta
de um composto inédito revela o elo fundamental na interação
entre a floresta e a atmosfera da região e, ao mesmo tempo, ajuda
a entender por que chove tanto por lá.
A coleta de dados para a pesquisa foi realizada na região da
hidrelétrica de Balbina, Amazonas. O estudo faz parte de um dos
maiores projetos científicos em curso no Brasil, o LBA (abreviação
em inglês de Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera
da Amazônia), que reúne pesquisadores do Brasil, dos EUA
e da Europa.
Um dos cientistas que assinam o artigo é o físico brasileiro
Paulo Artaxo, 50, do Instituto de Física da USP e coordenador
do Instituto do Milênio do LBA. Ele explica que foi medida pela
primeira vez a presença de uma mistura de duas variantes da substância
2-metil-tetrol (C5H7O4) na atmosfera amazônica e que ela é
capaz de originar as partículas necessárias (aerossóis)
para que as nuvens se formem e a chuva despenque, chamadas núcleos
de condensação.
Esses núcleos eram até agora o centro de um dos maiores
mistérios amazônicos. Os estudiosos do clima regional reviraram
anos a fio a atmosfera em busca de aerossóis em quantidade que
explicasse as enormes taxas de pluviosidade, mas a conta não
fechava. Eles só conseguiam explicar 10% das chuvas amazônicas.
Outro aspecto importante da descoberta é que esse composto emana
da vegetação tropical, quer dizer, da própria floresta.
Se ela for derrubada em áreas significativas, diminuirá
a emissão dos aerossóis e também, pelo menos em
princípio, a precipitação.
Artaxo diz que o próximo passo do estudo será verificar
a presença do composto em outras áreas da Amazônia,
começando por São Gabriel da Cachoeira (AM).
Folha
Online, 20/02/2004
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