HOMENAGEM À MAURÍCIO TRAGTENBERG
Tragtenberg, nasceu em 1929, em Erebango, que depois tornou-se Erexim,
hoje Getúlio Vargas, Rio Grande do Sul. Filho de uma família
de origem judaica, que viera para o Brasil, em conseqüência
dos progroms, onde passaram a cultivar uma agricultura de subsistência.
Desde cedo, sofreu influência do pensamento libertário,
envolvendo autores como Bakunin, Kropotkine, Malatesta, Tolstoi, entre
outros. Assim foi a sua formação cultural. Como ele mesmo
lembra: "conheci as primeiras letras numa escola pública
que funcionava num galpão. Entre arreios, cheiro de alfafa e
um quadro-negro, tive meu primeiro contato com o ler; escrever e contar".
Em São Paulo, morando em bairros operários, como Bom Retiro,
Brás e Belenzinho, tomou contato direto com trabalhadores de
várias nacionalidades, que acabaram influenciados pela Revolução
Russa. Alguns tinham participado diretamente da grande Revolução
ao lado de Lênin, Zinoviev, Trotsky e Bukharin. As conversas e
discussões não se resumiam à academia. Os temas
eram "expressão real de relações sociais e
políticas vividas".
Foi nesse clima de efervescência política e cultural, que
Mauricio ingressou no PCB. Era época do Estado Novo. Mas logo
percebeu o processo de burocratização do partido e passou
a ser um crítico da política implementada pela direção.
Em seguida, acabou sendo expulso do PCB sob a pecha de trotskista. Segundo
Mauricio, a direção aplicara o artigo 13 do Estatuto do
Partido de 1945: "É proibido ao militante do Partido qualquer
contato direto ou indireto com trotskystas ou outros inimigos da classe
operária".
Com a expulsão do PCB, passou a freqüentar os círculos
de palestras organizados pelo PSB. Conheceu influentes intelectuais
militantes de esquerda, como Hermínio Sacchetta, Antonio Candido,
Aziz Simão, Aristides Lobo, Edgar Leuenroth, entre tantos outros..
Para em seguida integrar o grupo da Biblioteca Municipal Mario de Andrade.
Esse grupo era composto por uma série de intelectuais militantes,
entre eles, Leôncio Martins Rodrigues, Aracy Martins Rodrigues,
Flavio Rangel, Bento Prado Jr. e Antunes Filho.
Como grande estudioso e autodidata, conseguiu uma proeza, para quem
não era dado ao ensino convencional e as formalidades acadêmicas.
Por iniciativa de Antonio Candido e utilizando-se de uma lei federal,
Mauricio conseguiu "apresentar uma Monografia à FFCHL da
USP, para prestar vestibular e cursar a universidade". Nesse ínterim,
fizera concurso no magistério oficial do Estado. Foi assim que
Mauricio conseguiu romper o círculo de ferro da burocracia e
ingressar na universidade. Era década de 1960. Depois de ter
passado pelo Mauricio passa a lecionar na Faculdade de Filosofia de
São José do Rio Preto, atual campus da Unesp. Lá
ministrava aulas de Cultura Brasileira para os alunos do curso der Letras,
e Pedagogia. "Praticava-se uma espécie autogestáo
pedagógica". Com o golpe militar de 1964, Mauricio, Michael
Löwy, entre outros, foram "sumariamente demitidos".
Como autodidata, conseguiu o domínio de várias línguas.
Conforme suas próprias palavras: "Conheci o italiano através
da família Abramo, o francês aprendi com minha companheira,
que fora professora de francês no 2º. Grau. A língua
inglesa, através da consulta direta ao dicionário na formação
de um vocabulário inglês" e o alemão através
do conhecimento familiar da língua ídiche.
Mauricio estuda profundamente Marx e Max Weber e defende seu doutorado
com a tese Burocracia e Ideologia, que se converteu em um clássico
da sociologia e das ciências humanas. Depois escreveria outras
obras de suma importância: Sobre Educação, Política,
Sindicalismo, Administração, Poder e Ideologia, Planificação
- desafio do século XX. Organizou e traduziu Weber (Col. Os Pensadores,
Abril).Além de ensaios sobre literatura, a Revolução
Russa, autogestão etc.
