Inicial | Atividades | Notícias / Interesites | Campanhas | Participe | Contato |
Fósseis
de 2 m lembram corais e têm 580 milhões de anos; achado sugere origem
antiga da vida complexa
Reinaldo José Lopes escreve para a 'Folha de SP':
Duas criaturas de dois metros de comprimento, que lembram vagamente corais ou anêmonas, acabam de assumir o posto de animais mais antigos do planeta.
Achados por paleontólogos canadenses, os fósseis têm cerca de 580 milhões de anos e indicam que a vida animal pode ter sobrevivido à pior das eras glaciais, que cobriu a Terra de gelo até o Equador.
'Sempre assumimos que a vida ficasse mais simples e menor conforme voltássemos no tempo', contou à Folha Guy Narbonne, da Queen's University, em Kingston.
'Estávamos procurando algo do tamanho de um dedão. Imagine a nossa surpresa ao achar essas coisas com dois metros!'
Narbonne e seu colega James Gehling, hoje no South Australia Museum, publicaram o achado na edição deste mês da revista científica 'Geology' (http://www.gsajournals.org). O título do artigo, aliás, é bastante sugestivo: 'Life after snowball', ou 'a vida depois da bola de neve'.
É que a dupla Charnia mansoni e Charnia wardi, encontrada no sudeste da Província canadense de Terra Nova, fornece aos pesquisadores os primeiros registros inequívocos de vida depois do período conhecido como 'Snowball Earth' ('Terra Bola de Neve').
O período ganhou esse nome porque, cerca de 600 milhões de anos atrás, um episódio maciço de glaciação resfriou o planeta todo. O gelo chegou perto do Equador, e o mesmo teria acontecido há cerca de 800 milhões de anos.
Imaginava-se que nenhum ser vivo maior que um micróbio pudesse ter existido nessas fases ultrafrias, que duraram 10 milhões de anos cada uma. Só depois delas é que os animais teriam aparecido pela primeira vez.
Caras novas
Até hoje, os fósseis mais antigos dessa nova era tinham sido achados ali mesmo, perto da reserva ecológica de Mistaken Point, e tinham 565 milhões de anos. As criaturas pertencem à chamada fauna de Ediacara -seres esquisitos de corpo mole, que em geral deixaram só impressões em rochas e que se pareciam com vermes, medusas ou corais.
Trabalhando na área desde 1988, Narbonne e Gehling tinham se convencido de que os animais de Mistaken Point eram complexos demais para serem os mais antigos.
Sua persistência foi recompensada em 2001, quando eles deram de cara com as duas criaturas, 1,5 km abaixo do ponto em que os fósseis mais velhos tinham sido achados antes.
Para surpresa dos cientistas, elas também eram complexas. A C. mansoni já era conhecida, enquanto a C. wardi é uma nova espécie.
O corpo das duas lembra uma folha muito fina e comprida, marcada por ranhuras e fixada no fundo marinho, onde elas estavam, por uma espécie de nódulo.
'Elas tinham corpo mole, mas se fossilizaram porque foram cobertas rapidamente por cinzas vulcânicas - uma espécie de Pompéia de Ediacara', explica Narbonne.
Duras de matar
O paleontólogo canadense diz que é difícil saber exatamente que espécie de criatura eram as duas Charnia, ou qual sua relação com os bichos de hoje.
'De todas as criaturas vivas, elas provavelmente se pareciam mais com os cnidários [o grupo dos corais e anêmonas' em estrutura', especula.
Seja como for, a relativa complexidade da dupla sugere que a evolução dos animais poderia estar acontecendo bem no meio da fase 'bola de neve' do planeta.
Isso exigiria uma revisão da teoria atual, que diz que seres complexos só surgiram porque as duras condições dessa era glacial exigiram novos truques evolutivos dos seres vivos da Terra. O problema até hoje era ir mais fundo no registro fóssil para provar isso de forma decisiva - e foi o que Narbonne e Gehling fizeram.
'Já
apareceram muitos candidatos ao 'primeiro animal', mas nenhum dos contendores
é grande ou morfologicamente complexo. É por isso que essa descoberta
é tão importante', diz Narbonne.
(Folha de SP, 16/1)
Resumo
do trabalho original, publicado na revista Geology: Vol. 31, No. 1, pp. 27-30:
Guy
M. Narbonne and James G. Gehling
Department of Geological Sciences and Geological
Engineering, Queen's University, Kingston, Ontario K7L 3N6, Canada
Manuscript
Received by the Society May 8, 2002
Revised Manuscript Received August 30,
2002
Manuscript Accepted September 9, 2002
ABSTRACT
Newly discovered fronds of the Ediacaran index fossil Charnia from the Drook Formation
of southeastern Newfoundland are the oldest large, architecturally complex fossils
known anywhere. Two species are present: Charnia masoni, originally described
from Charnwood Forest in central England and now known worldwide, may have ranged
through as much as 30 m.y. of Ediacaran time, and C. wardi sp. nov., a new species
of Charnia that consists of slender fronds to nearly 2 m in length, is the longest
Ediacaran fossil yet described anywhere. These fossils, which are present midway
between the glacial diamictites of the Gaskiers Formation (ca. 595 Ma) and the
classic Ediacaran assemblage of the Mistaken Point Formation (565 ± 3 Ma)
1500 m higher in the same section, provide our first glimpse of complex megascopic
life after the meltdown of the "snowball Earth" glaciers.
Keywords:
Ediacaran, Neoproterozoic, paleontology, snowball Earth, Avalon, Newfoundland.