Já se passaram oito anos da morte de Mauricio Tragtenberg. Nada
mais justo do que uma singela homenagem, publicando um artigo de sua
autoria que, pelo momento de crise que vive a universidade, a educação
e as instituições, o considero de extrema atualidade.
Conheci Mauricio Tragtenberg, no final dos anos de 1970 e inicio dos
80. Nessa época, eu atuava na Oposição Sindical
Metalúrgica, procurava organizar a luta dos trabalhadores contra
a exploração capitalista e o peleguismo. Período
difícil, de ditadura militar, de repressão política,
mas também de retomada das lutas estudantis e sociais, das grandes
greves operárias que sacudiam o país. Maurício
escrevia na Folha de São Paulo e mantinha sua coluna sindical
(denominada No Batente) no jornal Notícias Populares, onde denunciava
a exploração capitalista e defendia, intransigentemente,
os interesses dos trabalhadores. Apoiou incondicionalmente as Oposições
Sindicais e a luta por uma sociedade mais justa, fraterna e igualitária.
Hoje, mais do que nunca, sentimos muito a falta de Tragtenberg. Ele
soube conciliar ciência e política como vocação!
Com isso, a Revista Antítese está recuperando um pouco
da trajetória histórica do homem de caráter, humanista,
autodidata, que teve como traços característicos marcantes:
a simplicidade, a generosidade e a solidariedade. Confesso que aprendi
muito com as lições do velho mestre!
José de Lima Soares
A Delinqüência Acadêmica*
Maurício Tragtenberg
O tema é amplo: a relação entre a dominação
e o saber, a relação entre o intelectual e a universidade
como instituição dominante ligada à dominação,
a universidade antipovo.
A universidade está em crise. Isto ocorre porque a sociedade
está em crise; através da crise da universidade é
que os jovens funcionam detectando as contradições profundas
do social, refletidas na universidade. A universidade não é
algo tão essencial como a linguagem; ela é simplesmente
uma instituição dominante ligada à dominação.
Não é uma instituição neutra; é uma
instituição de classe, onde as contradições
de classe aparecem. Para obscurecer esses fatores ela desenvolve uma
ideologia do saber neutro, científico, a neutralidade cultural
e o mito de um saber "objetivo", acima das contradições
sociais.
No século passado, período do capitalismo liberal, ela
procurava formar um tipo de "homem" que se caracterizava por
um comportamento autônomo, exigido por suas funções
sociais: era a universidade liberal humanista e mandarinesca. Hoje,
ela forma a mão-de-obra destinada a manter nas fábricas
o despotismo do capital; nos institutos de pesquisa, cria aqueles que
deformam os dados econômicos em detrimento dos assalariados; nas
suas escolas de direito forma os aplicadores da legislação
de exceção; nas escolas de medicina, aqueles que irão
convertê-la numa medicina do capital ou utilizá-la repressivamente
contra os deserdados do sistema. Em suma, trata-se de "um complô
de belas almas" recheadas de títulos acadêmicos, de
um doutorismo substituindo o bacharelismo, de uma nova pedantocracia,
da produção de um saber a serviço do poder, seja
ele de que espécie for. Na instância das faculdades de
educação, forma-se o planejador tecnocrata a quem importa
discutir os meios sem discutir os fins da educação, confeccionar
reformas estruturais que na realidade são verdadeiras "restaurações".
Formando o professor-policial, aquele que supervaloriza o sistema de
exames, a avaliação rígida do aluno, o conformismo
ante o saber professoral. A pretensa criação do conhecimento
é substituída pelo controle sobre o parco conhecimento
produzido pelas nossas universidades, o controle do meio transforma-se
em fim, e o "campus" universitário cada vez mais parece
um universo concentracionário que reúne aqueles que se
originam da classe alta e média, enquanto professores, e os alunos
da mesma extração social, como "herdeiros" potenciais
do poder através de um saber minguado, atestado por um diploma.
A universidade classista se mantém através do poder exercido
pela seleção dos estudantes e pelos mecanismos de nomeação
de professores. Na universidade mandarinal do século passado
o professor cumpria a função de "cão de guarda"
do sistema: produtor e reprodutor da ideologia dominante, chefe de disciplina
do estudante. Cabia à sua função professoral, acima
de tudo, inculcar as normas de passividade, subserviência e docilidade,
através da repressão pedagógica, formando a mão-de-obra
para um sistema fundado na desigualdade social, a qual acreditava legitimar-se
através da desigualdade de rendimento escolar; enfim, onde a
escola "escolhia" pedagogicamente os "escolhidos"
socialmente.
A transformação do professor de "cão de guarda"
em "cão pastor" acompanha a passagem da universidade
pretensamente humanista e mandarinesca à universidade tecnocrática,
onde os critérios lucrativos da empresa privada, funcionarão
para a formação das fornadas de "colarinhos brancos"
rumo às usinas, escritórios e dependências ministeriais.
É o mito da assessoria, do posto público, que mobiliza
o diplomado universitário.
A universidade dominante reproduz-se mesmo através dos "cursos
críticos", em que o juízo professoral aparece hegemônico
ante os dominados: os estudantes. Isso se realiza através de
um processo que chamarei de "contaminação".
O curso catedrático e dogmático transforma-se num curso
magisterial e crítico; a crítica ideológica é
feita nos chamados "cursos críticos", que desempenham
a função de um tranqüilizante no meio universitário.
Essa apropriação da crítica pelo mandarinato universitário,
mantido o sistema de exames, a conformidade ao programa e o controle
da docilidade do estudante como alvos básicos, constitui-se numa
farsa, numa fábrica de boa consciência e delinqüência
acadêmica, daqueles que trocam o poder da razão pela razão
do poder. Por isso é necessário realizar a crítica
da crítica-crítica, destruir a apropriação
da crítica pelo mandarinato acadêmico. Watson demonstrou
como, nas ciências humanas, as pesquisas em química molecular
estão impregnadas de ideologia. Não se trata de discutir
a apropriação burguesa do saber ou não-burguesa
do saber, mas sim a destruição do "saber institucionalizado",
do "saber burocratizado" como único "legítimo".
A apropriação universitária (atual) do conhecimento
é a concepção capitalista de saber, onde ele se
constitui em capital e toma a forma nos hábitos universitários.
A universidade reproduz o modo de produção capitalista
dominante não apenas pela ideologia que transmite, mas pelos
servos que ela forma. Esse modo de produção determina
o tipo de formação através das transformações
introduzidas na escola, que coloca em relação mestres
e estudantes. O mestre possui um saber inacabado e o aluno uma ignorância
transitória, não há saber absoluto nem ignorância
absoluta. A relação de saber não institui a diferença
entre aluno e professor, a separação entre aluno e professor
opera-se através de uma relação de poder simbolizada
pelo sistema de exames - "esse batismo burocrático do saber".
O exame é a parte visível da seleção; a
invisível é a entrevista, que cumpre as mesmas funções
de "exclusão" que possui a empresa em relação
ao futuro empregado. Informalmente, docilmente, ela "exclui"
o candidato. Para o professor, há o currículo visível,
publicações, conferências, traduções
e atividade didática, e há o currículo invisível
- esse de posse da chamada "informação" que
possui espaço na universidade, onde o destino está em
aberto e tudo é possível acontecer. É através
da nomeação, da cooptação dos mais conformistas
(nem sempre os mais produtivos) que a burocracia universitária
reproduz o canil de professores. Os valores de submissão e conformismo,
a cada instante exibidos pelos comportamentos dos professores, já
constituem um sistema ideológico. Mas, em que consiste a delinqüência
acadêmica?
A "delinqüência acadêmica" aparece em nossa
época longe de seguir os ditames de Kant: "Ouse conhecer."
Se os estudantes procuram conhecer os espíritos audazes de nossa
época é fora da universidade que irão encontrá-los.
A bem da verdade, raramente a audácia caracterizou a profissão
acadêmica. Os filósofos da revolução francesa
se autodenominavam de "intelectuais" e não de "acadêmicos".
Isso ocorria porque a universidade mostrara-se hostil ao pensamento
crítico avançado. Pela mesma razão, o projeto de
Jefferson para a Universidade de Virgínia, concebida para produção
de um pensamento independente da Igreja e do Estado (de caráter
crítico), fora substituído por uma "universidade
que mascarava a usurpação e monopólio da riqueza,
do poder". Isso levou os estudantes da época a realizarem
programas extracurriculares, onde Emerson fazia-se ouvir, já
que o obscurantismo da época impedia a entrada nos prédios
universitários, pois contrariavam a Igreja, o Estado e as grandes
"corporações", a que alguns intelectuais cooptados
pretendem que tenham uma "alma". [1]
Em nome do "atendimento à comunidade", "serviço
público", a universidade tende cada vez mais à adaptação
indiscriminada a quaisquer pesquisas a serviço dos interesses
econômicos hegemônicos; nesse andar, a universidade brasileira
oferecerá disciplinas como as existentes na metrópole
(EUA): cursos de escotismo, defesa contra incêndios, economia
doméstica e datilografia em nível de secretariado, pois
já existe isso em Cornell, Wisconson e outros estabelecimentos
legitimados. O conflito entre o técnico e o humanismo acaba em
compromisso, a universidade brasileira se prepara para ser uma "multiversidade",
isto é, ensina tudo aquilo que o aluno possa pagar. A universidade,
vista como prestadora de serviços, corre o risco de enquadrar-se
numa "agência de poder", especialmente após 68,
com a Operação Rondon e sua aparente democratização,
só nas vagas; funciona como tranqüilidade social. O assistencialismo
universitário não resolve o problema da maioria da população
brasileira: o problema da terra.
A universidade brasileira, nos últimos 15 anos, preparou técnicos
que funcionaram como juízes e promotores, aplicando a Lei de
Segurança Nacional, médicos que assinavam atestados de
óbito mentirosos, zelosos professores de Educação
Moral e Cívica garantindo a hegemonia da ideologia da "segurança
nacional" codificada no Pentágono.
O problema significativo a ser colocado é o nível de responsabilidade
social dos professores e pesquisadores universitários. A não
preocupação com as finalidades sociais do conhecimento
produzido se constitui em fator de "delinqüência acadêmica"
ou da "traição do intelectual". Em nome do "serviço
à comunidade", a intelectualidade universitária se
tornou cúmplice do genocídio, espionagem, engano e todo
tipo de corrupção dominante, quando domina a "razão
do Estado" em detrimento do povo. Isso vale para aqueles que aperfeiçoam
secretamente armas nucleares (M.I.T.), armas químico-biológicas
(Universidade da Califórnia, Berkeley), pensadores inseridos
na Rand Corporation, como aqueles que, na qualidade de intelectuais
com diploma acreditativo, funcionam na censura, na aplicação
da computação com fins repressivos em nosso país.
Uma universidade que produz pesquisas ou cursos a quem é apto
a pagá-los perde o senso da discriminação ética
e da finalidade social de sua produção - é uma
multiversidade que se vende no mercado ao primeiro comprador, sem averiguar
o fim da encomenda, isso coberto pela ideologia da neutralidade do conhecimento
e seu produto.
Já na década de 30, Frederic Lilge [2] acusava a tradição
universitária alemã da neutralidade acadêmica de
permitir aos universitários alemães a felicidade de um
emprego permanente, escondendo a si próprios a futilidade de
suas vidas e seu trabalho. Em nome da "segurança nacional",
o intelectual acadêmico despe-se de qualquer responsabilidade
social quanto ao seu papel profissional, a política de "panelas"
acadêmicas de corredor universitário e a publicação
a qualquer preço de um texto qualquer se constituem no metro
para medir o sucesso universitário. Nesse universo não
cabe uma simples pergunta: o conhecimento a quem e para que serve? Enquanto
este encontro de educadores, sob o signo de Paulo Freire, enfatiza a
responsabilidade social do educador, da educação não
confundida com inculcação, a maioria dos congressos acadêmicos
serve de "mercado humano", onde entram em contato pessoas
e cargos acadêmicos a serem preenchidos, parecidos aos encontros
entre gerentes de hotel, em que se trocam informações
sobre inovações técnicas, revêem-se velhos
amigos e se estabelecem contatos comerciais.
Estritamente, o mundo da realidade concreta e sempre muito generoso
com o acadêmico, pois o título acadêmico torna-se
o passaporte que permite o ingresso nos escalões superiores da
sociedade: a grande empresa, o grupo militar e a burocracia estatal.
O problema da responsabilidade social é escamoteado, a ideologia
do acadêmico é não ter nenhuma ideologia, faz fé
de apolítico, isto é, serve à política do
poder.
Diferentemente, constitui, um legado da filosofia racionalista do século
XVIII, uma característica do "verdadeiro" conhecimento
o exercício da cidadania do soberano direito de crítica
questionando a autoridade, os privilégios e a tradição.
O "serviço público" prestado por estes filósofos
não consistia na aceitação indiscriminada de qualquer
projeto, fosse destinado à melhora de colheitas, ao aperfeiçoamento
do genocídio de grupos indígenas a pretexto de "emancipação"
ou política de arrocho salarial que converteram o Brasil no detentor
do triste "record" de primeiro país no mundo em acidentes
de trabalho. Eis que a propaganda pela segurança no trabalho
emitida pelas agências oficiais não substitui o aumento
salarial.
O pensamento está fundamentalmente ligado à ação.
Bergson sublinhava no início do século a necessidade do
homem agir como homem de pensamento e pensar como homem de ação.
A separação entre "fazer" e "pensar"
se constitui numa das doenças que caracterizam a delinqüência
acadêmica - a análise e discussão dos problemas
relevantes do país constitui um ato político, constitui
uma forma de ação, inerente à responsabilidade
social do intelectual. A valorização do que seja um homem
culto está estritamente vinculada ao seu valor na defesa de valores
essenciais de cidadania, ao seu exemplo revelado não pelo seu
discurso, mas por sua existência, por sua ação.
Ao analisar a "crise de consciência" dos intelectuais
norte-americanos que deram o aval da "escalada" no Vietnã,
Horowitz notara que a disposição que eles revelaram no
planejamento do genocídio estava vinculada à sua formação,
à sua capacidade de discutir meios sem nunca questionar os fins,
a transformar os problemas políticos em problemas técnicos,
a desprezar a consulta política, preferindo as soluções
de gabinete, consumando o que definiríamos como a traição
dos intelectuais. É aqui onde a indignidade do intelectual substitui
a dignidade da inteligência.
Nenhum preceito ético pode substituir a prática social,
a prática pedagógica.
A delinqüência acadêmica se caracteriza pela existência
de estruturas de ensino onde os meios (técnicas) se tornam os
fins, os fins formativos são esquecidos; a criação
do conhecimento e sua reprodução cedem lugar ao controle
burocrático de sua produção como suprema virtude,
onde "administrar" aparece como sinônimo de vigiar e
punir - o professor é controlado mediante os critérios
visíveis e invisíveis de nomeação; o aluno,
mediante os critérios visíveis e invisíveis de
exame. Isso resulta em escolas que se constituem em depósitos
de alunos, como diria Lima Barreto em "Cemitério de Vivos".
A alternativa é a criação de canais de participação
real de professores, estudantes e funcionários no meio universitário,
que oponham-se à esclerose burocrática da instituição.
A autogestão pedagógica teria o mérito de devolver
à universidade um sentido de existência, qual seja: a definição
de um aprendizado fundado numa motivação participativa
e não no decorar determinados "clichês", repetidos
semestralmente nas provas que nada provam, nos exames que nada examina,
mesmo porque o aluno sai da universidade com a sensação
de estar mais velho, com um dado a mais: o diploma acreditativo que
em si perde valor na medida em que perde sua raridade.
A participação discente não constitui um remédio
mágico aos males acima apontados, porém a experiência
demonstrou que a simples presença discente em colegiados é
fator de sua moralização.
____________ * Texto apresentado no I Seminário de Educação
Brasileira, realizado em 1978, em Campinas-SP. Publicado em: TRAGTENBERG,
M. Sobre Educação, Política e Sindicalismo. Sã
Paulo: Editores Associados; Cortez, 1990, 2ª ed. (Coleção
teoria e práticas sociais, vol 1) [1] Kaysen pretende atribuir
uma "alma"à corporação multinacional;
esta parece não preocupar-se com tal esforço construtivo
do intelectual. [2] Frederic LILGE, The Abuse of Learning: The Failure
of German University. Macmillan, New York, 1948.
Revista Mensal - Ano II - Número 14 - Julho de 2002 - ISSN: 1519.6186
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